21 Agosto 2025
De Seattle a Baltimore, os prefeitos se comprometem a proteger suas cidades com todos os meios ao seu alcance após o envio da Guarda Nacional em Washington e Los Angeles.
A reportagem é de Rachel Leingang, publicada por El Salto, 19-08-2025.
Após ver veículos militares patrulharem as ruas de Washington contra a vontade de líderes locais, prefeitos de todo os Estados Unidos têm se perguntado o que farão se a administração colocar suas cidades na mira.
O desprezo de Donald Trump por cidades governadas por democratas é bem conhecido desde sua campanha presidencial de 2024, quando ele prometeu assumir o controle de Washington, uma promessa que ele tentou cumprir esta semana. Em junho, ele já havia enviado soldados da Guarda Nacional para Los Angeles para reprimir protestos contra incursões do Serviço de Imigração e Alfândega. Trump fez isso contra a vontade do estado da Califórnia, que processou sua administração.
De acordo com autoridades do governo municipal, existem maneiras estabelecidas de colaborar com o governo federal para abordar problemas como a criminalidade. Na opinião de líderes locais, Trump está usando a desculpa do crime e da agitação para miná-los, semear o caos e fazer com que as notícias parem de falar sobre seus laços com Jeffrey Epstein.
Embora os prefeitos reconheçam que ainda têm trabalho a fazer para melhorar a vida de seus residentes, muitos municípios conseguiram reduzir as taxas de crimes violentos, que têm diminuído na maioria das grandes cidades.
"O presidente Trump consistentemente cria uma narrativa falsa de que cidades como Seattle são um inferno progressista atolado na anarquia", diz o prefeito de Seattle, Bruce Harrell. "Isso simplesmente não é verdade. Grandes comunidades e grandes empresas estão sediadas aqui, então a visão dele sobre nossa cidade não se alinha com a realidade; é apenas uma distração para que o povo americano não veja seus fracassos como presidente."
Ao enviar o exército, Trump poderia aumentar a criminalidade, alimentar a desconfiança no governo e criar situações inseguras para os residentes e até mesmo para os soldados, de acordo com alguns prefeitos.
Até mesmo prefeitos republicanos, ou prefeitos de estados governados pelo partido conservador, expressaram seu desacordo com o que consideram uma usurpação infundada do poder local por parte de Trump. A Conferência de Prefeitos dos Estados Unidos, liderada por David Holt (um republicano e prefeito de Oklahoma City), se opôs à tomada de controle de Washington por Trump e disse que "o controle local é sempre o melhor".
"Esses prefeitos de todo o país, de múltiplas origens ideológicas, amam sua cidade mais do que sua ideologia", disse Jacob Frey, um democrata e prefeito de Minneapolis.
Vários prefeitos disseram ao The Guardian que estão preparados para defender suas cidades de uma possível intervenção de Trump, tanto legalmente quanto de outras formas. Eles estão trabalhando com seus chefes de polícia para garantir a lealdade das forças e estão coordenando com os governadores em relação a um possível deslocamento da Guarda Nacional. Departamentos de planejamento de emergência e advogados municipais em grandes cidades democratas já projetaram estratégias para resistir às medidas drásticas que Trump diz que quer tomar contra elas.
Mas Trump já mostrou sua disposição em violar a lei para ir contra as cidades. Relatos da imprensa indicam que o Pentágono está planejando colocar soldados da Guarda Nacional em alerta nos estados de Alabama e Arizona, para deslocá-los se houver agitação nas cidades. Trump sinalizou que este é apenas o começo de sua ofensiva contra os governos municipais. A procuradora-geral Pam Bondi enviou cartas esta semana para uma série de cidades democratas, ameaçando prender líderes locais se eles não cooperassem com o governo federal para fazer cumprir as leis de imigração.
Segundo Brett Smiley, um democrata e prefeito de Providence, Rhode Island, as pessoas deveriam se alarmar com a possibilidade de soldados serem deslocados para cidades americanas, independentemente do motivo. "Isso não é algo a que devamos nos acostumar, não devemos deixar que esta administração quebre outra norma ou padrão de nossa sociedade e que em alguns anos não pareça estranho para nós ver soldados em nossas cidades", ele adverte.
A briga de Trump com as cidades tem suas raízes em sua primeira administração e faz parte de uma narrativa difundida entre a direita que culpa as políticas progressistas pela suposta decadência urbana. Entre as medidas drásticas contra as cidades previstas no plano conservador 'Project 2025' estava a retenção de fundos federais para forçá-las a cumprir os planos de deportação.
Outra das promessas de campanha de Trump era "deslocar recursos federais, incluindo a Guarda Nacional, para restaurar a lei e a ordem quando a aplicação da lei local se recusar a agir". "Não hesitarei em enviar recursos federais, incluindo a Guarda Nacional, até que a segurança seja restaurada em cidades onde houve um colapso total da lei e da ordem, onde os direitos fundamentais de nossos cidadãos estão sendo violados de forma intolerável", disse o então candidato em um vídeo de 2023.
Também veio à tona na mídia que ele gostaria de ter adotado medidas muito mais duras e rápidas contra manifestantes e desordeiros durante os protestos de 2020 pela morte de George Floyd em Minneapolis. Agora, ele está usando questões menores para declarar emergências, como protestos anti-imigração ou crimes cometidos contra um funcionário do governo.
Minneapolis, a cidade onde os protestos começaram depois que um policial assassinou George Floyd, está na lista de "cidades deterioradas", de acordo com Trump. "Eu não acho que alguém possa fingir saber o que se passa na cabeça de Donald Trump", disse o prefeito democrata de Minneapolis, Jacob Frey, ao The Guardian. "[Trump] é uma bagunça completa, uma idiotice, não sei o que ele está pensando, não sei o que ele está pensando ou qual é o motivo, é claro que ele está focando em cidades governadas por democratas", ele reflete.
Outras cidades que Trump tem na mira têm prefeitos negros e democratas: Baltimore, Oakland, Los Angeles e Chicago. "O fato de que minha cidade, e todas as outras que o presidente mencionou no domingo, tenham feito um progresso histórico no combate ao crime e ainda assim sejam as que são visadas diz tudo", disse o prefeito de Baltimore, Brandon Scott, durante uma coletiva de imprensa esta semana.
O governo federal tem um histórico de colaboração com as prefeituras para abordar o problema da criminalidade. Vários prefeitos democratas deram vários exemplos disso durante a administração Biden, mas foram sempre acordos bilaterais e não uma substituição da polícia local. "Não somos contra a ajuda federal, somos contra o caos federal", alertou Frey.
O prefeito de Detroit, Mike Duggan, disse em um comunicado que a cidade tem taxas de homicídios, tiroteios e roubos de veículos mais baixas do que nos últimos 50 anos. O comunicado credita grande parte do sucesso à colaboração com agências federais e o escritório do procurador-geral. "Essa colaboração é simples e eficaz: a polícia de Detroit cuida da vigilância e as autoridades federais aumentam significativamente sua assistência durante os processos judiciais federais", disse Duggan, que acrescentou: "Agradecemos a colaboração que temos hoje e não vemos nenhuma razão para que qualquer uma das partes queira mudá-la".
Os prefeitos não se gabam de ter resolvido o problema do crime violento, mas de tê-lo reduzido e de estarem trabalhando para novas melhorias, segundo Scott. "Precisamos de pessoas que realmente queiram nos ajudar a conseguir isso, em vez de tentar se impor e nos transformar em algo diferente da democracia representativa da qual todos nos orgulhamos", ele defendeu.
Prefeitos de todo o país fazem uma clara distinção entre o poder de Trump em Washington, D.C., e o poder que ele pode exercer em outras cidades. Embora Trump tenha sido o primeiro a usá-la, a Lei de Autonomia de D.C. de 1973 inclui uma seção que, em caso de emergência, permite ao presidente assumir temporariamente o comando do departamento de polícia. Outras cidades não incorporam essa possibilidade em suas regulamentações.
Mesmo com essa Lei de Autonomia, as autoridades de D.C. entraram com uma ação contra Trump, alegando que ele estava realizando uma "tomada hostil" da polícia da capital após tentar substituir sua chefe, embora ele finalmente tenha concordado em mantê-la no cargo.
"Sabemos que quando alguém diz que vai ser um ditador no primeiro dia, nunca desiste voluntariamente dessa aspiração no segundo dia", disse o advogado Norm Eisen, que entrou com várias ações contra a administração Trump, em uma coletiva de imprensa esta semana. "É isso que se vê nas ruas de Washington", ele expressou.
Jacob Frey disse que a cidade de Minneapolis já havia se preparado legalmente e projetado planos operacionais para a polícia, bombeiros e serviços de emergência. "Meu chefe de polícia e eu estamos em sintonia, e ele se reporta ao comissário de segurança, que por sua vez se reporta a mim", disse ele.
"Não há ambiguidade sobre como essa estrutura hierárquica funciona, e ela certamente não se estende a Donald Trump", ele advertiu. "Fazer algo assim em Minneapolis seria uma usurpação flagrante e ilegal do controle local; é claro que procederíamos imediatamente para obter uma liminar [para impedi-lo]."
A decisão de Trump de enviar soldados da Guarda Nacional para Los Angeles também é de legalidade duvidosa. Normalmente, as tropas da Guarda Nacional estão sob o comando do governador. No caso da Califórnia, o governador Gavin Newsom processou Trump por usar o exército como força policial contra a Lei Posse Comitatus. Um tribunal realizou uma audiência sobre o caso esta semana.
Bruce Harrell, o prefeito de Seattle, diz que está confiante de que pode proteger o departamento de polícia e os residentes se Trump enviar soldados. "O que eu tenho que fazer é garantir que as pessoas pelas quais sou responsável como prefeito saibam que podemos lutar contra seu abuso [de poder], e que nosso departamento jurídico tenha os argumentos legais bem preparados", ele disse. Brandon Scott, o prefeito de Baltimore, disse que estava pronto para tomar todas as medidas "legais e de outro tipo".
Ainda assim, há dúvidas sobre até que ponto as cidades podem reagir se Trump convocar a Guarda Nacional. "É muito difícil saber quais são nossas opções porque estamos em território desconhecido", disse Brett Smiley, prefeito de Providence. "Não há precedente e eu não sei quais são minhas opções para impedir a chegada dos soldados. Essa é uma das razões pelas quais estou tentando ser tão proativo para deixar claro que não é necessário, que não é desejável."