De Gaza ao México, malabarismos geopolíticos esmagam e aniquilam os povos

Raúl Zibechi, jornalista uruguaio, é o palestrante da videoconferência “Do extrativismo à transição ecológica. Territorialidades e resistências latino-americanas”, promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU nesta quinta-feira 15-05-2025

Foto: Антон Дмитриев | Unsplash

Por: Patricia Fachin | 14 Mai 2025

Não é de hoje que a complexidade do real tem sido substituída por leituras binárias. Até as boas intenções, que visam dar visibilidade para os oprimidos e denunciar os opressores, resvalam em categorias conceituais que pouco ajudam a compreensão da diversidade. Um caso desse tipo é o esforço de entender e explicar o mundo com as categorias de Norte Global e Sul Global, adverte o jornalista uruguaio Raúl Zibechi. “A verdade é que a geopolítica esmaga os povos e os movimentos, condenando-os a uma prisão conceitual e política. Como a lógica dos blocos está se impondo (Norte Global e Sul Global, por exemplo), aqueles que não se somam a um dos lados desaparecem dos grandes meios de comunicação”, observa. A realidade dos povos, anônima para a maioria da população, confirma a posição do jornalista. Na América Latina, de onde procede Zibechi, “os grandes ausentes”, afirma, “são os povos organizados, os movimentos e organizações de baixo. Todo o cenário é ocupado por estados e governos, os de cima, fazendo malabarismos geopolíticos para colocar os seus interesses a salvo das potências adversárias que lutam pela hegemonia”.

O deslocamento e o extermínio de diferentes povos no interior dos países, considerados obstáculos para o enriquecimento e desenvolvimento das nações, suscita uma questão sobre o papel desempenhado pela política. “Que papel estados e os governos que os administram estão exercendo, que não conseguem e nem querem acabar com a violência contra os povos e as pessoas?”, questiona Zibechi. Para ele, a violência contra os povos em todo o mundo “não tem outro objetivo a não ser a acumulação acelerada de capital. Para isso, deslocam e exterminam aqueles setores que são um obstáculo ao enriquecimento do 1%”.

As violações dos direitos humanos noticiadas diariamente na imprensa nacional e internacional, sublinha, não são fatos isolados ou erros, mas “um plano que vem sendo aperfeiçoado nas últimas décadas e que, mais recentemente, vimos ser implementado em toda a sua magnitude, na vasta extensão que vai de Gaza ao México, como demonstram os bombardeios indiscriminados contra escolas e hospitais, como demonstram os fornos crematórios de Teuchitlán (México)”. O mesmo modelo de aniquilamento dos povos, acrescenta, é observado, “com algumas variações, em outras partes do Oriente Médio, e de modo particular nos territórios dos povos indígenas e negros, de Wall Mapu a Chiapas”. 

Particularmente na América Latina, exemplifica, “no sul da Argentina, os grandes empresários queimam florestas enquanto o Estado não age, criminaliza o povo mapuche e desloca comunidades para lucrar com suas terras. A aliança entre estado, empresariado e suas milícias, os grandes meios de comunicação e a justiça, é azeitada com a presença de soldados israelenses nesses territórios. A população em torno da mina de Chicomuselo, em Chiapas, é testemunha da aliança entre estado, empresa, paramilitares e crime organizado, com o único objetivo de deslocar e controlar a população que estorva a expansão do negócio de destruir a Mãe Terra para transformar os bens comuns em mercadorias”.

Zibechi tem noticiado a situação dos povos latino-americanos e é um conhecedor das lutas sociais na região. Mais recentemente, o jornalista tem questionado a transição ecológica que, para ser efetivada, avança sobre os territórios dos povos, contribuindo para o extermínio de diversas culturas em várias regiões do globo onde os recursos minerais são abundantes e úteis para o desenvolvimento de tecnologias mais sustentáveis ambientalmente. “Cabe questionar por que tanto alvoroço em torno da transição energética e do uso de energias renováveis. Hoje, boa parte do poderio do sistema está em potencializar um ambientalismo que não questione o capitalismo, com os mais diversos nomes (incluindo a mineração “verde” ou sustentável), para convencer os ambientalistas de que necessitam acreditar em políticas progressistas”.

Raúl Zibechi é o próximo conferencista do Ciclo de Estudos Futuro Comum. Ideias para adiar o fim do mundo, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Nesta quinta-feira, 15-05-2025, o jornalista ministrará a videoconferência “Do extrativismo à transição ecológica. Territorialidades e resistências latino-americanas”, às 10h. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no canal do YouTube. 

Vínculo coletivo e bem comum 

No atual contexto de mudanças climáticas, em que diversos povos já foram atingidos por diferentes eventos climáticos extremos, aumentando o percentual de refugiados climáticos no mundo, o que se desintegra, adverte o jornalista, não são apenas governos e comunidades, mas o sistema-mundo. “Os poderosos estão destruindo tudo para preservar seu poder e suas riquezas, abrindo caminho para um sistema que pode ser diferente do capitalismo, mas certamente mais hierárquico e despótico, onde os povos serão escravizados pelos poderosos. Este futuro em desenvolvimento é muito mais do que a guerra comercial ou material entre os EUA e a China; é outra coisa que às vezes temos dificuldade de entender, porque estamos no fim de um longo período da história em que havia um certo equilíbrio entre os seres humanos e a natureza, certos direitos que o Estado-nação respeitava, mesmo que apenas para domesticar as rebeliões”, menciona. 

A resistência à destruição dos povos, sugere, está na salvaguarda do coletivo. “Não podemos perder os seres humanos, as comunidades e os grupos que formamos, o vínculo coletivo, porque as coisas materiais podem ser reparadas ou reconstruídas se continuarmos a viver juntos. Não é a propriedade da terra que a torna comum, mas os trabalhos coletivos (mingas, tequios) realizados por pessoas organizadas em um determinado espaço/território. Acredito que essa seja a chave para o bem comum e que sua essência seja o trabalho comunitário compartilhado, que pode salvar vidas mesmo durante uma tempestade”, enfatiza.

Sobre o autor

Zibechi foi membro da Frente Revolucionária Student (FER), grupo de estudantes ligados ao Movimento de Libertação Nacional (Tupamaros), no Uruguai. Em meados dos anos 1980, começou a publicar artigos em revistas e jornais de esquerda (Página Aberta, Egin, Libertação) e meios de comunicação da América Latina (Pagina|12, Argentina, e Mate Amargo, Uruguai).

Raúl Zibechi (Foto: Reprodução YouTube)

Foi editor do semanário Brecha e ganhou o Prêmio de Jornalismo José Martí por sua análise do movimento social argentino que levou à insurreição de dezembro de 2001. Entre seus livros, destacam-se, Constructing Worlds Otherwise: Societies in Movement and Anticolonial Paths in Latin America (Chico: AK Press, 2024), Movimientos sociales en América Latina. El “mundo outro” en movimiento (México: Bajo tierra A.C, 2017), Latiendo Resistencia: mundos nuevos y guerras de despojo (Oaxaca: El Rebozo, 2015), Descolonizar el pensamiento crítico y las prácticas emancipatorias (Quimantú, 2014 y Desdeabajo, 2015) e Preservar y compartir: bienes comunes y movimientos sociales (Buenos Aires: Mardulce, 2013).

Os artigos de Raúl Zibechi não se restringem a denúncias dos efeitos do capitalismo sobre os povos; antes, reforçam a centralidade do bem comum e convidam à criação de vínculos coletivos que podem ser geradores de mudanças políticas locais e contextuais. Entre os textos do jornalista que podem ser úteis para o debate da conferência desta semana, destacam-se:

A programação completa do Ciclo de Estudos Futuro Comum. Ideias para adiar o fim do mundo está disponível aqui. O evento é aberto ao público. 

Inscreva-se no ciclo de estudos aqui

Leia mais