16 Julho 2025
A relatora da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados foi sancionada por Washington por seu "antissemitismo flagrante". A especialista italiana afirma que a decisão pode estar sujeita a processos judiciais perante a Corte Internacional de Justiça.
A reportagem é de Diego Stacey, publicada por El País, 16-07-2025.
Francesca Albanese, Relatora Especial da ONU para os Territórios Palestinos Ocupados e uma das maiores críticas internacionais à ofensiva israelense em Gaza, respondeu às sanções impostas por Washington na semana passada. "Esta é uma medida gravíssima. É inédita, e é por isso que a levo muito a sério. É uma clara violação da Convenção das Nações Unidas sobre a Imunidade de Autoridades como eu", disse ela na terça-feira em Bogotá, durante uma coletiva de imprensa após a cerimônia de abertura da primeira conferência ministerial do Grupo de Haia, uma coalizão de oito países que busca definir medidas "legais e diplomáticas" para deter "o genocídio israelense". A reunião contou com a presença de delegações de mais de 30 Estados, incluindo Espanha e México.
A especialista italiana indicou que a decisão dos Estados Unidos pode ser objeto de um processo judicial perante a Corte Internacional de Justiça. "Mas não quero que isso aconteça. O que quero é que os Estados não desviem sua atenção de onde ela deveria estar agora", respondeu ela a uma pergunta deste jornal. Dezenas de colegas e especialistas em direito internacional manifestaram apoio à relatora. E ela lhes envia um alerta: "Este é um aviso para todos que se preocupam com a defesa do direito internacional e dos direitos humanos. É por isso que não podemos nos dar ao luxo de permanecer em silêncio".
I thank wholeheartedly the member states who are standing behind my work.
— Francesca Albanese, UN Special Rapporteur oPt (@FranceskAlbs) July 16, 2025
In moment of pain and transition, comes the change. Together we can build a better system, and Palestine and the sacrifice of the Palestinian people cannot be in vain.
No more empty words, may this be… https://t.co/rus6i1GM3q
O Departamento de Estado americano, liderado por Marco Rubio, anunciou sanções contra Albanese na última quarta-feira por seu "antissemitismo flagrante" e por instigar uma campanha política e econômica contra Israel. A agência acusa a relatora especial de apoiar o "terrorismo" e demonstrar "desprezo declarado pelos Estados Unidos, Israel e o Ocidente". O governo Donald Trump revogou seu visto e a proibiu de entrar nos Estados Unidos. Também bloqueou quaisquer bens que ela pudesse ter no país.
A decisão de Washington foi anunciada poucos dias após a publicação de um relatório no qual Albanese denunciou que grandes empresas — incluindo empresas americanas como Blackrock e Vanguard — cometeram "graves violações do direito internacional" e lucraram com uma economia genocida. A relatora também afirmou que há motivos razoáveis para afirmar que o governo israelense está cometendo atos de genocídio. Em entrevista recente a este jornal, a italiana afirmou que Israel "comete crimes como se respirasse".
Albanese está na Colômbia para apoiar a primeira cúpula ministerial do Grupo de Haia, composto por Bolívia, Cuba, Honduras, Senegal, África do Sul, Malásia, Namíbia e Colômbia. Esses países concordaram em janeiro passado em formar esse bloco para pressionar o fim das hostilidades em Gaza por meio de três ações: cumprir os mandados de prisão emitidos pelo Tribunal Penal Internacional contra o primeiro-ministro israelense Benjamin Netanyahu e seu ex-ministro da Defesa, Yoav Gallant; impedir o fornecimento de armas a Israel; e impedir que navios ligados à indústria militar israelense atraquem em seus portos.
A cúpula foi convocada pelos governos da África do Sul e da Colômbia, que copresidiram o grupo. O anfitrião Gustavo Petro declarou na semana passada, em uma coluna para o jornal britânico The Guardian, que os países "têm o dever de enfrentar Israel". O objetivo da conferência, acrescentou, é "apresentar medidas jurídicas, diplomáticas e econômicas concretas que possam deter a destruição de Israel [em Gaza] e defender o princípio fundamental de que nenhum Estado está acima da lei".
Durante a cerimônia, Albanese criticou a inação da União Europeia. Os ministros das Relações Exteriores da UE-27 se reuniram nesta terça-feira em Bruxelas para uma cúpula sobre o futuro de suas relações com Israel. Apesar da constatação do bloco de que o governo de Netanyahu viola o direito internacional, os países não conseguiram chegar a um acordo e evitaram impor sanções a Israel por falta de consenso. A relatora afirma que os Estados da UE "pregam o direito internacional, mas são guiados mais por uma mentalidade colonial do que por princípios, agindo como vassalos do império americano". O especialista instou todos os países a romperem os laços militares, diplomáticos, políticos e econômicos: "Paramos de abordar os sintomas há muito tempo. [...] É urgente romper os laços com Israel".
Na coletiva de imprensa subsequente, a especialista também enfatizou que esta cúpula poderia representar "um momento crucial" para a proteção do direito internacional. "Por muito tempo, ele foi tratado como opcional, aplicado seletivamente a Estados percebidos como fracos e ignorado por aqueles que agem como poderosos". Para Albanese, "a duplicidade de critérios erodiu os fundamentos do sistema jurídico. O direito precisa ser universal ou perderá seu valor", afirmou.
A reunião foi aberta por Rosa Yolanda Villavicencio, a nova ministra das Relações Exteriores colombiana. "O que está acontecendo em Gaza é genocídio. É um regime de ocupação e exclusão que a comunidade internacional não pode mais tolerar", afirmou. O diplomata sul-africano Zane Dangor uniu-se ao clamor: "Há um sério risco de genocídio contra o povo palestino. É nosso dever garantir que o derramamento de sangue cesse agora. Não temos tempo".
A conferência será encerrada nesta quarta-feira com uma cerimônia de encerramento e uma coletiva de imprensa com as conclusões da reunião.
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