28 Novembro 2023
As enchentes relacionadas à mudança climática estão aumentando, assim como os danos causados por elas devido à remoção da vegetação ao longo dos cursos d’água. Recentes retrocessos legislativos diminuindo ou eliminando a proteção da vegetação ripária em áreas urbanas, e a necessidade de revertê-los foram explicados no texto.
A carta é de Valter M. Azevedo-Santos, Vanessa S. Daga, Lívia H. Tonella, Renata Ruaro, Marlene S. Arcifa, Philip M. Fearnside, Tommaso Giarrizzo, publicada por Science [1], traduzida e reproduzida por Amazônia Real, 24-11-2023.
Valter M. Azevedo-Santos possui graduação em ciências biológicas pela Universidade do Estado de Minas Gerais (UEMG) e mestrado e doutorado em ciências biológicas (zoologia) pela Universidade Estadual Paulista (UNESP). Tem interesse em conservação da biodiversidade aquática. Ele é professor na Faculdade Eduvale de Avaré e docente permanente na Universidade Federal do Tocantins-Porto Nacional.
Vanessa S. Daga possui graduação em ciências biológicas pela Universidade Paranaense, especialização em desenvolvimento e meio ambiente e mestrado em recursos pesqueiros e engenharia de pesca pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná, e doutorado em ciências biológicas – zoologia pela Universidade Federal do Paraná. Ela estuda ictiofauna, espécies introduzidas, reservatórios e homogeneização biótica.
Lívia H. Tonella possui doutorado pelo Programa de Pós-graduação em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais, Universidade Estadual de Maringá, Maringá, PR. É professora de Direito da Universidade Federal do Tocantins e da Faculdade Serra do Carmo, Palmas, TO.
Renata Ruaro é professora da Universidade Tecnológica Federal do Paraná, campus de Curitiba, atuando no Departamento de Química e Biologia. É doutora em Ecologia de Ambientes Aquáticos Continentais pela Universidade Estadual de Maringá. Possui interesse em conservação e manejo de recursos naturais em bacias hidrográficas, especialmente no desenvolvimento e aplicação de ferramentas de biomonitoramento.
Marlene S. Arcifa possui graduação em história natural e mestrado e e doutorado em ciências biológicas (zoologia) pela Universidade de São Paulo (USP). Atualmente é professor sênior no Departamento de Biologia da USP, Ribeirão Preto. Tem experiência na área de ecologia, com ênfase em ecologia de ecossistemas. Estuda cladocera, ciclomorfose e eutrofização.
Philip M. Fearnside é doutor pelo Departamento de Ecologia e Biologia Evolucionária da Universidade de Michigan (EUA) e pesquisador titular do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), em Manaus (AM), onde vive desde 1978. É membro da Academia Brasileira de Ciências. Recebeu o Prêmio Nobel da Paz pelo Painel Intergovernamental para Mudanças Climáticas (IPCC), em 2007. Tem mais de 750 publicações científicas e mais de 700 textos de divulgação de sua autoria que estão disponíveis aqui.
Tommaso Giarrizzo possui graduação em ciência agrária tropical e subtropical pela Universidade de Firenze (Itália) e doutorado em biologia marinha pela Universidade de Bremen (Alemanha). Ele é professor visitante no Instituto de Ciências do Mar, Universidade Federal do Ceará, Fortaleza e professor colaborador na Universidade Federal do Pará, Belém e Altamira. É pesquisador do CNPq Nível 1D. Estuda a dinâmica nos ecossistemas aquáticos, inclusive peixes em mangues na costa do Pará e o acúmulo de microplástico em peixes de água doce na Amazônia.
Em setembro, fortes chuvas causaram inundações substanciais no estado brasileiro do Rio Grande do Sul [2]. Nos últimos 2 anos, eventos semelhantes ocorreram nos estados de São Paulo [3], Rio de Janeiro [4], Minas Gerais, Espírito Santo, Tocantins, Bahia, Piauí, Pará e Maranhão [5, 6]. Prevê-se que as fortes chuvas e as inundações aumentem à medida que o aquecimento global continua [7, 8]. Portanto, o governo do Presidente Luiz Inácio Lula da Silva deve atualizar as leis do país para levar em conta os efeitos das mudanças climáticas.
Em 2021, durante o governo anterior, o Presidente Jair Bolsonaro sancionou o Projeto de Lei 2.510/2019, que virou a Lei 14.285/2021 [9]. Esta legislação eliminou as restrições federais (enumeradas na Lei 12.651/2012) que estavam em vigor para proteger do desenvolvimento faixas de terreno com 30 a 500 m de largura ao longo de cursos de água em áreas urbanas [10]. Antes das mudanças, por exemplo, era protegida uma faixa de 30m de cada lado de um riacho com menos de 10m de largura [10].
As novas diretrizes permitem que os governos locais aprovem a construção de casas ou outras infra-estruturas em áreas próximas de cursos de água [9]. Como resultado, muitos municípios já declararam que os edifícios podem ser construídos mais perto das margens dos rios e córregos; alguns estabeleceram distâncias tão pequenas quanto 5 m [11]. As margens dos rios são as áreas mais vulneráveis a eventos climáticos extremos (por exemplo, [4]). Muitas casas e outras estruturas existentes já estão muito próximas de cursos de água, representando riscos para as pessoas em caso de cheias.
Em vez de aumentar os riscos causados por eventos extremos, o Brasil deveria trabalhar para aumentar a resiliência do país às inundações. A vegetação ripária – que também será extirpada com aplicação da nova lei – protege os cursos de água [12], regula a vazão e ajuda a limitar os danos causados por fenômenos climáticos extremos. Além de aprovar uma nova lei para revogar a Lei 14.285/2021 [13], o Brasil precisa urgentemente de políticas para restaurar áreas ocupadas ou pavimentadas ao longo de córregos e rios [13]. As leis e políticas públicas no Brasil devem fortalecer a proteção ambiental e reafirmar os compromissos do país com os tratados ambientais internacionais.
[1] Azevedo-Santos, V.M., V.S. Daga, L.H. Tonella, R. Ruaro, M.S. Arcifa, P.M. Fearnside & T. Giarrizzo. 2023. Brazil undermines flood resilience. Science 382: 384.
[2] Correio Braziliense. 2023. Chuvas no RS: corpo é encontrado na orla de rio de Porto Alegre, Correio Braziliense, 27 de setembro de 2023.
[3] Chatterjee P. 2023. São Paulo: Dozens killed as deadly storms hit Brazilian coast. BBC News, 21 February 2023.
[4] G1. 2023. Rio Paraíba do Sul transborda e alaga ruas de Paraíba do Sul. G1, 23 de fevereiro de 2023.
[5] Jackson, P. 2022. Rain storm claims 100 lives in north-east Brazil. BBC News, 31 de maio de 2022.
[6] Alecrim, G. & D. Portoda. 2022. Chuvas deixam mais de 113 mil pessoas fora de casa em oito estados. CNN, 11 de janeiro de 2022.
[7] Debortoli, N.S., P.I.M. Camarinha, J.A. Marengo & R.R. Rodrigues. 2017. An index of Brazil’s vulnerability to expected increases in natural flash flooding and landslide disasters in the context of climate change. Natural Hazards 86(2): 557–582.
[8] Zachariah, M., V. Kotroni, L. Kostas, C. Barnes, J. Kimutai, S. Kew, I. Pinto, W. Yang, M. Vahlberg, R. Singh, L. Thalheimer, C.M. Pereira & F. Otto. 2023. Interplay of climate change-exacerbated rainfall, exposure and vulnerability led to widespread impacts in the Mediterranean region. Mcusercontent.com, 19 de setembro de 2023.
[9] Presidência da República. 2021. Lei Nº 14.285, de 29 de dezembro de 2021. Diário Oficial da União, 246, Seção 1, p. 5.
[10] Presidência da República. 2012. Lei Nº 12.651,de 25 de Maio de 2012.
[11] Encruzilhada do Sul. 2022. Lei Complementar Nº 18, Encruzilhada do Sul, 15 de dezembro de 2022.
[12] Lowrance, R., R. Todd, J. Fail, Jr., O. Hendrickson, Jr., R. Leonard & L. Asmussen. 1984. Riparian forests as nutrient filters in agricultural watersheds. BioScience 34(6): 374–377.
[13] Azevedo-Santos, V.M., V.S. Daga, L.H. Tonella, R. Ruaro, M.S. Arcifa, P.M. Fearnside & T. Giarrizzo. 2023. Brazil’s urban ecosystems threatened by law. Land Use Policy 131: art. 106721.
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O Brasil enfraquece a resiliência a enchentes - Instituto Humanitas Unisinos - IHU