09 Outubro 2025
O ministro Flávio Dino, do Supremo Tribunal Federal (STF), pediu vista e interrompeu ontem (8/10) o julgamento sobre a constitucionalidade da Lei nº 13.452/2017, que reduziu o Parque Nacional do Jamanxim, no Pará. A Lei suprimiu 862 hectares do parque para viabilizar a Ferrogrão, projeto de quase 1.000 km entre Sinop (MT) e Itaituba (PA) para escoar grãos do Centro-Oeste.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 08-10-2025.
O pedido de vista de Dino foi feito após os votos do relator, ministro Alexandre de Moraes, e do ministro Luís Roberto Barroso, ambos pela constitucionalidade da lei. A legislação foi questionada na corte pelo PSOL, que alegou que a mudança de uma reserva federal não poderia ter sido feita por medida provisória, como ocorreu à época.
Independentemente do resultado no STF, o governo traça uma estratégia para tirar a ferrovia do papel. O projeto, que integra o Novo PAC, foi tema de um encontro entre o presidente Lula e o ministro dos Transportes, Renan Filho, na 3ª feira (7/10). Embora a ordem seja aguardar a decisão da corte, já se avaliam alternativas para seguir com a Ferrogrão, segundo a Folha.
Na semana passada, quando começou o julgamento no STF, a Advocacia-Geral da União (AGU), que representa o governo, chegou a dizer que a lei seria inconstitucional. A argumentação, porém, era que mudanças no texto feitas pelo Congresso enfraqueceram a proteção prevista ao meio ambiente. Ainda assim, a AGU afirmou que o projeto seria viável, por ter seu traçado redefinido e calibrado para passar ao lado de uma rodovia que já existe no local, a BR-163.
A posição da AGU causou desconforto no governo por reforçar um viés visto como obstáculo à construção da ferrovia, ou seja, a inconstitucionalidade da lei. Por outro lado, a ideia é demonstrar que o projeto ferroviário já não dependeria da lei questionada no STF ou da redução do Jamanxim.
Todos esses argumentos, porém, são refutados pela ala ambiental do governo, que avalia o projeto como um vetor de aumento de desmatamento e de pressão sobre a região amazônica, sem falar nos impactos sobre Terras Indígenas. Ainda assim, o projeto sempre foi abraçado por Lula. E continua sendo.
Várias pesquisas mostram os imensos impactos socioambientais da Ferrogrão. Uma delas é um parecer técnico de cientistas da USP e da UFMG e especialistas do Observatório do Clima e do Instituto Socioambiental (ISA), apontando falhas e lacunas nos novos estudos de viabilidade técnica, econômica e ambiental (EVTEA) do projeto. Outro parecer técnico, do Grupo de Trabalho Infraestrutura e Justiça Socioambiental (GT Infra), indicou risco de ampliação do desmatamento, além de grilagem, em áreas adjacentes à ferrovia.
A Ferrogrão ainda é um péssimo negócio financeiro. Um estudo liderado pelo economista Claudio Frischtak, em parceria com o projeto Amazônia 2030, mostra que a construção da ferrovia exigiria um investimento inicial de R$ 11,45 bilhões. Porém, com os custos financeiros, operacionais e os desafios jurídicos envolvidos, sua Taxa Interna de Retorno (TIR) pode chegar a apenas 1,6% ao ano, muito pouco para atrair capital privado. Ou seja, seria necessário um aporte público de R$ 32,5 bilhões, quase 90% do valor total.
JOTA, O Globo, Vero Notícias, Folha, UOL e Estadão também repercutiram a votação do STF sobre o Ferrogrão.
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