O adeus dos EUA à democracia. Artigo de Lucio Caracciolo

Donald Trump (Foto: Daniel Torok | White House | Flickr CC)

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02 Setembro 2025

"Os Estados Unidos da América estão finalmente mudando de regime depois de passar a vida tentando mudar o regime dos outros. Trump está pilotando o adeus à democracia liberal, marca tradicional de exportação", escreve Lucio Caracciolo, em artigo publicado por La Repubblica, 01-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Lucio Caracciolo é jornalista e analista geopolítico italiano, diretor da revista Limes.

Eis o artigo.

Os Estados Unidos da América estão finalmente mudando de regime depois de passar a vida tentando mudar o regime dos outros. Trump está pilotando o adeus à democracia liberal, marca tradicional de exportação. Certamente não de origem, considerando o cuidado dos Pais Fundadores em desencorajar a participação popular na política, até mesmo por falta de demanda.

A Constituição se centra não tanto no texto quanto no American way of life, ou seja, na busca da felicidade individual.

Portanto, no preceito de que o governo federal deve interferir o mínimo possível na vida dos cidadãos.

Na história moderna não há lembrança de uma potência tão alheia à política. Tanto que o coma do qual o Congresso parece não se recuperar, outrora coração do sistema, não desperta nenhuma emoção especial. O que excita o público são as rachaduras que fragmentam a nação. Muitos estadunidenses não se reconhecem mutuamente como tais. Esse clima facilita a revolução de cima conduzida por Trump, aplicando receitas elaboradas em detalhes por seus principais think tanks, a Heritage Foundation em primeiro lugar. Preparadas e servidas instantaneamente por decretos executivos moldados nos ukaz do Kremlin. O marcador preto brandido com entusiasmo pelo presidente é o ícone midiático do segundo mandato de Trump, o que não descarta um terceiro. A palavra final sobre isso caberá, eventualmente, à Suprema Corte, o único poder capaz de complicar os planos do descontrolado magnata. Se, como parece, sua facção de direita se mostrar menos condescendente do que o esperado em relação à Casa Branca, a perspectiva de um duelo até a morte entre os dois verdadeiros centros do poder estadunidense se concretizará.

Estamos assistindo a uma verdadeira revolução, exceto no nome, que não pode ser atribuída ao único homem no comando. Concentrar-se na psicologia de Trump, indubitavelmente excêntrica, com traços patológicos, é a melhor maneira de não entender a mudança de regime em andamento. A centralização das decisões no presidente e em sua equipe, longe de ser homogênea, deriva da crise de legitimação do sistema, mais do que a produz. Se nos concentrarmos demais na superfície institucional, perdemos de vista a ambição antropológica da galáxia trumpiana: criar o novo homo americanus, isto é, reinventar aquele dos esfuziantes anos 1950, referência biográfica de Trump e sociocultural dos metidos a intelectuais que o seguem — ou tentam segui-lo. O presidente busca inspiração na gramática racista que vê os brancos como uma maioria oprimida, que corre o risco de declinar para minoria até 2050 se o alardeado escudo contra os migrantes não se mostrar efetivo.

O novo/velho estadunidense dos sonhos trumpistas é entendido livre dos liberais. Inimigos absolutos. Traidores da pátria, culpados por terem esquecido os "deploráveis" trabalhadores brancos em favor de migrantes e minorias de cor, que, ainda por cima, tendem a se expressar com arrogância, pedantismo descabido diante do estado de crise que o país enfrenta, conquistado pelos "deploráveis" de classe baixa e modesta cultura. A divisão interna é visível no desgaste dos laços sociais e das regras institucionais, na crise das famílias e comunidades, resultando na devastadora disseminação de drogas pesadas. No pano de fundo, o fracasso da globalização, celebrada e festejada por Clinton e seus sucessores, tanto na frente econômica doméstica quanto no cultivo da utopia de americanizar o mundo na base da mercantilização. Missão fundamentada no privilégio exorbitante do dólar e no papel de comprador de última instância do excedente universal exibido pelos EUA liberal-imperiais.

Na impossibilidade de gerir um império sem limites, a república denuncia uma crise de identidade talvez irreversível.

Para nós, provincianos do império em regressão, a revolução trumpiana impõe custos para os quais não estamos preparados. Não apenas custos materiais, como os produzidos pelas tarifas ou pelo refinanciamento dos gastos militares com a compra preferencial de armas estadunidenses, em detrimento do que resta do estado de bem-estar social.

Acima de tudo, custos psicológicos e culturais, porque o líder agora tem outras prioridades, fora do perímetro atlântico. Se depois, como tememos ser provável, a virada trumpiana não resolver os problemas dos EUA, mas sim os acentuar, seremos chamados a tomar com a nossa cabeça decisões que até ontem eram impensáveis. Mesmo correndo o risco de irritar o distraído chefe e enfrentar brigas entre europeus mais rápidos do que nós em se adaptar à atitude do "cada um por si, ninguém por todos". Não é o nosso ponto forte.

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