25 Outubro 2025
"Oxalá os cristãos, a exemplo de Frassati, não vivam uma fé confinada na devoção privada, alheia ao mundo, mas, pela força do Evangelho, deem sua devida contribuição à vida política e à civilização", escreve Luís Corrêa Lima, padre jesuíta, em artigo publicado por Contém Amor, 23-10-2025.
Eis o artigo.
O Papa Leão XIV canonizou dois jovens leigos católicos: Carlo Acutis e Pier Giorgio Frassati. Ambos são exemplos cristãos muito relevantes para o nosso tempo. Na missa de canonização, foi lido publicamente o resumo biográfico de cada um deles. Sobre Frassati, falecido há 100 anos, foi dito que “durante os anos do fascismo, enfrentou dificuldades devido ao seu envolvimento em associações católicas e nas fileiras do Partido Popular, ao qual se filiou aos 19 anos”. Isto não é comum em se tratando de um santo católico.
Ele nasceu em 1901, em Turim, Itália. Seu pai fundou o jornal liberal La Stampa e depois se tornou senador. Pier Giorgio foi aluno dos jesuítas e, depois, estudou engenharia de minas. Desenvolveu uma profunda espiritualidade e um notável ativismo social e político nos subúrbios e nas fábricas. Emprestava dinheiro aos pobres, comprava-lhes remédios e transportava, pelas ruas, carroças carregadas com utensílios domésticos para pessoas desalojadas. Era um jovem que praticava alpinismo, frequentava teatro e museus, gostava de música e poesia. Em contato com os doentes, contraiu uma poliomielite fulminante. Uma semana depois, faleceu, aos 24 anos de idade.
Na homilia da missa de canonização, o Papa afirmou que a vida de Frassati representa uma luz para a espiritualidade leiga e que “para ele, a fé não era uma devoção privada: impulsionado pela força do Evangelho e pela pertença a associações eclesiais, comprometeu-se generosamente na sociedade, deu o seu contributo à vida política, dedicou-se com ardor ao serviço dos pobres”.
As dificuldades enfrentadas por Frassati com o fascismo foram dramáticas. Em uma manifestação, ele sofreu violência e foi preso pela polícia. Sua casa chegou a ser invadida por fascistas. Ele havia descrito o episódio em carta a um amigo, agora publicada pelo jornal La Stampa — um dia após sua canonização: “me joguei sobre aquele canalha gritando ‘canalhas, covardes e assassinos’, acertei-lhe um soco. (…) Hoje podemos gabar-nos de sempre termos sido contra esse partido, formado por uma associação criminosa, ladrões, assassinos ou idiotas, que, em suma, é o fascismo agora. (…) Viva a liberdade. (…) Abaixo as tiranias.”
A carta tem o calor dos acontecimentos e uma notável percepção dos males do fascismo, que se apossava do poder público e arruinava o Estado democrático de direito. Como Jesus, ao expulsar os vendilhões do templo, Frassati disse verdades contundentes e, em circunstância extrema, usou a violência. Esta canonização de Leão XIV ocorre em tempos de ascensão da extrema-direita em vários países, em que as democracias correm sério risco.
Outro santo que enfrentou a tirania foi o mártir Oscar Romero, arcebispo de San Salvador, na América Central. Em sermão na catedral lotada, na véspera de seu assassinato, ele conclamou o exército e a polícia a não cumprirem as ordens de atirar contra o povo. Seu destino foi selado aí. Há sete anos, o Papa Francisco o canonizou. Assim, o conceito de santidade se amplia, apontando para uma fé que leva ao compromisso social, para além da esmola e, quando necessário, leva à contestação política. É uma santidade antifascista.
Oxalá os cristãos, a exemplo de Frassati, não vivam uma fé confinada na devoção privada, alheia ao mundo, mas, pela força do Evangelho, deem sua devida contribuição à vida política e à civilização.
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