10 Setembro 2025
"Se a ideia era apresentar um santo millennial para atrair millennials, alfas e os que ainda estão por vir, quem, de fato, acaba sendo atraído são os mesmos baby boomers e X’s que já frequentam há mais de 40, 50 anos as assembleias dominicais católicas".
O artigo é de Matheus da Silva Bernardes.
Matheus da Silva Bernardes é professor da Faculdade de Teologia da PUC-Campinas e presbítero da Arquidiocese de Campinas.
Eis o artigo.
No último dia 7, em uma Praça São Pedro repleta de fiéis, o Papa Leão XIV canonizou Carlo Acutis, o primeiro santo da geração millennial. Conhecido por sua grande devoção à Eucaristia, o que pode ser visto principalmente no catálogo de milagres eucarísticos publicado por ele na internet, o jovem Carlo Acutis faleceu aos 15 anos de idade de leucemia. Primeiramente prevista para abril passado, sua canonização teve que ser remarcada por causa da morte do Papa Francisco.
Ainda há poucos dias de ter sido elevado à honra dos altares, já era possível falar do “efeito Carlo Acutis” no catolicismo. Até mais, meses antes de sua canonização esse “efeito” era claramente perceptível: imagens, novenas, livros biográficos do jovem millennial eram facilmente encontrados em livrarias católicas, físicas e digitais. Mas o que estaria por trás desse efeito?
Não é novidade para ninguém que o catolicismo, sobretudo europeu e americano – leia-se norte e latino-americano – está passando por um rápido envelhecimento: nas assembleias dominicais católicas, a média de idade dos fiéis ultrapassa facilmente os 50 anos. Seria possível afirmar que o que está acontecendo nos templos católicos reflete o que acontece na sociedade com um todo. É um fato! Países europeus e americanos experimentam um envelhecimento acelerado da população.
Contudo, um olhar mais atento pode permitir uma análise mais assertiva. Para tal olhar, convém partir daquilo que está acontecendo no âmbito religioso em um dos países em que os milagres para a canonização de Carlo Acutis aconteceram: o Brasil. Segundo o último censo populacional, é fato que a população brasileira envelhece rapidamente, o que também pode ser visto nas assembleias dominicais católicas. Além disso, o âmbito religioso brasileiro tem mostrado mais “imprevisível” que o pensado: a saída de fiéis da Igreja Católica desacelerou, do mesmo modo que a entrada de fiéis nas diversas denominações evangélicas.
Não obstante, o número de jovens que frequentam os cultos evangélicos é claramente maior que o número de jovens nas missas. Sem dúvidas, ainda há movimentos católicos que atraem muitos jovens; porém, tais movimentos têm sido se alinhado com o neoconservadorismo e o pietismo, como pode se ver no movimento dos “Jovens Sarados” iniciado pela Canção Nova. Logo, são, de forma alguma, movimentos de vanguarda…
Longe de serem reconhecidas pela vanguarda, diversas denominações evangélicas, sim, saem à frente do catolicismo no quesito vida urbana. Muito mais adaptadas aos contextos fluídos e ambíguos do tecido urbano brasileiro, como aponta Agenor Brighenti (2021, p. 142), essas denominações sabem que a territorialidade, tão prezada pelas paróquias católicas, já não responde e corresponde à vida nas cidades. Além disso, as formas de pertencimento são igualmente fluídas: enquanto o catolicismo prima pela catequese e o ritualismo da iniciação à cristã, o ingresso em várias igrejas e comunidades eclesiais evangélicas é “menos burocrático”; basta ir às assembleias para “você estar dentro”; claro, a ideia de “fidelização” do fiel é colocada em xeque com esse modelo, mas a fluidez da vida urbana – traço característico dos jovens brasileiros – não comporta um modelo “fidelizado” de pertencimento religioso.
Com relação à capacidade para atrair jovens, os evangélicos passaram os católicos no Brasil. A canonização de Carlo Acutis parece responder à essa situação ao apresentar um millenial, um nativo digital, como santo. No entanto, o pietismo e o devocionismo unidos à imagem do recém canonizado não continuam sendo “mais do mesmo”? Se a ideia era apresentar um santo millennial para atrair millennials, alfas e os que ainda estão por vir, quem, de fato, acaba sendo atraído são os mesmos baby boomers e X’s que já frequentam há mais de 40, 50 anos as assembleias dominicais católicas.
Referências
BRIGHENTI, A. Evangelização e pastoral urbana. In: WOLFF, E.; PALAFOX, A.; BRAVO PÉREZ, B. (org.). A teologia e a pastoral na cidade: desafios e possibilidades atuais. São Paulo: Paulus, 2021. p. 133-154.
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