09 Agosto 2025
"Somente nos envergonhando do que está acontecendo em Gaza poderemos ter uma chance de redenção. Mas a vergonha, como sabemos, é um sentimento revolucionário que já não é mais deste mundo"
O artigo é de Giovanni De Luna, publicado por La Stampa, 05-08-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Giovanni De Luna é historiador italiano, professor emérito da Universidade de Turim.
Até onde podemos entender, o ódio que se respira em Gaza é sufocante. A violência exercida contra os palestinos está levando à sua desumanização: eles estão sendo suprimidos fisicamente, mas também está se tentando liquidar suas tradições, destruir sua cultura, brutalizá-los por meio da fome e de confrontos fratricidas.
As bombas e os ataques não parecem atingir o Hamas; por outro lado, empurram os habitantes de Gaza para uma condição desesperadora e, da vergonha, da dor e da fome parece emergir uma fúria vulcânica, um ódio físico, palpável, guardado como um tesouro: a loucura homicida, como Frantz Fanon e Jean-Paul Sartre diziam há muitos anos, "é o inconsciente coletivo dos colonizados", assim como o gatilho final que os empurra para o fanatismo religioso, estreitando seu horizonte político e existencial a um único objetivo: expulsar o ocupante por todos os meios, mesmo com uma violência extrema e paroxística como a desencadeada contra os israelenses em 7 de outubro. Fundado na relação entre colono e colonizado, esse é o esquema interpretativo usado por Fanon em seu livro de 1961, "Os Condenados da Terra"; e se esse esquema aplicado a Gaza funciona, então Israel se enfiou num beco sem saída onde violência gera violência, guerra gera guerra, enquanto nenhuma paz possível se vislumbra no horizonte. E só vai piorar. Antes, os palestinos não existiam; agora existem e no sofrimento se sentem povo, nação, e aspiram a se tornar Estado.
Os israelenses semearam o vento, os palestinos são a tempestade.
Um ódio que, infelizmente, parece ter cavado um abismo intransponível não apenas entre judeus e palestinos, mas também aqui na Europa, entre nós e eles: nós, os ocidentais, com nosso humanismo, nossos direitos humanos, nossas democracias, nosso mercado, nossos valores; eles, os árabes, com seu fanatismo, sua fome, seu fundamentalismo, sua raiva, seus valores. Depois de 7 de outubro, é assim; não tínhamos percebido, parecia-nos apenas um episódio de uma questão perene própria do Oriente Médio, um dos muitos massacres que se acumulam nas guerras da contemporaneidade; também irrompem perto de nós, como aconteceu com a ex-Iugoslávia no final do século passado e como está acontecendo na Ucrânia, mas essencialmente não afetam as nossas condições de segurança, tranquilidade ou bem-estar. Tivemos mais medo da Covid do que da guerra, em parte porque a pandemia havia mudado repentinamente os nossos hábitos e comportamentos, enquanto a guerra, pelo menos até agora, não afetou os ritmos de nossa cotidianidade.
Mas, no entanto, depois de 7 de outubro, vieram os massacres em Gaza, veio o momento em que assistimos, impotentes e desorientados, a aniquilação de nossa parte de todos os valores ocidentais sobre os quais havíamos moldado a ordem mundial, a começar por aqueles do direito internacional.
E para nós, homens e mulheres do século XX, começou a temporada dos paradoxos. O primeiro é também o mais pungente. No choque de civilizações profetizado por Huntington, nós, os ocidentais, estamos do lado de Israel. Mas a representar os nossos valores são precisamente aqueles que os combateram e, quando conseguiram, os subverteram. A Europa e os Estados Unidos agora veem no poder um enxame de negociantes e aspirantes a ditadores que são os primeiros a serem intolerantes com aquelas regras da democracia que nos havíamos iludido poderiam proteger nosso mundo de qualquer convulsão.
E sobre esse paradoxo se encaixa outro, ainda mais doloroso para mim: a gritar mais alto seu apoio a Israel, a defender suas indefensáveis reivindicações, são justamente aqueles que, no passado, se revelaram os mais ferozes perseguidores dos judeus. Durante anos, consideramos antinaturais e vãs todas as tentativas da nossa direita de incorporar em sua narrativa totalitária os valores que haviam inspirado o nascimento de Israel e os fundamentos do projeto sionista. Hoje, constatamos que essas tentativas parecem bem-sucedidas e, para nos restringirmos à Itália, assistimos horrorizados ao fascínio pelo "Estado forte" israelense que parece tomar conta dos fascistas italianos.
É claro que, mesmo para o racismo dos fascistas, dos supremacistas brancos, dos nostálgicos da Ku Klux Klan, é chocante ter que ficar do lado daqueles judeus que, em seus delírios, tinham chamado de subumanos ou ratos, ser obrigados a delegar àqueles "narizes aduncos”, que haviam desprezado em sua propaganda, a reafirmação da superioridade racial do homem branco. Mas lhes garanto que isso é ainda mais chocante para quem, como eu, que sempre pensei que "Auschwitz nunca mais", o slogan sobre o qual havia se moldado a religião civil da minha geração, ressoasse fortemente contra todas aquelas sementes de racismo e antissemitismo que brotaram, apenas 80 anos atrás, no seio das sociedades industriais do capitalismo avançado; certamente não entre os árabes ou naquele que definimos, apressada e superficialmente, de Terceiro Mundo.
Mas esses paradoxos têm uma fragilidade intrínseca; esvaziam-se sobre si mesmos quando sua instrumentalidade ocasional não é mais necessária. Pelo menos, essa também é a nossa esperança. Porque a alternativa é ainda mais dramática e comporta o suicídio de Israel, bem como a nossa própria autoaniquilação.
Hoje, a Europa, ao renunciar em lutar por seus valores, já conta pouco mais que nada no tabuleiro geopolítico global. Éramos os sujeitos da história; agora somos seus objetos. E a situação piorou ainda mais desde que os Estados Unidos, "um monstro supereuropeu", como Sartre os chamava, se entregaram a Donald Trump. Não se trata mais de um grito de alarme, mas de um diagnóstico.
Somente nos envergonhando do que está acontecendo em Gaza poderemos ter uma chance de redenção. Mas a vergonha, como sabemos, é um sentimento revolucionário que já não é mais deste mundo.