11 Julho 2025
A decisão do presidente americano Donald Trump de impor tarifas de importação ao Brasil em apoio ao ex-presidente Jair Bolsonaro coroa a relação entre os dois líderes e também os longos laços entre os movimentos que o apoiam.
A reportagem é de Gustavo Queiroz, publicada por DW, 10-07-2025.
Desde o princípio, o bolsonarismo buscou não apenas inspiração no trumpismo, mas também sua aprovação, convergindo uma agenda conservadora, estratégias de comunicação e ecoando narrativas comuns, como o antiglobalismo.
Para o cientista político e professor da FGV Guilherme Casarões, a conexão entre o bolsonarismo e sua contraparte americana acontece em três movimentos: emulação, articulação e internalização. Se no começo os paralelos entre Trump e Bolsonaro se davam de forma mais orgânica, aos poucos, o receituário americano passou a ser internalizado e mimetizado pelos brasileiros de forma estratégica.
Tal aproximação culminou em ações e pautas similares, como a invasão da Praça dos Três Poderes, em Brasília, dois anos após apoiadores de Trump também invadirem o Capitólio americano. Também são repetidas no Brasil, por exemplo, as acusações trumpistas de fraude eleitoral, o repúdio às medidas de combate à covid-19, e, mais recentemente, o ataque ao Judiciário.
"O movimento [bolsonarista] reproduz práticas e estratégias de sucesso da ultradireita global, se articula com grupos internacionais que fornecem suporte ideológico e material, e alinha narrativas domésticas com pautas internacionais, especialmente as vindas dos EUA", dizem os coordenadores do Observatório da Extrema Direita, David Magalhães e Odilon Caldeira Neto, em artigo publicado no Centro Brasileiro de Relações Internacionais.
Esse vínculo tem início já em 2016, quando Trump é eleito presidente pela primeira vez, avalia Casarões. Na campanha, o americano começa a defender um conjunto de pautas que passam a ser incorporadas no repertório de Bolsonaro, cuja futura candidatura à época ainda era incipiente.
Naquele momento, o guru do bolsonarismo Olavo de Carvalho passou a despontar como ponto de contato entre a agenda política trumpista e a realidade brasileira, além de fomentar teorias da conspiração online que imitavam aquelas que circulavam nos EUA.
Um ano depois, Trump anunciou a transferência da embaixada americana em Israel para Jerusalém – uma decisão polêmica em apoio ao governo israelense. A pauta ganhou o apoio de lideranças evangélicas no Congresso brasileiro, e se tornou uma porta de entrada para grupos pentecostais ao bolsonarismo e ao trumpismo – ampliando a conexão entre os movimentos também para organizações religiosas.
"O Bolsonaro vai a Israel em 2016, já como um ato de pré-campanha. Ele também vai aos Estados Unidos em 2017, não se encontra com Trump, mas já começa a surgir aquela narrativa de que Bolsonaro é o 'Trump dos trópicos'. Eu diria que a campanha [presidencial brasileira] é quando isso começa a acontecer", afirma Casarões.
Em novembro de 2018, o deputado Eduardo Bolsonaro e Filipe Martins emergem como elo central da ponte entre o bolsonarismo e o trumpismo. Os brasileiros foram aos EUA para articular conexões entre o governo Trump e a futura gestão de Bolsonaro na chefia do Palácio do Planalto.
Do lado americano, o estrategista trumpista Steve Bannon, que mantinha relações amistosas com Olavo de Carvalho, declarou apoio a Bolsonaro e se tornou o elo dos brasileiros com movimentos conservadores nos EUA.
"Aí começa a aparecer muito claramente uma estratégia mais articulada. No período de 2016, o bolsonarismo estava mais no campo da emulação [do trumpismo], da repetição de estratégias e pautas que tinham sido vitoriosas na eleição dos EUA. Depois da eleição do Bolsonaro a gente começa a ver muito claro uma articulação mais formal", diz Casarões.
Parte desta mobilização, por exemplo, resultou na realização da Cúpula Conservadora das Américas, em Foz do Iguaçu, com a presença de Eduardo Bolsonaro, e o consequente lançamento do Prosul, uma alternativa conservadora à Unasul.
A eleição de Bolsonaro e Trump sob as mesmas bandeiras também ajudou a consolidar a ligação entre os movimentos.
Em 2019, Bolsonaro foi aos EUA como primeiro destino após eleito e passou a fazer um governo alinhado e elogioso ao do americano. Um vídeo da visita em que presta continência à bandeira americana viralizou e foi defendido por seus apoiadores, também entusiastas das políticas de Trump.
A posterior pandemia da covid-19 contribui para sedimentar a retórica comum entre trumpistas e bolsonaristas, muitas alimentadas pelos próprios líderes, como o ataque à vacinação contra a doença, ao lockdown e a defesa de medicamentos sem comprovação científica. No período se consolidou também no Brasil a tática trumpista de usar as redes sociais como arma política, processo que se traduziu na existência de um "gabinete do ódio" que divulgava desinformação.
"Essa 'americanização' da política brasileira reflete-se na adoção de uma gramática política e estratégias da alternative right (direita alternativa) americana, como a guerra cultural e a defesa de valores conservadores", dizem David Magalhães e Odilon Caldeira Neto.
Não à toa, Bolsonaro passou a internalizar agendas de Trump e incluiu a "liberdade" em seu chavão "Deus, pátria e família" ao longo do governo.
"O bolsonarismo foi sedimentando uma outra estratégia, de fundar movimentos suprapartidários, transnacionais. E mesmo depois que o Trump sai da presidência, essa relação continuou", completa Casarões.
Com a derrota de Bolsonaro nas urnas em 2022, a acusação de fraude eleitoral que já havia tomado as redes sociais nos EUA após a derrota de Trump toma conta também dos perfis de influenciadores brasileiros. O ex-presidente brasileiro chegou a ir aos Estados Unidos, onde discursou em eventos conservadores.
O espelho brasileiro do movimento americano chega ao seu auge quando bolsonaristas invadem a sede do governo em Brasília. Quando o mesmo ocorreu em Washington, Bolsonaro chegou a apoiar Trump e dizer que o sistema eleitoral dos EUA era fraudado. Na ocasião, disse ser "ligado" ao americano.
Nos anos seguintes, Eduardo Bolsonaro liderou diversas delegações bolsonaristas para discutir abordagens junto a congressistas americanos e participar de eventos conservadores. Dois deles, Maria Elvira Salazar e Rich McCormick chegaram a pedir que Trump sancione o ministro do Supremo Tribunal Federal Alexandre de Moraes, reforçando a agenda bolsonarista anti-Judiciário.
"Depois que Lula foi eleito, havia uma percepção de que se o bolsonarismo conseguisse manter viva essas associações com Trump, e Trump fosse eleito de novo, isso poderia ser um caminho para que Bolsonaro pudesse voltar para o jogo político eleitoral", avalia Casarões.
No Brasil, a importação de práticas trumpistas também foi internalizada por parlamentares, que passaram a defender uma agenda pautada nas fileiras do partido Republicano dos EUA. A liberdade de expressão virou fio condutor entre os movimentos, que também rejeitam a responsabilização das big techs, por exemplo.
A articulação bolsonarista culminou em uma publicação de Trump na última segunda-feira, que atacou o "terrível tratamento" dado pelo Brasil a Jair Bolsonaro e, na sexta-feira, aplicou tarifas de 50% sobre o país.