23 Outubro 2025
A Europa posta de joelhos por Donald Trump, o "pacificador" do Oriente Médio.
A entrevista é de Umberto De Giovannangeli, publicada por L'Unità, 21-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Estamos em uma situação tão ruim assim?
Penso que hoje a comunidade europeia está de joelhos, independentemente de Donald Trump. Curvada dentro do roteiro escrito e dirigido por outros. E temo que, infelizmente, ela corra o risco de se mostrar ainda mais incapaz de incidir sobre os grandes processos em curso. Você me convida a refletir sobre o Oriente Médio. Gaza é destruída, o Hamas é dizimado, mas não erradicado e continua sendo protagonista, o "Mandela palestino" Marwad Barghouti é mantido preso e vilipendiado, Benjamin Netanyahu não desce do trono e administra com dureza a frágil trégua imposta por Trump, este último manda e desmanda e a União Europeia fica meio inerte e muito cortesã, se na Itália essa palavra ainda pode ser usada em seu primeiro e principal significado... Cortesã complacente, impotente, obediente às decisões do senhor da corte de injustiça instalada na Casa Branca. Mas, por mais frágil, parcial e injusta que seja, agora há uma chance para a política, e ela não deve ser desperdiçada. D'André cantava que "do esterco nascem as flores". Mesmo depois de longos e tortuosos andanças, é possível retomar o percurso.
Percebo uma leve esperança. Mas o juízo geral é amargo, e sobre a Europa é muito duro.
Espero e trabalho, dentro de minhas possibilidades, por um outro papel para a UE. No entanto, do jeito que as coisas estão, estamos realmente em uma situação ruim. Se for verdade, como se gaba o matemático lituano Andrius Kubilius, de profissão agora Comissário de Defesa da UE, que nos próximos 10 anos queimaremos 6,8 trilhões de euros dos Estados-membros e do orçamento da UE para nos armarmos até os dentes, inscrevendo-nos no concurso lançado pelos EUA de Trump e desenvolvendo a teoria da "paz por meio da guerra", tão prezada pela advogada estoniana Kaja Kallas, de profissão agora Comissária de Política Externa e de Segurança da UE...
O que, afinal, está acontecendo com a UE?
Respondo com o cálculo e a previsão mordaz que o cientista político de Putin, Sergey Karaganov, confidenciou há alguns dias ao Corriere della Sera: "Donald Trump não tem interesse em parar a guerra na Ucrânia, exceto por exibicionismo pessoal. Ele e os Estados Unidos estão se beneficiando disso, drenando a Europa, despojando-a de seus recursos e sendo pagos para manter Kiev viva." Terrivelmente verdade, apenas considero insuportável o desprezo pelo povo ucraniano. Eu também acrescentaria, e venho fazendo isso há três anos e oito meses, que nem mesmo Pequim tem interesse em parar a guerra e em transferir a Rússia para além dos Urais, fora de seu continente de origem. É desastroso, política e moralmente, ser obrigados a contar com o "exibicionismo pessoal" de Trump, com a pretensão do homem que renomeou o Departamento de Defesa dos EUA como Ministério da Guerra, de receber o Prêmio Nobel da Paz.
De acordo com o roteiro de guerra a que, insisto, nós, europeus, mais uma vez nos submetemos, aceitamos e desenvolvemos, nesta fase estão o martelo de Putin e a bigorna de Trump. Com a perspectiva de desmantelar os próprios fundamentos da segurança comum, que é também e acima de tudo social, de empobrecer e romper o tecido humano e moral do nosso sistema, e de militarizar e destruir o laboratório pacífico da integração e da cooperação interna e externa que mantivemos aberto por mais de setenta anos. O militarismo e a política da guerra produzem inexoravelmente esses resultados. A guerra não é o meio para a paz, é o seu oposto. Absorve recursos, energia e vidas e os consome, retornando e multiplicando destruição e dependência, não desenvolvimento e interdependência saudável e pacífica.
Enquanto isso, porém, em Gaza, a carnificina parou.
Sim, pelo menos lá há uma trégua. Reivindicada por uma opinião pública internacional cada vez mais chocada e indignada pelos delitos em Gaza e na Cisjordânia. Violada e administrada arbitrariamente pelo governo de Tel Aviv, até mesmo no transporte da ajuda humanitária a civis palestinos. E, no entanto, o massacre diário de crianças, mulheres e homens palestinos foi interrompido, e os reféns israelenses e internacionais ainda vivos foram finalmente libertados.
Mais uma vez, fica demonstrado, como sempre digo, que somente o cessar-fogo é certamente justo. Todo o restante precisa ser esclarecido, reconstruído e consolidado. Não consigo tirar da cabeça que, nas horas em que o ataque sobre a Cidade de Gaza era interrompido e as bombas israelenses não eram mais eram lançadas sobre a Cidade de Gaza estavam sendo lançadas, com eficácia e eloquência letais, no sul do Líbano. Vejo também que os abusos coloniais e anexionistas continuam na Cisjordânia, às custas da população palestina. Enfim, todos podemos constatar que há uma conspiração para reacender o conflito. As práticas genocidas estão suspensas e, esperamos, encerradas, mas o projeto de limpeza étnica não foi arquivado.
A paz, ensinava o Papa Francisco, não pode ser definida como tal sem justiça. Que justiça existe para o povo palestino no "Plano de Trump"?
Por enquanto, estamos no "vae victis". Ai dos vencidos. Ai das vítimas de Netanyahu e seus associados Smotrich e Ben-Gvir, ai das vítimas do Hamas, os dois blocos que são e continuam sendo os protagonistas opostos desse horror, igualmente inimigos da coexistência e da paz. Mas, acima de tudo, ai do povo palestino. O Plano de Trump tem o mérito inquestionável de ter afrouxado o torniquete no pescoço daqueles que eram mortalmente sufocados e espancados, mas também o terrível vício de deixar intactos coleiras, guias e bastões. De novo, como os analistas mais atentos imediatamente notaram, não se deixando distrair pelos holofotes midiáticos dados ao liber-lab de Tony Blair, engrandece o papel da Turquia de Recep T. Erdogan, grande amigo e aliado de Trump, assim como do Emir do Catar, Hamad al-Thani.
De velho, destaca a permanência no poder efetivo na Faixa dos armados do Hamas, os “irmãos que erram” do governo de Ankara. E isso pode ser fruto de um realismo extremo, mas, acima de tudo, é demonstração da afirmação de relações de força e dos interesses objetivamente mais fortes, projeção de uma rede global que chamo de "internacional preta", que tem diferentes nuances e a mesma ambição hegemônica. E, finalmente e por princípio, enfatizo como a Cisjordânia, fragmentada e colonizada à força pelos israelenses, está sendo completamente ignorada no Plano, e que a Anp está sendo empurrada cada vez mais para as margens, independentemente da crise em sua atual liderança. E isso lança um vazio mais que inquietante no cenário...
O cessar-fogo não apaga o genocídio e os crimes de guerra dos quais Netanyahu é culpado. Mas o presidente dos Estados Unidos não vê dessa forma. Para ele, Netanyahu continua sendo um "herói de guerra", um "bom homem", no máximo, um pouco teimoso.
Na visão e na política concreta desenvolvida por Trump, não existe uma justiça superior àquela decidida pelo "soberano". É ele quem absolve e condena, decide sanções e tarifas, possibilidades e limites, arma e desarma, legitima e defenestra. Tudo pode ser relativizado e é perdoável quando se trata de amigos, melhor se propensos a se curvar. Até mesmo massacres e o uso da fome como arma de guerra. Até os bombardeios em outros Estados, como o decidido por Netanyahu na mesa do Catar das negociações israelense-palestinas: "Desde que você não o repita!". As bombas sobre o Líbano e a Síria obviamente não contam. Aquelas sobre o Irã, até agora mais ou menos devolvidas pelos iranianos, são, em vez disso, um título de mérito, conquistado pelo primeiro-ministro israelense em parceria com os próprios EUA.
"Israel não pode fazer guerra ao mundo, Bibi", disse Trump ao amigo Netanyahu. Aquele mundo em revolta é o mundo das ruas lotadas, o mundo da Flotilha.
As ruas de humanidade da Itália, da Europa e do mundo foram decisivas. Não pude acreditar nos meus ouvidos e olhos diante do debate sobre a "insignificância" das manifestações populares em comparação com a eficácia da ação de Trump para impor uma trégua, pelo menos em Gaza. As pessoas que saíram às ruas, ombro a ombro — mulheres, homens e até crianças, famílias inteiras — deram vida a grandes manifestações civis e não violentas, apesar das tentativas de estragá-las de franjas exasperadas, de provocadores diversos e distribuidores governamentais de caricaturas odiosas.
No que nos diz respeito, sem aquelas ruas de humanidade, a única coisa que haveria em cena seria a inércia, o cinismo e a cumplicidade da política italiana e europeia. E sem as viagens igualmente corajosas e cheias de esperança das várias Flotilhas, até aquela midiaticamente incensurável e politicamente incômoda da Flotilha Global Sumud, teria continuado a pairar um silêncio de chumbo não apenas sobre o gravíssimo bloqueio da ajuda humanitária a Gaza, mas também sobre a intolerável desarticulação das redes logísticas de organizações internacionais e não governamentais verdadeiramente independentes, essenciais à sua distribuição.
Sempre digo que a Flotilha foi o dedo apontando para a lua. Um segmento da política, mais ou menos extremista e declaradamente de direita, na Itália e em outros lugares, tentou difamar aqueles que a organizaram e os parlamentares que, em espírito de serviço, atuaram como sua "escolta", mas toda a política, em última análise, teve que lidar com isso. Assim como com o variegado povo das ruas da dor e da indignação.
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