07 Março 2024
Às vésperas de análise no STF, afetados por projeto de ferrovia responsabilizam empresas por violações de direitos
A reportagem é de Murilo Pajolla, publicada por Brasil de Fato, 04-03-2024.
O tribunal popular organizado por comunidades indígenas e tradicionais para julgar a Ferrogrão terminou nesta segunda-feira (4) com sentença favorável à extinção imediata da linha férrea. Pauta prioritária do agronegócio para a Amazônia, a ferrovia, que pode desmatar 50 mil km² de floresta, é rejeitada por moradores dos cerca de mil quilômetros cortados pelo traçado dos trilhos.
O julgamento simbólico uniu indígenas, quilombolas e agricultores familiares, além de movimentos sociais e ONGs. O evento foi realizado no auditório da unidade Tapajós da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), em Santarém (PA). O resultado será encaminhado ao Supremo Tribunal Federal (STF), que em março voltará a deliberar sobre a constitucionalidade da ferrovia.
A sentença foi lida no final da tarde pela líder indígena e ativista socioambiental Alessandra Korap Munduruku. "Esse tribunal popular determina o cancelamento imediato e definitivo do projeto da Ferrogrão por parte do governo federal e a devida responsabilização das empresas envolvidas".
O projeto da Ferrogrão, que ainda não saiu do papel, partiu de gigantes do agronegócio e do setor de alimentação: Cargill, Bunge, Louis Dreyfus e Amaggi. O objetivo é baratear a exportação de soja e milho para a China e Europa. No caminho, porém estão comunidades indígenas e assentamentos rurais que sofrerão com os impactos do desmatamento de uma área que pode ser do tamanho do estado do Rio de Janeiro.
Mais cedo, o porto graneleiro da Cargill em Santarém (PA) foi palco de um protesto de indígenas. Povos Kayapó, Munduruku e Panará manifestaram-se contra o que chamaram de "trilhos de destruição" da Ferrogrão.
Durante as "acusações do júri", os participantes apontaram uma série de violação de direitos das comunidades impactadas. Entre eles, a violação do direito à consulta. O governo federal foi acusado de realizar audiências unilaterais, desconsiderando protocolos de consulta e a Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho (OIT).
Durante o julgamento simbólico, os estudos que embasam a Ferrogrão foram considerados falhos por não terem avaliado adequadamente os impactos sociais e ambientais – nem mesmo sobre indígenas isolados. A ausência de avaliação dos efeitos cumulativos de outros projetos também foi apontada como uma falha nos estudos.
O projeto também foi acusado de violar os direitos da natureza, na Amazônia e no Cerrado. Estudos já indicaram aumento do desmatamento e emissões de carbono com a construção da ferrovia.
Os participantes do julgamento simbólico também apontaram que, mesmo ainda em fase de projeto, a Ferrogrão causa impactos na região. Entre os efeitos já sentidos estão o aumento da especulação fundiária, a grilagem, o desmatamento, aumento de queimadas e conflitos fundiários.
Em setembro de 2023, o Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu por seis meses a análise sobre a constitucionalidade da construção da ferrovia enquanto aguardava estudos técnicos.
O tema voltará a ser decidido em março deste ano pelo ministro Alexandre de Moraes, no âmbito da Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) que gerou a suspensão temporária do projeto. Em 2023, Moraes autorizou que os estudos da Ferrogrão fossem retomados e permitiu a criação de um Grupo de Trabalho do Ministério dos Transportes para acompanhar o tema.
O ministro dos Transportes, Renan Filho, disse no início do ano que o governo federal vai fazer modificações no projeto da ferrovia com o objetivo de viabilizar o licenciamento ambiental da obra.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Em julgamento simbólico, tribunal popular sentencia Ferrogrão à extinção imediata - Instituto Humanitas Unisinos - IHU