Arquipélago Flotilha. Artigo de Niccolò Zancan

Foto: Alpha bakemono/Wikimedia Commons

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19 Setembro 2025

"Percebe-se (...) que aqueles barcos de segunda mão são frágeis e mal equipados. E que só mantê-los juntos, com todas as diferenças a bordo, rumo a Gaza, já é um grande feito", escreve Niccolò Zancan, jornalista italiano, em artigo publicado por La Stampa, 18-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

Greta Thunberg está deixando o comitê de direção da flotilha. "Todos nós temos um papel: o meu será o de organizadora e participante", disse ela ao Il Manifesto. O premiado jornalista Yusuf Omar, repórter de guerra na Síria, está deixando a frota devido a "estratégias de comunicação diferentes". Stefano Rebora, presidente da ONG "Music for Peace", sediada em Gênova, também se retirou da missão marítima: "Mas apenas para fortalecer as iniciativas concretas de ajuda à população palestina por terra". Vinte tripulações estavam programadas para partir da Itália; dezoito barcos zarparam. Eles agora estão prestes a se juntar aos outros, que já zarparam da Espanha e da Tunísia. O número exato é desconhecido: aproximadamente sessenta ou talvez cinquenta pequenos veleiros, de 12 a 16 metros, além do navio Arci, que transporta quatro deputados italianos, e do navio da Emergency como apoio logístico à missão.

Percebe-se – infelizmente de longe – que não deve ser fácil chegar a acordos sobre como conduzir e comunicar essa empreitada única no mundo, o que dizer e o que silenciar à medida que vai se aproximando. É um grande caldeirão humano, com histórias diferentes. Com duas premissas fundamentais. Todos os participantes da Flotilha Global Sumud estão pessoalmente arriscando suas vidas; ou seja, estão colocando seus corpos em risco contra o massacre do povo palestino, e estão fazendo isso para compensar a inação política europeia. Segunda premissa: a missão é levar alimentos e ajuda humanitária, ou seja, quebrar o isolamento, fazer algo que seria normal em qualquer zona de conflito. Mas não em Gaza. Em Gaza, onde os barcos dos pescadores foram afundados. Em Gaza, onde os campos agrícolas foram bombardeados como alvos estratégicos. Em Gaza, onde o exército israelense matou 210 jornalistas locais em dois anos e onde nem um único jornalista internacional foi admitido.

É para lá que os barcos da flotilha estão se dirigindo. Depois de dias difíceis e mar agitado. Depois do ataque de drones no porto tunisiano de Sidi Bou Said e os reparos necessários. Cruzamento fora de Porto Palo di Capo Passero, rumo à Faixa de Gaza. São pequenos veleiros. Transportam 40 toneladas de ajuda humanitária. São dez dias de navegação, se o mar permitir. Quem está a bordo?

Há uma mulher de oitenta anos. Um ativista suíço. Anabel Montes Mier, 38, de Sans Esteban de las Cruces, Espanha, chamada de "pioneira da ajuda humanitária" por ter estado por sete anos a bordo de navios que prestam socorro no Mediterrâneo. Há cinco jornalistas italianos, alguns sacerdotes. O trabalhador humanitário Boris Vitlacil, de Sarajevo. Maria Elena Delia, 55, professora de física e matemática de Turim, amiga de Vittorio Arrigoni, o repórter antifascista morto na Faixa de Gaza em 2011, é ela a porta-voz dos barcos italianos: "Estamos navegando para Gaza. Não aguentamos mais ver crianças morrendo de fome em nossos celulares".

Pietro, de Gênova, marinheiro de 22 anos, imortalizado na partida em um vídeo do jornalista Lorenzo D'Agostino: "Costumo trabalhar em barcos fretados. Pedi demissão. Decidi mudar a forma como uso o mar, de trabalho para ferramenta de solidariedade e apoio a um povo oprimido." Quantas nacionalidades? Muitas. Quantas pessoas a bordo? Cerca de seiscentas. Nenhum Estado, nenhum governo. Uma missão independente, em nome da paz. Quem não quer ver tudo isso, que é muita coisa, assinala que entre os organizadores estaria também Zaher Birawi, 63, ativista britânico que, segundo fontes abertas dos serviços secretos israelenses, seria próximo do Hamas.

Também a bordo está Thiago Ávila, 39, de Brasília, membro do comitê diretor, a respeito do qual os serviços israelenses escrevem que "em fevereiro de 2025, ele viajou a Beirute para comparecer ao funeral do ex-secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, a quem descreveu como 'uma das maiores figuras da região e da história da luta contra o imperialismo'".

Quanto ao tunisiano Wael Nawar, listado como membro do comitê diretor, todos viram sua fotografia ao lado de Youssef Hamdan, que lidera as operações do Hamas no Norte da África. Foi desse comitê diretor que Greta Thunberg se afastou antes da partida, embarcando em outro navio da flotilha.

Percebe-se — infelizmente de longe — que conviver não é fácil, especialmente em uma missão tão perigosa. Há extremistas e pessoas que nunca se envolveram em qualquer atividade política antes. Há a escritora irlandesa Naoise Dolan, nascida em 1992, com dois romances, Exciting Times e The Happy Couple. Há Miguel Duarte, há anos chefe da ONG "See-Watch". Antes de embarcar, o ator espanhol Eduardo Fernández declarou: "Gostemos ou não, Gaza é um espelho que reflete a todos nós. É impossível não tomar posição. Cada barco que navega para Gaza é um grito de dignidade humana. Essa missão não é uma ameaça, é um ato de humanidade contra a barbárie. Silêncio é cumplicidade. E o silêncio mata tanto quanto as bombas".

Percebe-se — infelizmente de longe — que aqueles barcos de segunda mão são frágeis e mal equipados. E que só mantê-los juntos, com todas as diferenças a bordo, rumo a Gaza, já é um grande feito. Bons ventos para a Flotilha Global Sumud.

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