27 Abril 2022
Dois anos atrás, no lockdown mais difícil, ele organizou um 25 de abril "digital" que mobilizou a Itália: também foi uma "vitória" na hora mais sombria do Covid. Hoje, porém, Carlo Petrini, fundador do Slow Food e de Terra Madre, o antigo militante da "Radio Bra Onderosse" que dialoga com o Papa, manifesta "desconforto, dificuldade, amargura" e precisamente no dia que lembra a liberdade.
“Entrei em crise, sobre a guerra na Ucrânia, como acredito que aconteceu a muitos outros. Todos os dias acho difícil, excruciante, ter apenas uma posição definitiva. E de qualquer forma, acredito que a escolha daqueles que são apenas 'todos intervencionistas' esteja errada. Não se pode pretender excluir o pacifismo da memória do antifascismo”.
A entrevista com Carlo Petrini é de Ettore Boffano, publicada por Il Fatto Quotidiano, 26-04-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
O que aconteceu de tão grave nestes dias que envenenou os poços do diálogo e do confronto?
Junto com a guerra, também começou um movimento contra ela que é fortalecido pela cultura não-violenta. É uma das posições possíveis e certamente tem todo o direito de existir: não pode ser insultada, até mesmo criminalizada. Tenho amigos de esquerda que, sobre a questão do envio de armas para Kiev, me dizem: eu talvez teria votado sim, mas sei que aí não teria dormido à noite. Por minha vez, respondo: eu talvez teria votado não, mas provavelmente também não teria dormido.
É quase impossível argumentar assim agora, no entanto. O embate, a dureza da linguagem, o uso das palavras para golpear, triunfam.
Estou prestes a dizer algo paradoxal, eu sei: talvez seja o demasiado debate que conduz a este extremismo.
Seria preciso um pouco de saudável pragmatismo, um diálogo calmo que soubesse respeitar a diversidade, mas também a legitimidade das posições. Acima de tudo, ninguém pode ser acusado de favorável a Putin porque é contra as armas.
A resposta a uma declaração como essa às vezes é desdenhosa, às vezes compassiva, mas em essência é sempre a mesma: mulheres e crianças morrem em Mariupol e Bucha. Em suma, o espiritismo não salva ninguém. Como se pode replicar a isso?
Rejeito tal leitura de pacifismo e da não-violência. Não se trata apenas de espiritualidade, de ética. Fazer aquela escolha significa ter uma posição política precisa e pragmática, há muito, muito realismo nisso tudo. Sobre a guerra o Papa Francisco não é espiritualista, mas indica uma práxis política. E a não-violência pode ser encarnada justamente dentro da guerra.
Mas existem exemplos concretos que justifiquem tal escolha?
Sim, aquele de Gino Strada. Ele nunca teve dúvidas sobre armas e guerra, ele sempre disse não e acredito que ele dormia à noite. No entanto, com aquelas ideias e aquelas escolhas, ele sempre acabou no meio das guerras. O que há de mais concreto do que seus comportamentos? Queremos insultar a sua memória, os seus gestos, o que ele sempre fez?
Você vem da esquerda, aquela de 1968, aquela das batalhas pelo Vietnã e contra a OTAN. Não lhe causa espanto descobrir que algumas das vozes mais implacáveis contra a não-violência hoje pertencem ao seu próprio álbum de família?
Seria demasiado fácil replicar, fazer ironia, se atravessar. E não haveria nem mesmo necessidade de voltar ao Vietnã: já nos esquecemos da Síria, do Afeganistão? Explicam-nos que agora é diferente, que hoje o conflito está no coração da Europa, ao nosso lado. Esses eventos, no entanto, foram no Mediterrâneo: eles também estavam ao nosso lado.
Então?
Eu não quero pagá-los de volta com a mesma moeda. Em vez disso, respeito suas posições, mas peço respeito para aquelas de quem acredita que o pacifismo e sua práxis sejam o verdadeiro caminho. Também espero que tudo acabe logo, mas temo que essa guerra ainda continue. Se assim for, estou convencido de que certas atitudes mais virulentas diminuirão. Já hoje, porém, uma coisa deve ficar clara.
Qual?
De modo algum pode ser negada plena cidadania, plena dignidade às posições do pacifismo.
Digo isso da maneira mais clara e explícita. Repito: homens como o Papa Francisco ou Gino Strada não podem ser ofendidos.
Qual é o maior medo para o mundo que virá após este conflito?
Pelas consequências desta guerra naqueles territórios, no meio daqueles povos, sobretudo. Pelos efeitos que carregará atrás dela com prováveis razões para novos conflitos. Depois, porém, tem o meio ambiente.
A emergência energética ligada ao gás e ao petróleo está deixando de lado as questões das mudanças climáticas e do drama ambiental. Percebo que estão desaparecendo palavras como soberania alimentar, biodiversidade, luta contra o desperdício de alimentos, energias alternativas. O símbolo é o retorno ao carvão: todo o passado é relegitimado. O risco é que se consiga mais mudar nada.
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Agora chega de ofensas contra os pacifistas. Nenhum de nós é a favor de Putin. Entrevista com Carlo Petrini - Instituto Humanitas Unisinos - IHU