04 Setembro 2025
Em entrevista exclusiva a ((o))eco, ex-vice-presidente do IPCC e líder do Conselho Científico da COP30 elenca temas essenciais a serem discutidos na Cúpula de Belém.
A reportagem é de Cristiane Prizibisczki, publicada por ((o))eco, 03-09-2025.
Ultrapassagem do limite de 1,5ºC no aquecimento global, proteção dos oceanos e florestas e inclusão dos saberes tradicionais às negociações climáticas. Esses são alguns dos temas em debate no Conselho Científico da COP30, que reúne pesquisadores de seis países para assessorar a presidência da Cúpula de Belém.
À frente do grupo está Thelma Krug, uma das maiores especialistas mundiais em clima e meio ambiente e ex-vice-presidente do IPCC. Em entrevista exclusiva ao Entrando no Clima, podcast de ((o))eco, a pesquisadora explicou o que a Ciência aponta como essencial para a agenda da conferência que acontece em novembro.
Eis a entrevista.
Os cientistas têm cada vez mais alertado o governo, a sociedade, sobre os impactos das mudanças climáticas. Quais seriam os temas principais que a Ciência pede que sejam tratados na COP30?
Thelma Krug – Sob o ponto de vista científico, a gente sabe que precisamos fazer muita redução de emissões para que possamos limitar o aumento da temperatura média global nos níveis que o Acordo de Paris estabeleceu, bem abaixo dos 2ºC e perseguindo 1,5ºC.
Então, a gente imagina que a COP30 será um espaço importante no sentido de estimular, de trazer para os negociadores a importância de se aumentar a ambição, inclusive, no meu ponto de vista e de cientistas, revendo as metas estabelecidas para 2030. Acontece que os países deveriam ter colocado suas metas de 2035 até fevereiro, mas a maior parte ainda não colocou. Ou seja, está difícil pra gente entender, há poucos dias da COP30, qual é o caminho que estamos perseguindo em termos de emissão e a implicação desse corte de emissões para o aumento da temperatura média global.
Então, um dos pontos que eu acho fundamental seria justamente ver em que ponto a gente vai estar e a necessidade de a gente rever a ambição que os países estão colocando à mesa. Claro que colocar as emissões não resolve o problema. O problema é implementar essas metas.
Eu vejo também alguns temas que precisam um pouquinho de mais esclarecimento, como a questão da própria justiça climática. Eu acho que a gente vai enfrentar alguns desafios na COP30 que não estavam presentes nas COPs anteriores, né? Que é justamente essa ameaça do multilateralismo, essa questão de uma maior independência dos países buscando sua soberania, defesa, enfim. Espero que a COP, na verdade, reforce a importância do multilateralismo e das ações globais, independentemente dos países que não aderirem ao esforço.
Thelma, a presidência brasileira da COP30 tem trazido muitos mecanismos inovadores de escuta da sociedade. Você é a líder do conselho científico da COP30, então eu pergunto como tem sido essa escuta da ciência?
Tem sido interessante. Esse conselho tem participantes e pesquisadores brasileiros, mas também nós temos cinco membros de fora, da China, da Alemanha, dos Estados Unidos, da África do Sul e da Índia. Ele tem sido importante porque estamos tentando responder às preocupações do próprio embaixador André [Corrêa do Lago]. Ele quer que a ciência o ajude a poder colocar [nas negociações] alguns pontos.
Eu vou te dar um exemplo claro. Algumas pessoas insistem em dizer que nós já ultrapassamos o limiar de 1.5ºC colocado no Acordo de Paris e que isso já teria inviabilizado esse objetivo de longo prazo do acordo. Na verdade, esse grupo está trabalhando em cima dessa questão de uma forma muito específica. Nós não chegamos lá [ultrapassar o 1,5ºC] e mesmo que a gente ultrapasse um pouco, há potencial, maneiras ou formas de você trazer de volta para 1.5ºC até o final do século. Então, a mensagem que a gente quer dar é que não chegamos lá!
A gente também está trabalhando com uma questão importante, que vai ser muito ressaltada na COP30, que é como é que a gente agrega a Ciência dos povos indígenas e das comunidades tradicionais, que não é uma ciência escrita, é uma ciência oral. Então, quais seriam as potenciais ações para a incorporação desse conhecimento científico com um elemento que vai, de uma certa forma, passar transversalmente nas políticas públicas?
Finalmente, um tema que a gente também está abordando é a questão das florestas. A gente vai buscar discutir a questão dos tipping points, que não são só de florestas, vamos olhar como as coisas estão conectadas. Ou seja, o que está acontecendo na Antártica, com o degelo, que vai implicar no carreamento de água doce para o oceano e a implicação disso na circulação oceânica, que tem um impacto na floresta amazônica com relação à mudança de precipitação. Também estamos falando de remoção de CO2 da atmosfera e a questão das emissões negativas necessárias para gente chegar em 2050 com emissões, entre aspas, zero.
Dentro deste cenário todo que você elencou dos temas que são importantes de serem tratados, junto com a crise do multilateralismo, o crescimento dos conflitos entre os países, o fato de termos ultrapassado pontualmente o 1,5ºC, mas também de ser uma COP na Amazônia, qual seria o legado que a COP30 poderia deixar?
Eu sou uma pessoa extremamente otimista. De vez em quando eu me fragilizo, mas, de uma maneira geral, eu sou muito otimista. Mas eu não gosto também de colocar muitas expectativas com relação às COPs, não só em relação a essa COP do Brasil, todas as COPs, porque, no fundo, à medida que você vai colocando expectativas, [determinando] o que representa sucesso, o que não será sucesso, se elas não forem preenchidas, aquilo lá é um fracasso.
O que eu acho que essa construção da COP30 vai poder trazer de positiva? Eu acho que essa grande coisa positiva que aconteceu no âmbito da Convenção do Clima foi a criação da Agenda de Ação Climática, porque na verdade, quando você está trabalhando em cima da Agenda de Ação, você não precisa do consenso dos 196 países membros da Convenção, então isso elimina aquela paralisação de ação, como eu, na verdade, vi durante muito tempo em que eu representei o Brasil nas negociações por uns 10 anos, você via muito disso.
Nas negociações debaixo das Nações Unidas todos os países são igualmente relevantes, desenvolvidos e em desenvolvimento, menos desenvolvidos, ilhas, tudo tem o mesmo papel e a mesma importância dentro das negociações. É para isso que as Nações Unidas representam. Mas isso pode ser um impedimento para ações rápidas.
A agenda de ação climática que o embaixador André e a Ana Toni [CEO da COP30], junto com várias outras pessoas, colocaram, com seis eixos temáticos e 30 ações-chave bastante inclusivas, basicamente tratam de tudo: da transição energética, da parte de agricultura, da vida sustentável, da inclusão, da equidade, da justiça… Então, o que eu imagino que seria um grande sucesso é encontrar os mecanismos para que você possa ter, nas palavras do próprio embaixador André, as contribuições globalmente determinadas. Ou seja, todos os países ali juntando seus esforços e colocando as suas metas, digamos assim, globais. Isso eu acho que para mim seria uma coisa interessante porque ela poderia justamente acelerar muito a implementação do Acordo de Paris.
Então, a criação da agenda climática de ação foi bem legal porque ela não depende somente do consenso que é tão difícil de ser alcançado e com uma linguagem que muitas vezes é tão complexa, tão encriptada, que às vezes não deixa claro exatamente o que se quer.
Para finalizar, a senhora disse que é otimista. Olhando de forma ampla para a ação climática que foi feita até o momento, a senhora mantém esse otimismo?
Honestamente, a gente sabe que nesses 10 anos da implementação do Acordo de Paris se fez bastante. Eu não vou dizer para você que não foi feito nada. Foi feito muito. E a expectativa que foi colocada dentro da própria avaliação da Convenção, naquele balanço global, era de que se não tivessem existido ações nesses 10 anos, a gente já estaria rumando numa trajetória de emissões que levariam a um aumento da temperatura de 4 graus. Hoje estamos entre 2,6ºC e 3ºC, o que não é bom, mas, o que eu quero sinalizar é que não se ficou parado.
Claro que a gente tem que levar em consideração que, para alguns países desenvolvidos que são altamente dependentes de combustíveis fósseis, essa transição energética não é simples. Além disso, há grandes pressões para que essa transição não seja feita ou seja feita de uma maneira muito lenta.
A questão é como a gente pode fazer as coisas de uma maneira que você consiga fazer a transição de forma justa e justa também para o meio ambiente, para todos os aspectos. E para isso eu considero muito importante você ter uma governança inclusiva. Na verdade, eu tendo a crer que a gente tem que mudar o nosso modelo de construção das políticas públicas em alguns aspectos, como a questão da justiça climática, por exemplo.
Leia mais
- COP30 será “choque de realidade” sobre Amazônia, diz Thelma Krug
- “COP30 é uma oportunidade para acabar com a herança bandeirante”. Entrevista especial com Ana Cláudia Cardoso
- COP30: Contra esvaziamento, Lula defende maior participação de países do Sul Global
- Negligência do governo ameaça tornar COP30 a mais excludente da história
- Defensoria Pública mira plataformas de hospedagem por preços abusivos para a COP30
- COP30: Preços em Belém aumentarem 15 vezes, é “o absurdo dos absurdos”. Entrevista com Marina Silva
- Setor privado apresenta propostas para ação climática na COP30
- Entraves logísticos preocupam governo para a COP30
- COP30 na Amazônia: uma cúpula crucial ou um carnaval climático? Artigo de Marcos Colón
- “COP30 é uma oportunidade para acabar com a herança bandeirante”. Entrevista especial com Ana Cláudia Cardoso
- Mesmo com pressão internacional, governo reitera Belém como sede da COP30
- Crise de hospedagem pode enfraquecer resultados da COP30
- Países africanos pressionam por hospedagem mais barata na COP30
- Falta de hospedagem e preços abusivos desafiam organização da COP30 em Belém
- Presidência da COP30 anuncia consultas a governos para antecipar debate de itens críticos da agenda
- Nova carta da presidência da COP30 pede união de países e defende Conferência em Belém
- COP30 precisa concretizar compromissos climáticos anteriores
- As chaves para a saída dos EUA do Acordo de Paris: O que acontecerá agora com a luta climática?