30 Mai 2025
"Serão suas jogadas o retrato de um homem trémulo que conta quantos rublos e mísseis lhe restam antes de içar a bandeira branca, como alguns vaticinam, ou de um estrategista astuto que ganha tempo para estender os quilômetros de Ucrânia conquistados a alto preço?"
O artigo é de Domenico Quirico, jornalista italiano, publicado por La Stampa, 27-05-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Os tempos são duros e alguns até têm a impressão de que a civilização está morrendo em um tumulto de horrores e tremores. Por isso, com Putin, o último Putin, aquele empenhado no confronto com Trump, que espalha iscas deliciosas, depois as faz desaparecer com os fatos, adere e depois se nega de maneiras tortuosamente indiretas, promete degelos e depois lança mísseis, ganha tempo sem recuar um metro, com este Putin é preciso assumir uma espécie de análise botânica aplicada ao indivíduo. Decifrá-lo é uma arte difícil, especialmente para os incautos "missi dominici" que o histriônico Trump envia em busca de um anzol que lhe dê aquela paz à qual confia os resquícios de sua desbotadíssima imagem. Ele se opõe com aquela indiferença própria dos autocratas endurecidos e acostumados, a impõe com aquela cara: uma máscara imperturbável, sem expressão, sem sorriso, acostumado como está, há um quarto de século, à hipocrisia e à violência, duas coisas igualmente funestas, malsãs em todos os sentidos e que corrompem profundamente. Ele arruma as suas fileiras, exibe aliados, súditos e familiares no desfile, ilude e então dá um passo para trás. Uma coisa lhe parece manifestamente negativa, a trégua, o congelamento dos combates como pré-condição para a negociação. Que é o que seu adversário Zelensky está pedindo, da qual precisa para sobreviver e, dos atrasos e das chuvas de mísseis, tira a confirmação de uma tenaz vontade homicida.
Putin tornou-se agressivo e treinado na inversão do jogo de seu novo e verdadeiro interlocutor, o presidente estadunidense: não Zelensky, não Macron e os autoproclamados disponíveis ou rebeldes europeus. Trump joga a partida com uma teoria diplomática precária que se atola em anúncios milagreiros, vagas ameaças de se retirar, reviravoltas dramáticas, superficialidades e bravatas com as quais está desperdiçando aquela centelha de diálogo com a qual havia rompido o mar turbulento de três anos de guerra, repletos de mortos, ruínas, insultos e falsas vontades de paz. Mas esta, a da Ucrânia, é uma partida de Whist onde se ganha calculando. De forma que seriam necessárias bem outras discrições, paciências e bom senso. Aqueles que se lembram das rodadas diplomáticas da primeira Guerra Fria - aquelas que moviam as peças, e só para citar dois nomes, sujeitos como Gromyko e Zhou En-lai -, encontrariam motivos de esperança. Mas, em vez disso, cometem erros pedantes, melindrosos, precipitados, fanáticos por selfies petulantes, neurastênicos que confiam tudo ao instante, pessoas que ainda acreditam estar na era dos magos, quando se deveria ter a paciência e as dosagens dos boticários.
Em suma, depois de mais de três anos de guerra, ainda estamos procurando um perfil viável: o que Putin, um personagem com triplo e quádruplo fundo, realmente quer? Não se poderia registrar mais evidências contundentes da tenaz incapacidade dos vários líderes ocidentais que tiveram que enfrentar suas manobras e prepotências. A partir daqui, dessa ignorância do adversário, começam as verdadeiras Colunas de Hércules, os leões, as baleias e os mares desérticos do mapa diplomático.
Serão suas jogadas o retrato de um homem trémulo que conta quantos rublos e mísseis lhe restam antes de içar a bandeira branca, como alguns vaticinam, ou de um estrategista astuto que ganha tempo para estender os quilômetros de Ucrânia conquistados a alto preço?
Então, vamos tentar simplificar. Há três anos, o que Putin exige não são quilômetros de estepe, supostas matérias raras das quais dispõe em abundância, e nem mesmo faixas de segurança. Desencadeou uma dessas guerras que servem para criar ou confirmar significados, aquelas com as quais a intenção é se impor até ao destino e geram a infecunda espécie da desordem. Com a qual quer obter um reconhecimento de status que se recapitula e se concentra, segundo a sua cosmogonia imperialista, num encontro a dois, o que outrora se chamava de cúpula. Não apinhadas mesas com Ucrânia, mediadores, figurantes e terceiros incômodos. Ele quer uma cúpula simples, única, definitiva: ele e um presidente estadunidense qualquer apertando as mãos e conversando em algum lugar do mundo. Não é vaidade analfabeta de um arrivista que aspira ao clube dos Grandes, no qual era admitido com a condescendência concedida ao parente pobre. Essa é a fotografia que ele quer colocar no álbum da família nos corredores do Kremlin.
Lembram-se das cúpulas em Genebra, em Helsinque: sorrisos, discussões, acordos, birras verbais, hipocrisias, enganos, pedantismos e devotos triunfos, desarmamentos e Kruschev, Brezhnev, Kennedy, Reagan... Para nós, memórias ultrapassadas e velhos ingredientes de uma História morta, para ele, que ainda vive nas revanches da URSS, é reatar os fios, exemplificar uma nova era, a sua, na qual os EUA discutem novamente os destinos do mundo com a Rússia dos párias, dos vencidos, daqueles com o PIB de Portugal e um arsenal de inúteis bombas. Com tal imagem, Putin pode justificar os mortos da guerra inútil contra os supostos nazistas de Kiev, a repressão implacável do dissenso, a miséria de Terceiro Mundo à qual ele, despreocupadamente, resignou milhões de russos por 25 anos em busca de um poder renovado.
E pensar que Trump intuiu isso quando exclamou, depois que as negociações de Istambul se esgotaram e às quais eras atribuídas toscas expectativas palingenéticas: "Só um encontro entre mim e Putin porá fim a essa guerra". Os entendidos das coisas do mundo pensaram: está feito. Ele confessou: a simpatia do aspirante a autocrata por seu colega bem-sucedido, a fornicação política com o suspeito procurado por crimes de guerra com quem ele quer fazer negócios às custas das vítimas e dos agredidos. E, em vez disso, era a constatação de uma realidade que nem mesmo o subversor de toda boa regra parece conseguir engolir.