21 Fevereiro 2023
Ben Tarnoff (San Francisco, 1985) trabalha em uma empresa de software em Massachusetts e é um dos fundadores da revista Logic, que trata das tecnologias de comunicação e seu impacto na sociedade. Escreve sobre o assunto em mídias como Jacobin, The Guardian e New York Times. Este ano publicou o livro Internet for the People: The Fight for our Digital Future (Internet para o povo: a luta pelo nosso futuro digital). Nele, explica como a internet, uma invenção das instituições públicas estadunidenses, se tornou um “centro comercial on-line”, cuja infraestrutura é controlada por “rentistas” e propõe uma “desprivatização” que libere todo o potencial da rede.
Aproveitando o caos desencadeado após a compra do Twitter por Elon Musk, conversamos por videochamada sobre as implicações de uma esfera midiática privatizada e como construir uma alternativa.
A entrevista é de Elena de Sus, publicada por Ctxt, 18-12-2022. A tradução é do Cepat.
Finalmente Musk comprou o Twitter, e isso produziu um grande impacto nos usuários. Comprovamos que alguém pode comprar uma rede social e fazer mais ou menos o que quiser com ela. Houve migrações para o Mastodon e buscam-se alternativas... Pode ser uma oportunidade de avançar para uma mudança de modelo na internet?
Pode ser uma oportunidade. Suponho que seja, no mínimo, uma lição valiosa sobre a fragilidade das nossas plataformas corporativas. Refiro-me aos riscos de permitir que as plataformas onde acontecem nossas vidas online sejam de empresas privadas e operadas por elas.
Há uma história mais longa aqui, é claro, que é a da comercialização da esfera da mídia. Dos jornais, do rádio e da televisão. Ao longo da história dos meios de comunicação, temos presenciado um verdadeiro conflito entre os imperativos comerciais e a capacidade de oferecer ao público informações úteis, corretas, relevantes e confiáveis. A mídia tem um potencial que é inibido pela dinâmica comercial.
O exemplo dos Estados Unidos é extremo, porque temos pouquíssima mídia pública e uma esfera midiática altamente desregulamentada, o que tem produzido um cenário informacional distópico, com algumas consequências políticas.
Assim, na minha opinião, quando falamos de Twitter ou Facebook e outros espaços online onde circula a informação, temos de situá-los no contexto mais amplo dos meios de comunicação e como têm sido definidos pelos objetivos comerciais.
Considera que as redes sociais são meios de comunicação?
Bem, em um sentido amplo. Está claro que existe uma diferença, que é a nossa capacidade de interagir socialmente através desses sistemas computacionais de uma forma que é impossível através do jornal ou da televisão, e isso deve ser levado em consideração. Mas o problema é muito familiar: como o princípio da maximização do lucro corrompe a qualidade da informação e da interação social.
As redes promovem determinados tipos de informação e determinados tipos de interação. Geralmente são informações sensacionalistas, provocativas, com uma intensa carga emocional. E isso geralmente favorece as forças da direita.
O Facebook, concretamente, tornou-se uma poderosa máquina de propaganda reacionária em parte porque seu algoritmo prioriza o conteúdo mais provocativo. Isso criou uma oportunidade que tem sido explorada por certos grupos da direita para usar as redes como um megafone. É uma coisa que será familiar para quem conhece a história do rádio comercial nos Estados Unidos e Rush Limbaugh, por exemplo. Ou da televisão e a Fox News. Penso que seja importante ligar os pontos e dar-se conta de que isso não vem do nada, mas que é a intensificação de uma dinâmica conhecida.
No entanto, em seu livro Internet for the People, você considera que as explicações mais difundidas sobre como as redes favorecem a extrema-direita são simplistas. Afirma que, por um lado, o conteúdo polêmico gera interações, mas, por outro, pode afugentar os anunciantes, que são a principal fonte de receita dessas empresas, por isso é um assunto complexo. Você poderia explicar isso?
É um exercício de equilíbrio. Por um lado, servir de megafone para a direita tem claras vantagens, porque você acessa uma base de usuários muito comprometida. E, como sabemos, essas plataformas vivem de engagement, é o que elas usam para vender anúncios. Por outro lado, às vezes as atividades dessa base de usuários podem envergonhá-lo e deixar os anunciantes em uma situação desconfortável. O QAnon é um bom exemplo. É um movimento de conspiração aqui nos Estados Unidos, que está vinculado à invasão do Capitólio em 6 de janeiro [de 2022]. Isso forçou o Facebook a reagir.
O Facebook pode se beneficiar muito por ser o espaço onde o QAnon consolida e recruta seus membros. Mas se isso se torna um constrangimento, causa polêmica a ponto de os anunciantes não quererem ser associados a isso, então o Facebook tem que agir.
Penso que essa dinâmica é vista muito claramente com a gestão de Musk no Twitter, porque Musk está abraçando abertamente ideias reacionárias e fazendo amigos na extrema-direita. E os anunciantes estão ficando nervosos.
Eles estão preocupados com a segurança das marcas, não querem que seu anúncio apareça abaixo de um tuíte com uma suástica, por exemplo. Essa captura de tela é ruim para eles. Então, para as plataformas, é um exercício de equilíbrio, porque elas têm uma relação simbiótica com a extrema-direita que faz com que ganhem dinheiro, mas têm que moderar o conteúdo, porque senão os anunciantes começam a suar, que é o que está acontecendo com o Twitter.
A publicidade é o principal negócio de grandes empresas de internet, como Google e Facebook. Elas usam o big data para isso. No entanto, em seu livro você sugere que os anúncios na internet não são muito eficazes. Por que você acha isso?
Tim Hwang tem um livro maravilhoso intitulado Subprime Attention Crisis. Ele argumenta que o ecossistema da publicidade online foi construído, até certo ponto, com base no engano. Muitos anúncios são veiculados, mas não exibidos porque as pessoas têm bloqueadores, ou são exibidos em sítios de internet onde as pessoas não os veem, ou simplesmente são ignorados e não produzem conversões de nenhum tipo.
A publicidade é superestimada. Acho importante ter isso em mente porque geralmente o que ouvimos, principalmente dos críticos da tecnologia, é o contrário. Se você ler Shoshana Zuboff, por exemplo, terá a impressão de que essas empresas desenvolveram máquinas de controle da mente, capazes de inserir mensagens subliminares em nossos cérebros que nos fazem agir de determinadas maneiras e comprar determinadas coisas.
A verdade, provavelmente, está em algum lugar intermediário.
Mas penso que temos a responsabilidade de rejeitar a narrativa de que nossas mentes estão sendo controladas, porque a psicologia humana não funciona assim, é muito mais complexa. Além disso, há muitos softwares que não funcionam. Uma coisa é o que o software promete e outra coisa é o que ele faz. Nunca é a mesma coisa. Zuckerberg quer que pensemos que ele tem uma máquina de controle mental porque é assim que ele vende anúncios, mas claramente não é o caso.
Minha intenção nessa parte do livro era trazer um pouco de sanidade ao discurso, porque é fácil deixar-se levar pela propaganda. Penso ser importante tentar entender precisamente como essas tecnologias realmente funcionam, não como os executivos dizem que funcionam.
Outra questão que seu livro me fez pensar é como a internet que conhecemos, na Espanha, por exemplo, é muito estadunidense. A tecnologia foi desenvolvida por uma agência governamental para os militares dos Estados Unidos. E as plataformas que mais usamos, como Google, Facebook, Netflix ou Amazon, são americanas.
Na China, construíram um ecossistema totalmente chinês, com grandes plataformas chinesas, por causa do Great Firewall. É uma questão de censura e também de política industrial, o equivalente às tarifas para um país que está tentando se industrializar. Foi assim que eles criaram sua própria economia na internet. E depois há ecossistemas mais ou menos regionais na Índia, na América Latina ou na Rússia. Mas, no geral, empresas como Google e Facebook seguem sendo dominantes no mundo, e ainda existem alguns mecanismos de governo da internet que são estadunidenses.
O DNS, que é como o catálogo de endereços da internet, costumava ser controlado pelo Departamento de Comércio dos Estados Unidos e agora é administrado pela ICANN (Corporação da Internet para Atribuição de Nomes e Números), que é tecnicamente uma ONG, mas está sediada em Los Angeles sob a jurisdição dos Estados Unidos. A base de usuários tornou-se global, mas os Estados Unidos ainda mantêm uma grande parcela de soberania, embora não como nos anos 1990, quando o controle era total.
Atualmente, há muita especulação sobre a fragmentação da internet, mas acho que nunca será completamente fragmentada. É sempre benéfico manter algum grau de interconexão. A internet significa rede de redes. Essas redes podem ser conectadas de várias maneiras. E é difícil prever como elas se desenvolverão.
Você descreveu longamente a organização dos trabalhadores no setor de tecnologia. Qual é a situação agora nos Estados Unidos?
Em geral, no país, houve uma desmobilização desde que Biden assumiu a presidência. A energia gerada no governo Trump esgotou-se e novas formas de organização devem ser encontradas.
Houve uma grande onda de mobilizações após a eleição de Trump. Foi um acontecimento que levou muita gente a pensar mais em ações coletivas e daí surgiram iniciativas muito divulgadas em grandes empresas de tecnologia como o Google Walkouts [protestos contra a gestão de assédio sexual, discriminação e racismo na empresa que aconteceram em 2018], mas agora o movimento centrou-se em empresas menores.
De acordo com a lei dos Estados Unidos, é muito difícil organizar um sindicato em uma grande empresa como o Google. Tem centros de trabalho espalhados por várias cidades, tem muitos terceirizados... Houve algumas experiências, mas acho que o foco mudou para empresas menores onde é mais fácil organizar e ganhar campanhas para criar um sindicato formal.
Provavelmente, o maior sindicato de trabalhadores informáticos de colarinho branco é o New York Times. Este tipo de empresa se tornou empresa de tecnologia por necessidade, tem muitos engenheiros na equipe, e processos muito interessantes estão sendo desenvolvidos para serem observados.
A indústria da tecnologia abriga grandes desigualdades. Há engenheiros de software com salários altíssimos e há moderadores de conteúdo em condições deploráveis, espalhados pelo mundo. Você considera muito importante criar solidariedade entre os diferentes trabalhadores do setor. Acredita que isso está acontecendo?
Houve casos inspiradores. Por exemplo, muitos funcionários de colarinho branco no Vale do Silício desempenharam um papel importante em campanhas de sindicalização dos trabalhadores em serviços como lanchonetes ou a segurança em seus locais de trabalho. A solidariedade é certamente possível. Existem obstáculos óbvios, que são incentivados pelas empresas. Penso que o truque é não ignorar as diferenças entre os trabalhadores. Não fingir que todos esses indivíduos pertencem à mesma categoria, mas facilitar que se entendam e colaborem na ação coletiva.
Houve muita discussão sobre os perigos das fake news na internet quando Trump chegou ao poder. Agora que os democratas estão no governo, estão pensando em legislar nesse sentido?
A preocupação com a desinformação desapareceu do discurso popular, simplesmente porque Trump não está mais no cargo. Tem gente trabalhando nisso, mas não é mais visto como algo urgente. Penso que é uma perspectiva que sempre teve severas limitações. Exageraram na importância da desinformação para tentar explicar por que Trump venceu, pretendiam que a desinformação fosse a causa de muitas coisas. Agora acredito que estão dedicando muito mais energia à questão antimonopólio do que à desinformação.
Você não concorda com essa abordagem, não acredita em políticas antimonopólio para a internet.
Correto. Mantenho um apoio crítico, digamos, porque esses grupos querem reduzir o poder das grandes corporações e isso é bom. Apoio muitas das propostas que foram feitas nos Estados Unidos, como desmembrar grandes corporações ou impor a interoperabilidade entre serviços. Mas não compartilho do seu diagnóstico do problema. Eles acreditam que o problema é que os mercados estão muito concentrados, pensam que se houver mais concorrência na internet, os resultados para a sociedade serão mais positivos. Eu não acredito que isso seja verdade. Na verdade, penso que a concorrência pioraria as coisas.
Se você pensar em redes sociais, acreditar que com 10 Facebook a dinâmica seria mais saudável é uma ilusão. Está comprovado que seria pior, porque as empresas fariam de tudo para ganhar cotas de mercado. As piores práticas do Facebook para fisgar seus usuários surgiram em seus inícios, quando ainda não eram tão dominantes.
Você defende a desprivatização. Em que consiste?
Na criação de uma internet para as pessoas, não para a obtenção de lucro. Isso soa um pouco abstrato. O que significa? Significa criar alternativas para as estruturas corporativas, sejam de propriedade pública ou cooperativa, sobre as quais possa ser exercido o verdadeiro controle democrático. Já existem muitas. No livro, por exemplo, falo sobre as redes comunitárias que existem nos Estados Unidos, na Europa e ao redor do mundo para gerenciar a infraestrutura física da internet. Em relação às plataformas, o Mastodon é um projeto muito interessante, tem seus limites, mas nos dá uma ideia de como poderia ser uma rede social descentralizada de comunidades autossuficientes. E as pessoas o estão usando para experimentar esses tipos de problemas.
As inovações de que precisamos são sociais e técnicas. Trata-se de criar espaços onde possamos deliberar, agir, pensar juntos sobre questões difíceis.
Poderíamos dizer muitas coisas sobre como colocar essas ideias em prática. As políticas públicas têm que ter um papel importante, é preciso valer-se do Estado para direcionar investimentos para as alternativas e para limitar o poder do grande capital.
Mas o que quero enfatizar é que essas alternativas já existem, não precisamos criá-las do zero, podemos ter como referência os modelos existentes, que têm seus limites, mas mesmo assim nos dão pistas de como seria uma internet das pessoas.
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“As redes sociais têm uma relação simbiótica com a extrema-direita que faz com que ganhem dinheiro”. Entrevista com Ben Tarnoff - Instituto Humanitas Unisinos - IHU