Por que, no dia dedicado ao perdão, o pensamento se volta para os sofrimentos de Gaza. Artigo de Anna Foa

Foto :IRNA/FotosPúblicas

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02 Outubro 2025

"Uma leitura dos jornais revela, mesmo na ausência de quaisquer posições concretas, um clima geral de apoio cauteloso tanto ao fim das operações militares quanto ao retorno imediato e total dos reféns. Um estado de espírito provavelmente compartilhado, se não pelo Hamas, pelos palestinos de Gaza e da Cisjordânia", escreve Anna Foa, historiadora, escritora, intelectual da religião judaica, em artigo publicado por La Stampa, 01-09-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O plano Trump para Gaza e a sua aceitação pelo Primeiro-Ministro Netanyahu perturbaram e desorientaram o quadro político de Israel, já profundamente dividido e com posições fortemente contrapostas. Até o momento, enquanto escrevo, as respostas e os comentários vieram principalmente do mundo da política, enquanto nenhuma manifestação de rua até agora ocorreu em um país que até ontem se manifestava quase diariamente contra o governo. Vale destacar também que quarta-feira, ao pôr do sol, marca o início do dia mais solene do ano judaico, o Yom Kippur, um dia de oração, perdão e jejum, pouco propício a tais manifestações.

Permanece em silêncio, num primeiro momento, o ministro Ben Gvir, um dos dois falcões do governo, um extremista implicado no assassinato do primeiro-ministro Rabin quando jovem. Por outro lado, fala, o messiânico Smotrich, o mesmo homem que recentemente se propôs como carrasco para os palestinos, atacando duramente o plano Trump e sua aceitação por Bibi, mas sem ameaçar uma crise de governo, como fizera meses atrás, quando uma trégua foi acordada. O que não significa que isso não possa acontecer nas próximas horas, ou imediatamente após o Yom Kippur, forçando Bibi a renunciar ou buscar outras alianças de governo mais moderadas.

Na ala da oposição parlamentar, que nos últimos meses não se pode dizer tenha exercido uma imensa atividade de contraste à política do governo, há uma aceitação substancial do plano Trump, temperada pelo receio de que Netanyahu aja como já fez no passado, dando um assentimento genérico, mas depois fazendo todo o possível para provocar a rejeição do Hamas e comprometer qualquer possibilidade de acordo. Ninguém, entre os políticos da oposição, que teoricamente são a favor da opção dos dois Estados, enfatizou o fato de que o plano não contempla a criação do Estado palestino, como o próprio Netanyahu enfatizou ao retornar dos Estados Unidos: "Não aceitei a criação de um Estado palestino". Todos enfatizam os pontos incertos ou ambíguos do acordo, como a imprecisão quanto à retirada do exército de Gaza ou a questão dos tempos de uma necessária renovação da ANP. Além disso, está ausente a questão fundamental da ocupação e do destino da Cisjordânia, sob ataque dos colonos e ameaçada de anexação. E, acima de tudo, todos se lembram de como Netanyahu no passado sempre frustrou todos os acordos, mesmo fingindo aceitá-los.

Uma reação semelhante a essa é vista na organização que reúne os parentes dos reféns, reforçada pela esperança de poder assistir à sua libertação em breve. Mas eles insistem fortemente que um resultado semelhante poderia ter sido alcançado já um ano atrás, poupando tantos reféns mortos. E a reação dos familiares dos reféns é um indicador importante para avaliar o estado de espírito da sociedade israelense, da própria esquerda que até poucos meses atrás – muito menos agora – estava mais focada na questão dos reféns do que nos sofrimentos dos palestinos.

Uma leitura dos jornais revela, mesmo na ausência de quaisquer posições concretas, um clima geral de apoio cauteloso tanto ao fim das operações militares quanto ao retorno imediato e total dos reféns. Um estado de espírito provavelmente compartilhado, se não pelo Hamas, pelos palestinos de Gaza e da Cisjordânia, que aguardam a libertação não apenas dos milicianos condenados pelos tribunais, mas também de todos os presos nos últimos dois anos com base em meras suspeitas, por meio de medidas administrativas. E também, além do fim das operações militares, da entrada das ajudas e da libertação dos reféns, há a grande incógnita do futuro de Gaza. O papel reservado a Tony Blair não parece muito convincente.

Em suma, um país conturbado, abalado por tantas mudanças constantes de perspectiva, empenhado em elaborar o futuro que lhe é apresentado com base no passado recente. Com a sombra astuta de Bibi, alertando que tudo ainda pode mudar num instante, e que a perspectiva de paz pode rapidamente se tornar mais um passo em direção ao extermínio de Gaza, ao assassinato dos reféns e à anexação de Gaza e da Cisjordânia.

Enquanto isso, chega o Dia do Yom Kippur, e a partir de uma das embarcações da Flotilha que se dirige a Gaza, um jovem judeu entre os participantes alerta para aproveitar esse dia de perdão e jejum para lembrar o que foi feito em nome do judaísmo em Gaza. Também esse pode ser um momento do estado de espírito de Israel, acredito, nos dias em que o futuro de todos está sendo decidido.

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