27 Setembro 2025
“Com sua abordagem política pouco convencional, Donald Trump prometeu mudanças radicais, que agora está implementando tanto em casa quanto no exterior. Mas a história oferece lições abundantes sobre aonde essas estratégias levam, e o resultado raramente corresponde ao que seus promotores tinham em mente”. A reflexão é de Harold James, em artigo publicado por El Economista, 23-09-2025. A tradução é do Cepat.
Harold James, professor de história e relações internacionais na Universidade de Princeton, é o autor, mais recentemente, de Seven Crashes: The Economic Crises That Shaped Globalization (Yale University Press, 2023).
Eis o artigo.
O consenso nos países ricos, e talvez no mundo todo, é que um mundo em crise requer algum tipo de intervenção radical. Foi isso que o presidente dos EUA, Donald Trump, prometeu e, embora goze de ampla impopularidade (com a desaprovação pública em seu país aumentando constantemente), até mesmo seus opositores compartilham sua convicção de que a política tradicional não funcionará mais.
Mas vale a pena perguntar como as intervenções de choque terminam. A resposta histórica é: “mal”. Isso é verdade mesmo em casos em que os efeitos econômicos da “terapia do choque” pareciam positivos a princípio, como na Europa Central após o colapso do comunismo.
O problema é que os choques políticos sistêmicos geram narrativas tóxicas que aumentam de potência com o tempo. Sempre há suspeitas de que uma conspiração está na origem do choque e que potências estrangeiras estavam envolvidas. Independentemente dos benefícios iniciais da terapia, essas narrativas acabam polarizando a sociedade e minando a ordem política.
O governo Trump é aberto sobre seu radicalismo. A terapia do choque é a solução para todos os problemas globais, de Gaza e Irã à Ucrânia e Sudão. Trump usa tarifas como se fossem um aguilhão, impactando qualquer um (amigo ou inimigo) que não ceda imediatamente às suas exigências. Supostamente, essa abordagem – que inclui expurgos no serviço público e na cúpula militar, bem como uma guerra contra as universidades, em sua implementação doméstica – fortalecerá a economia dos EUA, inaugurará uma nova era de ouro para os Estados Unidos, forçará a OTAN a se alinhar, impedirá a Índia de comprar petróleo russo e conterá a ascensão industrial e militar da China, impulsionada pela IA.
Assim, o secretário do Tesouro dos EUA, Scott Bessent, argumenta que qualquer sofrimento que os estadunidenses sintam com as tarifas faz parte de um “período de desintoxicação”. Trump, aliás, fala das tarifas como uma “operação” e um “remédio”. Enquanto isso, Russell Vought, diretor do Escritório de Administração e Orçamento, explica: “Queremos que os burocratas sejam afetados traumaticamente”.
Para alcançar os efeitos do choque desejados, o governo é deliberadamente caprichoso. Por que outro motivo dois aliados próximos e bem-comportados como a Coreia do Sul e o Japão seriam inesperadamente atingidos por novas tarifas de 25%? De acordo com o secretário de imprensa da Casa Branca: “É prerrogativa do presidente, e esses são os países que ele escolheu”.
A maioria dos “acordos” anunciados por Trump são secretos, tendo sido negociados a portas fechadas. Os mesmos métodos foram empregados na Europa Central e na antiga União Soviética durante a desintegração do comunismo. Os programas de Mikhail Gorbachev – glasnost (abertura) e perestroika (liberalização econômica) – buscavam uma mudança sistêmica.
Mas sua implementação foi necessariamente opaca, pois o objetivo era substituir um status quo poderoso e corrupto. No entanto, algum envolvimento de pessoas dentro do sistema era inevitável (por exemplo, partes dos serviços de inteligência eram obrigadas a fornecer informações sobre o funcionamento do antigo sistema). O esforço acabou sendo percebido como um acordo corrupto com setores privilegiados do antigo aparato.
Da mesma forma, a atual polarização política da Polônia tem suas raízes na transição pós-comunista, ocorrida há cerca de 35 anos. As questões que dividem a Plataforma Cívica, de centro-liberal, e o partido antiliberal e populista Lei e Justiça (PiS) centram-se em um evento histórico pouco conhecido fora da Polônia: uma reunião em setembro de 1988 entre uma parte, mas não a totalidade, do movimento de oposição Solidariedade e o regime em um “centro especial” em Magdalenka, nos arredores de Varsóvia.
Os setores da oposição que ficaram de fora interpretaram a reunião como um ato de “confraternização”, onde os presentes concordaram em acabar com o socialismo por meio de uma “privatização vermelha” que entregaria ativos valiosos à velha elite. Da mesma forma, na Rússia, com seus vastos recursos naturais, as privatizações, consideradas uma terapia do choque, eram ainda mais flagrantemente corruptas e, portanto, passíveis de questionamento.
A segunda narrativa problemática diz respeito à intervenção estrangeira. Com a liberalização pós-comunista, a Alemanha tornou-se um demônio conveniente, devido à dolorosa lembrança de seus crimes na Segunda Guerra Mundial. Ainda me lembro de visitar Moscou em 1992 e ver fotos do presidente do Deutsche Bank sorrindo e abraçando Gorbachev.
Para a Polônia, uma parte fundamental do processo residiu na negociação da dívida da era comunista. Como grande parte dela era detida por bancos alemães, alguma interação com financiadores alemães e o governo alemão era inevitável. No entanto, era fácil para os inimigos do governo polonês semearem suspeitas de que ele estava traindo o interesse nacional, especialmente quando a adesão à União Europeia se tornou um elemento-chave da estratégia de transformação.
Que tipo de teorias da conspiração a estratégia do choque de Trump gerará? Alguns elementos já são perceptíveis. Haverá alguns vencedores, mas também muitos perdedores, especialmente porque a revolução MAGA (Make America Great Again) de Trump coincide com uma revolução tecnológica. À medida que a IA cria novos padrões de emprego, grande parte da base MAGA provavelmente será deslocada e rapidamente desenvolverá uma narrativa de vítima.
Apesar de todos os esforços do governo para confrontar o “Estado profundo”, alguns entusiastas do MAGA já reclamam que ele está fazendo concessões às elites estabelecidas. A persistência do escândalo de tráfico sexual de Jeffrey Epstein é apenas parte do problema. Assim como nas transformações pós-comunistas, aqueles que ostentam o poder colaboram estreitamente com os titãs das finanças globais e do capital internacional. A aliança do governo com o mundo das criptomoedas é bastante clara, como evidencia a insistência de Bessent de que as moedas estáveis serão essenciais para gerar demanda por grandes emissões de dívida soberana (necessárias devido à situação fiscal perigosamente desequilibrada). Nesse contexto, assim que um escândalo financeiro ou uma crise mais ampla surgir, teorias da conspiração consumirão o movimento.
Além disso, o governo não se esquiva de envolvimentos estrangeiros. A reunião estranhamente obsequiosa de Trump com o presidente russo, Vladimir Putin, no Alasca, mais uma vez levantou questões sobre a relação entre eles. Muitos agora temem que Trump tente impor uma “troca territorial” que simplesmente concederia à Rússia as regiões ucranianas de Luhansk e Donetsk. Enquanto isso, para muitos no mundo MAGA, Trump está fazendo concessões demais aos europeus e ucranianos em termos de garantias de segurança.
Quanto a Putin, obcecado em reverter o colapso do império soviético, as lições da aplicação da terapia do choque pela Rússia são claras. Sua máquina de propaganda explorará todas as oportunidades, espalhando insinuações de acordos secretos e laços estrangeiros para aprofundar as divisões entre os estadunidenses. O veneno da polarização continuará a corroer o sistema estadunidense. É a vingança da Rússia pelo suposto papel que os Estados Unidos desempenharam na subversão da União Soviética.
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