03 Mai 2025
"Luta pelo poder no Vaticano", declara o jornal The Guardian. "Guerra civil", afirma o canal de notícias internacional France 24. Diversos comentaristas argumentaram que o papado de Francisco desencadeou uma batalha interna dentro da Igreja Católica.
A reportagem é de Christopher White, publicada por National Catholic Reporter, 01-05-2025.
É uma avaliação exagerada pela maioria dos relatos justos, mas que ainda faz alusão à dinâmica de uma igreja em uma encruzilhada com a morte do Papa Francisco.
Se os cardeais buscam alguém para acalmar as águas turbulentas, um prelado se destaca. O Cardeal Gérald Lacroix vem de um dos países autoproclamados mais pacíficos do planeta e, ainda assim, serviu por quase uma década em uma zona de guerra.
Lacroix, arcebispo da Cidade de Quebec e primaz do Canadá, emergiu como um grande mediador de poder durante a era Francisco. Lacroix, de 67 anos, compreende a Igreja latino-americana desde sua década como missionário na Colômbia devastada pela guerra e conseguiu traduzir essa experiência e suas lições para um público norte-americano e europeu.
O mais velho de nove irmãos em uma família da classe trabalhadora de Saint-Hilaire-de-Dorset, Quebec, Lacroix se mudou com a família do Canadá para os Estados Unidos aos 8 anos, em decorrência do trabalho do pai como lenhador. Lacroix passou o ensino fundamental e médio em Manchester, New Hampshire, e depois frequentou o Colégio Santo Anselmo, administrado por beneditinos, nas proximidades. Mais tarde, retornou a Quebec para estudar teologia.
Em 1975, ingressou no Instituto Secular Pio X — uma organização de homens e mulheres que fazem votos de pobreza, castidade e obediência, mas vivem no mundo, e não em comunidade. No Instituto Pio X, Lacroix viria a servir como secretário-geral do instituto e, posteriormente, como seu diretor.
Depois de ser ordenado sacerdote em 1988, ele foi logo enviado para a Colômbia, onde, de 1990 a 2000, ajudou a abrir novos centros para o instituto.
Em uma entrevista de 2017 à revista America, refletindo sobre seu serviço missionário na América Latina, ele relembrou seu primeiro encontro com o bispo local da Diocese de Popayán, 560 quilômetros a sudoeste da capital, Bogotá. Juntos, eles analisaram um grande mapa com todas as paróquias sem padre, incluindo uma "paróquia muito, muito pobre em uma zona de guerra, onde havia muitos guerrilheiros, que não tinha um padre há cinco anos".
Os missionários disseram que iriam aonde fossem necessários e o bispo enviou o jovem padre Lacroix e sua equipe para a zona de guerra.
Lacroix celebrava a missa noturna pela paróquia, que tinha menos de 5 dólares em economias e estava devastada pela violência do tráfico local de drogas. Ao longo de sua década de serviço, a comunidade floresceu e Lacroix passou a ser visto como um negociador capaz e confiável entre os moradores locais e os guerrilheiros.
Em 2000, ele retornou ao Canadá, onde foi eleito por dois mandatos como diretor do Instituto Secular Pio X, até que o Papa Bento XVI o nomeou bispo auxiliar de Quebec em 2009.
Um ano depois, o poderoso cardeal de Quebec, Marc Ouellet, foi levado a Roma para servir como chefe da Congregação para os Bispos do Vaticano — o escritório altamente influente encarregado de aconselhar o papa sobre nomeações de bispos ao redor do mundo — e, em 2011, Lacroix foi nomeado seu sucessor em Quebec.
Embora tenha sido elevado a primaz do Canadá por Bento XVI, o currículo de Lacroix se assemelha ao perfil de um bispo ao estilo de Francisco: serviço missionário que priorizava os pobres e um comprometimento com o alcance pastoral em detrimento do envolvimento político.
"Ele é uma pessoa genuína que não provoca reações impulsivas em ninguém", disse um influente católico de Quebec ao National Catholic Reporter. O católico de Quebec lembrou que Lacroix oferecia um forte contraste com Ouellet, que sempre parecia estar em conflito com o Quebec secular, especialmente quando se tratava de legislação sobre aborto e direitos gays.
Em 2013, quando o recém-eleito Francisco apareceu na sacada da Praça São Pedro após sua eleição vestindo uma batina branca simples e pedindo às pessoas que orassem por ele, Lacroix pensou: "Este é o meu homem", lembrou ele na entrevista à America.
"Fiquei profundamente tocado por sua simplicidade", acrescentou Lacroix.
Poucos meses depois, Lacroix estava em Roma para reuniões no Vaticano e hospedado na Casa Santa Marta, onde Francisco residia. O papa foi até ele e perguntou se teria tempo para vê-lo enquanto estivesse na cidade. No dia seguinte, conversaram e começaram a se conhecer.
Um mês depois, em janeiro de 2014, o papa anunciou que faria Lacroix cardeal no primeiro consistório de seu jovem papado. Ao longo da última década, Lacroix tem sido uma presença regular no cenário romano como membro do Conselho Ordinário do Sínodo e do Dicastério para o Culto Divino e a Disciplina dos Sacramentos do Vaticano.
Ele também recebeu Francisco durante a histórica visita do papa ao Canadá em 2022 para se desculpar pelo envolvimento da Igreja nas escolas residenciais do país, responsáveis pelo abuso de milhares de crianças canadenses. Em 2023, Lacroix foi nomeado membro do "C9" de Francisco, um conselho de nove cardeais de todo o mundo que se reunia trimestralmente em Roma para aconselhar o papa sobre a governança da Igreja.
Durante esse período, Lacroix se esforçou para aprimorar seu italiano (além de seu francês e inglês nativos, além do espanhol) para melhor transitar pela Cúria Romana. A publicação francesa La Croix International relatou que, nos primeiros dias da pandemia de COVID-19, o cardeal passou por uma cirurgia bariátrica para perda de peso e começou a se exercitar com mais regularidade.
No Colégio Cardinalício, o nome de Lacroix tem sido frequentemente repetido como um outsider no estilo de Francisco, que pode entender como o interior da Igreja funciona (e não entende). Ele também é visto como alguém que pode continuar no mesmo estilo de Francisco no que diz respeito ao alcance pastoral da Igreja, mas que pode ser mais previsível em seu estilo de governança.
Sua origem norte-americana provavelmente será vista com suspeita por alguns na igreja que acreditam que um canadense que também possui um passaporte americano não tem condições de estar perto da Sé de Pedro, mas o fato de ele também ser bem conhecido não apenas em Roma e na Europa, mas também na América Latina, pode levar a um bloco eleitoral considerável a seu favor.
No entanto, apesar de todos esses fatores positivos, sua candidatura será ofuscada por alegações de má conduta sexual.
No início de 2024, surgiram relatos de alegações contra Lacroix, datadas de 1987 e 1988, por uma mulher de 17 anos na época, como parte de uma ação coletiva contra a Arquidiocese de Quebec. Lacroix negou veementemente as alegações, mas se afastou da governança cotidiana da arquidiocese enquanto as alegações eram investigadas.
Em maio de 2024, um juiz aposentado do Tribunal Superior de Quebec afirmou não ter encontrado nenhuma evidência confiável de má conduta por parte de Lacroix, embora tenha observado que o caso foi prejudicado pelo fato de a suposta vítima se recusar a participar do processo. Em julho de 2024, o cardeal retornou ao seu cargo.
Dentro do Vaticano, o pensamento é misto: há quem acredite que a investigação e a exoneração efetiva apenas fortalecem seu perfil, já que seus pares podem considerá-lo já investigado. Outros acreditam que, como o acusador não participou da investigação, ele não recebeu plena autorização jurídica.
O certo é que qualquer possível papa terá seu histórico de abusos contra o clero rigorosamente examinado. Dada a natureza profundamente enraizada do problema, as dúvidas persistirão sobre quase qualquer possível candidato — como aconteceu com os últimos três papas.