10 Julho 2025
“Embora a Convenção sobre Genocídio obrigue os Estados a prevenir e punir o genocídio, e as Convenções de Genebra estabeleçam medidas de proteção para a população civil sob ocupação, esses mecanismos se mostraram ineficazes sem a vontade política necessária para implementá-los”. A reflexão é de Munir Nuseibah, publicada por Al-Shabaka e reproduzida por Voces del Mundo, 08-07-2025. A tradução é do Cepat.
Munir Nuseibah é advogado especializado em direitos humanos e professor na Universidade Al-Quds de Jerusalém, Palestina. É diretor (e cofundador) da Clínica de Direitos Humanos Al-Quds, o primeiro programa de treinamento jurídico clínico credenciado no mundo árabe; e diretor do Centro de Ação Comunitária de Jerusalém.
O genocídio perpetrado pelo regime israelense em Gaza expôs o fracasso dos arcabouços jurídicos internacionais em proteger civis, o que representa um colapso sem precedentes da função protetora do direito internacional. Embora a Convenção sobre Genocídio obrigue os Estados a prevenir e punir o genocídio, e as Convenções de Genebra estabeleçam medidas de proteção para a população civil sob ocupação, esses mecanismos se mostraram ineficazes sem a vontade política necessária para implementá-los. Isso ficou claro em janeiro de 2024, quando a Corte Internacional de Justiça (CIJ) emitiu medidas provisórias para impedir atos genocidas em Gaza, ordens que o governo israelense descumpriu descaradamente, continuando sua campanha militar.
Não obstante, vários Estados do Sul Global se uniram para formar o Grupo de Haia, uma iniciativa projetada para desafiar o muro de impunidade que cerca o regime israelense por meio de ações jurídicas e diplomáticas coordenadas. Composto por oito países – África do Sul, Malásia, Namíbia, Colômbia, Bolívia, Senegal, Honduras e Cuba –, o Grupo de Haia está comprometido em promover a implementação do direito internacional e cumprir as obrigações globais em defesa dos direitos palestinos. Este memorando de políticas examina como o Grupo de Haia destaca o potencial da ação coordenada dos Estados para responsabilizar os Estados por violarem o direito internacional, apesar das limitações estruturais em sua aplicação.
No dia 31 de janeiro de 2025, os Estados-membros do grupo se reuniram em Haia, sede dos principais tribunais internacionais do mundo, e concordaram em tomar medidas tangíveis para fazer cumprir o direito internacional. Eles se comprometeram a proteger o povo palestino e apoiar seu direito à autodeterminação, e apelaram a outros Estados para que exercessem pressão coletiva sobre o regime israelense.
Os membros do Grupo de Haia vêm da África, América Latina e do Sudeste Asiático. A ausência de Estados árabes e europeus – incluindo atores tradicionalmente ativos como a Irlanda e a Espanha – é chamativa, embora não acidental. Reflete o fato de que a defesa do direito internacional se tornou politizada e cada vez mais cara, especialmente sob o peso da hegemonia dos EUA, que exerce pressão diplomática, coerção econômica e hostilidade aberta às instituições internacionais. Essa dinâmica, que se intensificou sob o governo Trump, teve um efeito inibidor. De modo particular, quando o Grupo de Haia foi criado, o governo Trump apoiou uma legislação para sancionar qualquer pessoa ou entidade envolvida em investigações do Tribunal Penal Internacional (TPI) dirigidas contra os Estados Unidos ou seus aliados, principalmente Israel.
Desafiar os Estados Unidos para defender o direito internacional no caso de Israel acarreta riscos políticos e econômicos significativos, que os líderes europeus até agora não se mostraram dispostos a assumir. Seu apoio à Palestina tem sido em grande parte simbólico, limitando-se a gestos diplomáticos como o reconhecimento do Estado palestino, que estão muito aquém das medidas coercitivas necessárias para deter o genocídio, desmantelar o apartheid e pôr fim à ocupação.
No entanto, vários países europeus começaram recentemente a ameaçar o regime israelense com sanções e estão reconsiderando ativamente o tratamento preferencial que recebe nos acordos da UE. Em resposta à crescente pressão dos Estados-membros, a Comissão Europeia concordou em revisar o histórico de direitos humanos de Israel e reavaliar o Acordo de Associação UE-Israel. No entanto, essas medidas chegaram tarde demais para deter a ofensiva israelense em andamento em Gaza e além, e até agora têm sido simbólicas tanto em seu alcance quanto em seu impacto.
Da mesma forma, a Liga Árabe e a Organização para a Cooperação Islâmica (OCI) emitiram resoluções e condenações veementes, pedindo o fim da ofensiva militar israelense. No entanto, não conseguiram implementar essas resoluções com medidas palpáveis, o que revela uma lacuna persistente entre a retórica e a vontade política. A crescente onda de normalização das relações entre os Estados árabes e o regime israelense corroeu a capacidade do bloco de responsabilizar o Estado sionista. Por outro lado, os Estados-membros do Grupo de Haia começaram a traduzir as obrigações jurídicas internacionais em ações coordenadas, confrontando a impunidade israelense ali onde os atores regionais e ocidentais vacilaram.
O Grupo de Haia comprometeu-se com uma série de medidas políticas e jurídicas decisivas destinadas a pôr fim à impunidade israelense e a fazer cumprir o direito internacional. Estas incluem:
1. Embargo de armas: Os Estados-membros comprometeram-se a suspender todas as transferências de armas e equipamentos militares para o regime israelense, especialmente ali onde houver um risco claro de que este os utilize para cometer crimes de guerra.
2. Restrições portuárias e de trânsito: O grupo se comprometeu a impedir que as embarcações que transportam combustível ou suprimentos militares para Israel entrem em suas águas territoriais ou atraquem em seus portos, com o objetivo de interromper as cadeias de suprimentos que poderiam contribuir para as violações do direito internacional.
3. Apoio aos mandados de prisão do TPI: O Grupo de Haia endossou formalmente os mandados de prisão do TPI contra o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu e o ex-ministro da Defesa Yoav Gallant, prometendo executá-los caso os indivíduos entrem em suas jurisdições, o que restringe a mobilidade global e a impunidade diplomática das autoridades israelenses.
4. Condenação pública e isolamento político: Através de declarações conjuntas e uma defesa internacional coordenada, o grupo busca isolar politicamente o regime israelense e deslegitimar suas alegações de conduta legal, exercendo pressão sobre outros Estados e instituições que continuam a oferecer apoio.
As ações coordenadas do Grupo de Haia representam um ponto de inflexão crucial no esforço global para aplicar o direito internacional e enfrentar a impunidade israelense. No entanto, sem uma participação mais ampla, seu impacto permanecerá limitado. Mais Estados devem aderir a essa iniciativa para restaurar a credibilidade do sistema jurídico internacional e defender os direitos do povo palestino. As organizações de direitos humanos devem pressionar os governos para se alinharem à agenda decolonial do grupo, baseada em direitos. Ao mesmo tempo, organismos regionais como a OCI, a Liga Árabe e a União Africana devem tomar medidas concretas em consonância com a declaração de missão do grupo.
Expandir essa coalizão para um movimento internacional mais amplo é fundamental para pôr fim ao genocídio e restaurar a responsabilidade jurídica internacional por crimes contra a humanidade. De acordo com o direito internacional, os Estados têm a obrigação legal de prevenir o genocídio e abster-se de qualquer forma de cumplicidade. Portanto, apoiar iniciativas como o Grupo de Haia não é uma questão de discricionariedade política, mas um claro imperativo jurídico e moral.