15 Outubro 2025
"O Hamas é uma parte da jihad totalitária: mesmo as vítimas colaterais, os mártires involuntários na guerra santa, são sangue sem importância."
O artigo é de Domenico Quirico, jornalista italiano, publicada por La Stampa, 13-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis o artigo.
Diante das grandes tragédias, quando a dor e o terror parecem milagrosamente suspensos por um instante, em vez de incomodar imediatamente a História, a Esperança e o otimismo a todo custo, dever-se-ia dizer o que é menos reconfortante: a verdade. Atualmente, na Palestina, com a troca de prisioneiros ainda incerta e o cessar-fogo, estamos com muito esforço retornando ao 6 de outubro. Ou seja, ao nível de violência que o Ocidente (e os regimes árabes) sempre consideraram aceitável; em última análise, se adequando à única estratégia séria que adotaram, a saber, lavar as mãos, limitando-se a execrações, advertências e lamentações teóricas. Significa reduzir os eventos trágicos a limites razoáveis, de modo a torná-los quase inofensivos: vamos lá, não vamos gastar demasiada energia. É claro que o tormento dos reféns termina e se abre um espaço no qual o ritmo infernal dos mortos na Faixa de Gaza escreve um maravilhoso zero.
Os palestinos comemoram: é bom estar vivos. Com as tréguas, quem sofre pode respirar. Mas duvido que aqueles que queriam a guerra estejam meditando sobre suas culpas. Mas para que o plano de Donald Trump possa ir além do enésimo efeito ilusionista, uma falsa alegria, um falso repouso prestes a voltar a ser guerra e horror, é necessário muito mais. Os processos de paz funcionam, vão até o fim quando todos os protagonistas da guerra, como Hernán Cortés, que mandou queimar os veleiros de sua expedição ao Novo Mundo, dizem: "No hay vuelta atràs", não há como voltar atrás.
É realmente assim no Oriente Médio? A trama do plano de Donald Trump nas fases pós-trégua é tão leve quanto uma teia de aranha: mas terá a mesma resistência elástica? De tanto inventar contos de fada, em meio a explosões de otimismo verbal, acaba-se virando mentirosos e acusa-se aqueles que se obstinam em revelar males e lacunas de expor chagas e misérias, enquanto nos asseguram que tudo está sendo acertado nos mínimos detalhes. Um exemplo: o desarmamento do Hamas. Não se assemelhará à rendição alemã em 1945 ou à despedida das armas dos sul-vietnamitas em Saigon. Deve ser aplicada uma modalidade testada no final de outros conflitos civis, que requer condições e capacidades. Não basta que quem deve desarmar o anuncie; é preciso que seus milicianos saiam dos abrigos ou das áreas que controlam (os túneis labirínticos, a Gaza subterrânea e praticamente intocada), se apresentem em locais designados, entreguem as armas e obtenham um passe para retornar à vida civil ou partir para o exílio. É difícil imaginar os lúgubres talibãs do Hamas, que lotaram os cenários das anteriores libertações de reféns, prestar-se a esse papel. E, além disso, quem deveria controlar se realmente se apresentam todos aqueles que devem depor as armas e se outros em abrigos secretos não estão prontos para retomar a luta?
E em que se sustentará a administração controlada (ou melhor, o mandato colonial) que deveria reerguer Gaza das ruínas e a conduzir à boa governança e à paz: forças de paz árabes que deveriam obedecer a Tony Blair? Mercenários contratados, ao estilo iraquiano?
Até agora, tudo parece funcionar porque cada um dos jogadores arrecada alguma vantagem sem ter que abrir mão de nada substancial. Se faz de tudo para se sair bem. Para que se acredite. Todos desempenham um papel, guerreiros e pacificadores; parece que todos estão esperando para tratar, para negociar. No fim, tudo pode desmoronar por um erro de cálculo. Nenhuma ideia se sustentará.
Os atuais protagonistas — presidentes, petroemires, raïs e terroristas — são, se os olharmos atentamente, figuras de decadência, que, em momentos de cansaço do mundo, sobem ao palco de uma história passada e irrepetível. Por alguns dias, Donald Trump pode se pavonear como um senhor da guerra e da paz, colecionar fotos históricas (a cena do bilhete anunciando que tudo acabou...). Esse é o microscópico horizonte temporal de sua diplomacia. Depois, enquanto tudo volta ao tamanho real, ele passará à arrecadação: não de um Prêmio Nobel, mas sim da reconstrução e de acordos petrolíferos em nome do pobre Abraão. O lado econômico confiado, não por acaso, a dois grandes negociantes como seu genro e Tony Blair, delegados até mesmo à mesa diplomática para manter um olho nos negócios mais estritamente familiares.
Benjamin Netanyahu traz os reféns para casa, fechando uma brecha no front interno, livrando as ruas dos gritos irritantes de dor dos parentes dos sequestrados de 7 de outubro. A retirada, se acontecer, em última análise, não lhe custa nada: em questão de segundos, as Forças de Defesa de Israel (FDI) podem recomeçar a destruição de Gaza, ou do que resta dela. Quanto ao plano de aniquilar o Hamas até o último membro ou anexar a Faixa de Gaza, era conversa fiada de seus aliados, que exigem o Grande Sião. De fato, como ele comprovou que nenhum dos dois objetivos da vitória era tecnicamente alcançável, pode renunciar a eles, dando-se ares de moderação.
Os regimes árabes salvam a cara depois de permitir que os incômodos palestinos fossem massacrados por dois anos. O abominável Abdel Fattah Al-Sisi armazena do cofre os cumprimentos de seus empregadores estadunidenses; o Catar, com encantadora cara de pau, completa seu triplo jogo, diretor, financiador do jihadismo e seu respeitado Ministério das Relações Exteriores.
E depois há o Hamas. No roteiro de Donald Trump, ele deveria desempenhar o papel do derrotado que se autoelimina. Enquanto espera que aconteça, o grupo jihadista obteve status de contraparte, com o qual os estadunidenses negociaram sem problemas. Isso lhes parece pouco? Depois de dois anos de massacres, ainda existe.
Mesmo que seus líderes decidam se exilar, deixam na Faixa um legado de ódio contra Israel que pode ser trabalhado nos próximos anos. E os milhares de palestinos que sacrificou em sua guerra?
O Hamas é uma parte da jihad totalitária: mesmo as vítimas colaterais, os mártires involuntários na guerra santa, são sangue sem importância.
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