03 Outubro 2025
"Se as forças israelenses nos interceptarem durante o Yom Kippur, que então vejam que aspecto tem a verdadeira expiação. Não o jejum no conforto enquanto se deixam morrer de fome os próprios vizinhos. Não a oração em segurança enquanto se lançam bombas sobre suas cabeças. Expiação significa ação", escreve David Adler, participante da Flotilha Global Sumud que está indo a Gaza, em carta publicada por La Stampa, 02-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a carta.
Estou escrevendo uma carta muito pessoal, uma carta sobre o que significa para mim ser judeu em missão que chega à "Zona Vermelha" durante o Yom Kippur, o dia mais sagrado do calendário judaico. Quase nunca escrevo "como judeu". Compartilho a frustração de sempre ter que colocar os sentimentos judaicos em primeiro lugar, quando um genocídio está sendo cometido em nome do "interesse nacional" sionista e quando ativistas estão sendo detidos, torturados e deportados em nome da nossa "segurança". Mas hoje, sinto-me compelido a usar esse registro, como um dos pouquíssimos judeus nesta missão, que reúne mais de 500 pessoas de mais de 40 países de todo o mundo. Acredito que a escolha do momento da nossa Flotilha não seja casual. Pelo contrário, acredito que seja uma bênção estarmos nos aproximando da interceptação justamente no início do Yom Kippur — nosso dia anual de expiação — que nos convida a refletir sobre nossos pecados e sobre o que pode ser feito para repará-los no espírito do Tikun Olam.
Como podemos pedir perdão por pecados que se multiplicam a cada hora, enquanto bombas e balas chovem sobre Gaza? Como poderíamos jamais levar a sério nosso mandato de "curar o mundo" quando o Estado de Israel está tão determinado a destruí-lo? Se há uma parte da Torá da qual ainda me lembro, é precisamente esta obrigação que nos impõe: "Justiça, justiça terás que buscar".
Como poderíamos ficar olhando enquanto o Estado de Israel perverte essa obrigação sagrada, perpetrando um holocausto contra o povo palestino?
Juntei-me a esta Flotilha como qualquer outro delegado — para defender a humanidade — antes que seja tarde demais. Mas, neste Yom Kippur, lembro-me de que estou aqui também porque minhas origens judaicas assim o exigem.
Quando adolescente, meu avô, Jacques Adler, juntou-se à resistência parisiense contra os nazistas, colocando em risco a própria vida para sabotar suas operações, enquanto seus amigos e familiares eram deportados para campos de concentração e enviados para a morte. É essa tradição que me sinto chamado a seguir, e é essa a definição de "justiça" que considero fiel à minha identidade judaica — enquanto a mesma fúria genocida que atingiu meus ancestrais é hoje adotada por suas principais vítimas.
Se as forças israelenses nos interceptarem durante o Yom Kippur, que então vejam que aspecto tem a verdadeira expiação. Não o jejum no conforto enquanto se deixam morrer de fome os próprios vizinhos. Não a oração em segurança enquanto se lançam bombas sobre suas cabeças. Expiação significa ação.
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