15 Agosto 2025
Com café-da-manhã agroecológico, manifestação denunciou avanço da soja, projetos como a Ferrogrão e aumento da violência contra povos indígenas no Mato Grosso.
A reportagem é da Aliança Ferrogrão Não, publicada por CIMI, 14-08-2025.
Cerca de 100 indígenas e representantes de movimentos sociais realizaram na manhã desta quinta-feira (14) um ato de repúdio em frente ao local onde aconteceu o Seminário Justiça Territorial, promovido pela Associação dos Produtores de Soja e Milho de Mato Grosso (Aprosoja MT) e a Associação Mato-grossense dos Municípios (AMM). A manifestação pacífica reuniu representantes dos povos Kayapó, Xavante e Panará, da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (FEPOIMT), e do Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra (MST).
“Estamos aqui para denunciar que não tem nada de ‘Justica Territorial’ na agenda deste Seminário, não tem nada de justica em defender o marco temporal ou querer avançar com a soja em cima de tudo”, afirma Takakpe Tapayuna Metuktire, liderança do povo Kayapó, representante da Federação dos Povos e Organizações Indígenas de Mato Grosso (Fepoimt) e do Instituto Raoni. “Eles querem ir contra a Constituição para aumentar os lucros de poucos e destruir o futuro de muitos. Parece que não entenderam que sem a proteção que as terras indígenas oferecem ao planeta, nem o agro vai sobreviver. De onde eles acham que vem a chuva?”, questiona a liderança.
Em vídeo de divulgação do seminário, o presidente da AMM, Leonardo Bortolin, confirma que o objetivo do evento é promover a tese do marco temporal e a PEC 24/2025, que dá ao Congresso a competência para a demarcação de terras indígenas. “Nós defendemos o respeito ao marco temporal e apoiamos a PEC do senador Zequinha [Marinho (Podemos)], que tramita hoje no Senado”, afirma ao convocar pessoas a organizarem caravanas para o evento.
“Os mesmos setores que constam no Relatório da Senadora Eliziane Gama na CPMI dos Atos Golpistas, agora convocam municípios do Mato Grosso para atentar contra as decisões da Suprema Corte”, observa Rafael Modesto advogado do Conselho Indigenista Missionário (Cimi). “O chamado para esse seminário é uma verdadeira afronta às decisões do STF, à Constituição de 1988 e ao Estado Democrático de Direito. A Corte já declarou inconstitucional a tese do marco temporal no julgamento do caso Xokleng e já definiu, no caso Raposa Serra do Sol, que compete unicamente ao poder executivo a demarcação das terras originárias”, explica o advogado.
Reunidos desde 6h30 (horário de Cuiabá) em frente ao local do evento, os manifestantes realizaram um café-da-manhã agroecológico com o objetivo de visibilizar alternativas à produção de monoculturas voltadas à exportação. Todos os alimentos foram oferecidos por produtores ligados ao MST que participam da Jornada da Reforma Agrária em Cuiabá.
“A comida cara é culpa do agro, que só quer plantar soja e milho para exportação. O povo quer comida boa, barata e sem veneno. Precisamos cuidar do planeta, estimular mais a agricultura familiar e a agroecologia, beneficiar o povo e não os bilionários do agro e das empresas estrangeiras como a Cargill”, afirma Hiparidi Toptiro, liderança Xavante e coordenador da Rede Cerrado. “Não podemos deixar a soja engolir tudo, temos que desenvolver uma relação de harmonia com o Cerrado e a Amazônia antes que seja tarde demais, não deixar projetos como Ferrogrão e FICO piorarem tudo”, declara.
Os manifestantes denunciam que projetos de infraestrutura como a FICO e Ferrogrão — ferrovia impulsionada por grandes tradings do agronegócio como a Cargill — levam a mais desmatamento, pressão sobre comunidades, contaminação por agrotóxicos e violência.
“A soja já está cercando nossas terras, contaminando nossos rios e matando nossa comida. Querem fazer a Ferrogrão para avançarem ainda mais rápido com a destruição”, alerta Mikrê Panará da Associação Iakiô do povo Panará. “Meu povo quase foi dizimado quando construíram a BR-163, sabemos bem o que essas grandes obras significam. Nenhum povo ou comunidade foi consultado até agora e já estamos sofrendo com o aumento da pressão e da violência contra nós”, afirma.
Segundo análise do InfoAmazonia, desde o anúncio da Ferrogrão em 2014, os crimes ambientais ao redor da área do projeto cresceram 190%. Segundo o mais recente relatório do Cimi, com a aprovação da Lei 14.701/2023, a violência aumentou ainda mais: em 2024, foram 230 casos de invasões, exploração ilegal de recursos e danos ao patrimônio no país. Apenas no Mato Grosso, 33 indígenas foram assassinados.
“Nós estamos aqui para dizer que não vamos negociar nossos direitos nem aceitar que debatam sobre a demarcação de terras indígenas como se nós não existíssemos. Estamos aqui e vamos gritar bem alto para que todos ouçam: não aceitamos o marco temporal, não aceitamos a Ferrogrão e não aceitamos a destruição do futuro para quem já é rico ficar ainda mais rico”, declara Mydjere Kayapó, Relações Públicas do Instituto Kabu.
O protesto foi uma iniciativa da Aliança #FerrogrãoNão, que reúne mais de 30 organizações indígenas, movimentos sociais e entidades socioambientais em defesa dos territórios, povos e comunidades da Amazônia e do Cerrado.