Raúl Zibechi, jornalista uruguaio, é o palestrante da videoconferência “Do extrativismo à transição ecológica. Territorialidades e resistências latino-americanas”, promovida pelo Instituto Humanitas Unisinos - IHU nesta quinta-feira 15-05-2025
Não é de hoje que a complexidade do real tem sido substituída por leituras binárias. Até as boas intenções, que visam dar visibilidade para os oprimidos e denunciar os opressores, resvalam em categorias conceituais que pouco ajudam a compreensão da diversidade. Um caso desse tipo é o esforço de entender e explicar o mundo com as categorias de Norte Global e Sul Global, adverte o jornalista uruguaio Raúl Zibechi. “A verdade é que a geopolítica esmaga os povos e os movimentos, condenando-os a uma prisão conceitual e política. Como a lógica dos blocos está se impondo (Norte Global e Sul Global, por exemplo), aqueles que não se somam a um dos lados desaparecem dos grandes meios de comunicação”, observa. A realidade dos povos, anônima para a maioria da população, confirma a posição do jornalista. Na América Latina, de onde procede Zibechi, “os grandes ausentes”, afirma, “são os povos organizados, os movimentos e organizações de baixo. Todo o cenário é ocupado por estados e governos, os de cima, fazendo malabarismos geopolíticos para colocar os seus interesses a salvo das potências adversárias que lutam pela hegemonia”.
O deslocamento e o extermínio de diferentes povos no interior dos países, considerados obstáculos para o enriquecimento e desenvolvimento das nações, suscita uma questão sobre o papel desempenhado pela política. “Que papel estados e os governos que os administram estão exercendo, que não conseguem e nem querem acabar com a violência contra os povos e as pessoas?”, questiona Zibechi. Para ele, a violência contra os povos em todo o mundo “não tem outro objetivo a não ser a acumulação acelerada de capital. Para isso, deslocam e exterminam aqueles setores que são um obstáculo ao enriquecimento do 1%”.
As violações dos direitos humanos noticiadas diariamente na imprensa nacional e internacional, sublinha, não são fatos isolados ou erros, mas “um plano que vem sendo aperfeiçoado nas últimas décadas e que, mais recentemente, vimos ser implementado em toda a sua magnitude, na vasta extensão que vai de Gaza ao México, como demonstram os bombardeios indiscriminados contra escolas e hospitais, como demonstram os fornos crematórios de Teuchitlán (México)”. O mesmo modelo de aniquilamento dos povos, acrescenta, é observado, “com algumas variações, em outras partes do Oriente Médio, e de modo particular nos territórios dos povos indígenas e negros, de Wall Mapu a Chiapas”.
Particularmente na América Latina, exemplifica, “no sul da Argentina, os grandes empresários queimam florestas enquanto o Estado não age, criminaliza o povo mapuche e desloca comunidades para lucrar com suas terras. A aliança entre estado, empresariado e suas milícias, os grandes meios de comunicação e a justiça, é azeitada com a presença de soldados israelenses nesses territórios. A população em torno da mina de Chicomuselo, em Chiapas, é testemunha da aliança entre estado, empresa, paramilitares e crime organizado, com o único objetivo de deslocar e controlar a população que estorva a expansão do negócio de destruir a Mãe Terra para transformar os bens comuns em mercadorias”.
Zibechi tem noticiado a situação dos povos latino-americanos e é um conhecedor das lutas sociais na região. Mais recentemente, o jornalista tem questionado a transição ecológica que, para ser efetivada, avança sobre os territórios dos povos, contribuindo para o extermínio de diversas culturas em várias regiões do globo onde os recursos minerais são abundantes e úteis para o desenvolvimento de tecnologias mais sustentáveis ambientalmente. “Cabe questionar por que tanto alvoroço em torno da transição energética e do uso de energias renováveis. Hoje, boa parte do poderio do sistema está em potencializar um ambientalismo que não questione o capitalismo, com os mais diversos nomes (incluindo a mineração “verde” ou sustentável), para convencer os ambientalistas de que necessitam acreditar em políticas progressistas”.
Raúl Zibechi é o próximo conferencista do Ciclo de Estudos Futuro Comum. Ideias para adiar o fim do mundo, promovido pelo Instituto Humanitas Unisinos – IHU. Nesta quinta-feira, 15-05-2025, o jornalista ministrará a videoconferência “Do extrativismo à transição ecológica. Territorialidades e resistências latino-americanas”, às 10h. O evento será transmitido na página eletrônica do IHU, nas redes sociais e no canal do YouTube.
No atual contexto de mudanças climáticas, em que diversos povos já foram atingidos por diferentes eventos climáticos extremos, aumentando o percentual de refugiados climáticos no mundo, o que se desintegra, adverte o jornalista, não são apenas governos e comunidades, mas o sistema-mundo. “Os poderosos estão destruindo tudo para preservar seu poder e suas riquezas, abrindo caminho para um sistema que pode ser diferente do capitalismo, mas certamente mais hierárquico e despótico, onde os povos serão escravizados pelos poderosos. Este futuro em desenvolvimento é muito mais do que a guerra comercial ou material entre os EUA e a China; é outra coisa que às vezes temos dificuldade de entender, porque estamos no fim de um longo período da história em que havia um certo equilíbrio entre os seres humanos e a natureza, certos direitos que o Estado-nação respeitava, mesmo que apenas para domesticar as rebeliões”, menciona.
A resistência à destruição dos povos, sugere, está na salvaguarda do coletivo. “Não podemos perder os seres humanos, as comunidades e os grupos que formamos, o vínculo coletivo, porque as coisas materiais podem ser reparadas ou reconstruídas se continuarmos a viver juntos. Não é a propriedade da terra que a torna comum, mas os trabalhos coletivos (mingas, tequios) realizados por pessoas organizadas em um determinado espaço/território. Acredito que essa seja a chave para o bem comum e que sua essência seja o trabalho comunitário compartilhado, que pode salvar vidas mesmo durante uma tempestade”, enfatiza.
Zibechi foi membro da Frente Revolucionária Student (FER), grupo de estudantes ligados ao Movimento de Libertação Nacional (Tupamaros), no Uruguai. Em meados dos anos 1980, começou a publicar artigos em revistas e jornais de esquerda (Página Aberta, Egin, Libertação) e meios de comunicação da América Latina (Pagina|12, Argentina, e Mate Amargo, Uruguai).
Raúl Zibechi (Foto: Reprodução YouTube)
Foi editor do semanário Brecha e ganhou o Prêmio de Jornalismo José Martí por sua análise do movimento social argentino que levou à insurreição de dezembro de 2001. Entre seus livros, destacam-se, Constructing Worlds Otherwise: Societies in Movement and Anticolonial Paths in Latin America (Chico: AK Press, 2024), Movimientos sociales en América Latina. El “mundo outro” en movimiento (México: Bajo tierra A.C, 2017), Latiendo Resistencia: mundos nuevos y guerras de despojo (Oaxaca: El Rebozo, 2015), Descolonizar el pensamiento crítico y las prácticas emancipatorias (Quimantú, 2014 y Desdeabajo, 2015) e Preservar y compartir: bienes comunes y movimientos sociales (Buenos Aires: Mardulce, 2013).
Os artigos de Raúl Zibechi não se restringem a denúncias dos efeitos do capitalismo sobre os povos; antes, reforçam a centralidade do bem comum e convidam à criação de vínculos coletivos que podem ser geradores de mudanças políticas locais e contextuais. Entre os textos do jornalista que podem ser úteis para o debate da conferência desta semana, destacam-se:
A programação completa do Ciclo de Estudos Futuro Comum. Ideias para adiar o fim do mundo está disponível aqui. O evento é aberto ao público.
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