Ferrogrão: o STF irá assinar a sentença de morte para os povos indígenas? Artigo de Doto Takak-Ire

Foto: ANTT/Cimi

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01 Outubro 2025

Nesta quarta-feira, os ministros do STF não vão julgar apenas uma ferrovia. Eles vão julgar se a Constituição que protege nossos direitos e o meio ambiente ainda tem vale.

O artigo é de Doto Takak-Ire, Kayapó e presidente do Instituto Kabu, publicado por ((o))eco, 30-09-2025.

Eis o artigo.

Eles nos oferecem o espelho do progresso, mas, para nós, ele reflete apenas a morte. O governo e os grandes fazendeiros chamam a EF-170 de ‘Ferrogrão’. Para os nossos povos, ela é e sempre será o ‘Trilho da Destruição’. Agora, o futuro desse trilho de 933 quilômetros, projetado para escoar 52 milhões de toneladas de soja por ano, será decidido às pressas.

O ministro Edson Fachin marcou o julgamento que pode liberar essa obra para a esta quarta, no dia 1º de outubro. A pressa deles é a nossa angústia. Enquanto o agronegócio faz lobby em Brasília, nós vemos a repetição de uma história de violência que conhecemos bem. Vimos o genocídio que a abertura da BR-163 e da Transamazônica causou aos nossos parentes Panará e Arara. A Ferrogrão não é uma alternativa a isso, é a consolidação de um corredor de destruição que já intensifica a grilagem de terras, os incêndios criminosos e os conflitos socioambientais em nossa casa.

Não se trata apenas de árvores. Trata-se de vida. O traçado desse projeto ameaça diretamente ao menos seis terras indígenas, 17 unidades de conservação e a vida de nossos parentes isolados. Os estudos do governo têm uma coragem covarde: ignoram quase por completo a existência deles, uma omissão que pode levar a novos genocídios. O Observatório dos Direitos Humanos dos Povos Indígenas Isolados (Opi) já alertou que há, no mínimo, oito registros de povos isolados em risco iminente, como os Isolados do Alto Tapajós e os Kapôt Nhinore.

Para o governo, nosso território é um obstáculo. Para nós, é sagrado. O projeto deles prevê a destruição completa de Santarenzinho, um lugar que abriga os espíritos dos nossos antepassados. Parte desse sítio sagrado já foi destruída por outro empreendimento. E agora, o estudo de viabilidade da Ferrogrão comete a grave omissão de chamar este local, onde foram encontrados até sepultamentos de nossos ancestrais, de apenas um “ramal ferroviário”. É um processo de apagamento cultural para nos tirar da história e do nosso território.

E o que dizer do absurdo de discutir isso agora? O Brasil se prepara para receber o mundo na COP30, em Belém, para falar sobre a crise climática. O governo viaja o mundo prometendo proteger a floresta, mas aqui dentro age com má-fé. Criou um Grupo de Trabalho sobre a Ferrogrão, mas não garantiu nossa participação, nos forçando a custear nossa própria viagem a Brasília, enquanto, pelas costas, dava andamento aos estudos e ao cronograma do leilão. Por essa traição, nossos povos e as organizações parceiras romperam com esse falso diálogo em julho de 2024.

Nós não queremos mais estudos que ignoram o que já está dito. Já gritamos Não. Nossos protocolos de consulta, que são a nossa lei, foram ignorados. A Convenção 169 da OIT, que é a lei de vocês, foi rasgada.

Na próxima quarta, os ministros do STF não vão julgar apenas uma ferrovia. Eles vão julgar se a Constituição que protege nossos direitos e o meio ambiente ainda tem valor. Eles vão decidir se o futuro da Amazônia será ditado pela vida ou pelo lucro de poucos.

A única atitude digna, para o STF e para o governo federal, é enterrar a Ferrogrão de uma vez por todas. Cancelem o projeto. Respeitem nossa existência e o futuro de todos. A floresta, e o mundo, estão observando.

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