08 Julho 2025
A realização da próxima Conferência do Clima da ONU (COP30) em Belém fez com que a capital paraense ganhasse visibilidade internacional. A alardeada “COP da Amazônia”, porém, tem surtido efeito também na percepção dos próprios brasileiros, convidados a enxergar o que é, de fato, o território amazônico, e como ele se difere radicalmente da imagem-chavão de “tapete verde”.
A reportagem é publicada por ClimaInfo, 08-07-2025.
“O Brasil tem que saber, e a opinião pública formada no Rio de Janeiro e São Paulo precisam saber, que a Amazônia é urbana. Mais de 70% da população está nas cidades, e existe um abismo gigantesco de investimento em relação às cidades da região e o restante do país”, afirmou Caetano Scannavino, coordenador do projeto Saúde e Alegria e membro do Observatório do Clima ao jornal A Crítica.
“A COP em Belém mostra que se não houver uma atenção a essas cidades que concentram boa parte da população mundial em situação precária, não tem como discutir a questão climática meramente do ponto de vista do carbono, e acho que isso é um ganho”, completa Scannavino.
Quatro dos sete estados da região Norte estão entre os dez com menos investimento público federal entre 2001 e 2020, segundo o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA). O Pará é o único da região entre os dez mais beneficiados, enquanto Rio de Janeiro, São Paulo e Minas lideram em investimentos recebidos.
Essa escassez tem consequências. Como abordou o InfoAmazonia, cerca de 10% da população de Belém, por exemplo, vive em áreas sob risco de desastres hidrogeológicos, como enchentes e deslizamentos, segundo dados do Serviço Geológico do Brasil (SGB) e do IBGE. Entre 2018 e 2023, a cidade registrou 8 enchentes, com mais de 100 mil pessoas afetadas, 456 desabrigados e um prejuízo estimado em R$ 21,8 milhões.
O governo do Pará anunciou obras em 12 canais para reduzir alagamentos, mas o projeto, iniciado em 1996, já sofreu várias paralisações. Com previsão de conclusão para novembro, a iniciativa é agora promovida como solução para a COP30, mas moradores questionam se resolverá os problemas crônicos.
A capital do Pará estaria, portanto, “reempacotando” obras antigas de macrodrenagem e saneamento como parte do legado da Cúpula do Clima. Enquanto habitantes locais criticam atrasos e veem as ações com ceticismo, especialistas ouvidos pelo jornal O Globo alertaram para a necessidade das construções serem acompanhadas de ações de educação ambiental e gestão territorial para serem eficazes.
Os efeitos são contraditórios: de um lado, intervenções criticadas como a Rua da Marinha (paralisada judicialmente por irregularidades ambientais); de outro, avanços como o Parque da Cidade e a revitalização do Mercado de São Brás. A urbanista Ana Cláudia Cardoso (UFPA) avaliou que, apesar de algumas melhorias concretas, está sendo perdida a chance de alinhar o desenvolvimento urbano com as metas climáticas que a própria COP30 promove.
As obras da COP30 não envolvem apenas o legado para o futuro, mas também a redescoberta do passado de Belém. A Folha informou que vestígios arqueológicos de diferentes períodos estão sendo encontrados em vários pontos da cidade. Dentre os achados está um conjunto de túneis que, especulam os especialistas, podem ter sido utilizados durante a Cabanagem, conflito armado libertário ocorrido entre os anos de 1835 e 1840, um dos mais sangrentos da história brasileira.