29 Abril 2025
"A 'ortodoxia' que Müller propõe é, na realidade, uma 'ortopraxia da exclusão': uma forma de verdade que não se encarna no amor ao próximo, mas na defesa intransigente dos limites que Jesus nunca estabeleceu. Não para abençoar aqueles que se amam? Não para dialogar com os muçulmanos? Para não correr riscos pela paz no meio de sistemas totalitários?", escreve José Carlos Enríquez Díaz, em artigo publicado por Ataque al Poder, 24-04-2025.
Nos últimos dias, o Gerhard Müller, ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, emitiu uma advertência que ressoa como um trovão nos cofres do Vaticano: um novo papa não ortodoxo – isto é, um que não esteja em sintonia com seus critérios doutrinários – poderia levar a Igreja à beira do cisma. Ele condenou sem nuances a bênção dos casais homossexuais, o diálogo com o Islã e os acordos diplomáticos com a China, reduzindo o discernimento pastoral e político a uma espécie de cumplicidade com o diabo. É hora de responder, não a partir do combate ideológico, mas do Evangelho.
Müller proclama que a Igreja deve aderir à "verdade revelada", como se a Palavra de Deus tivesse sido petrificada nas formulações doutrinárias do passado. Mas a revelação não é um fóssil sagrado: é uma torrente que continua fluindo. "O Espírito sopra onde quer" (Jo 3, 8), e não onde os guardiões do dogma lhe pedem que sopre.
A "ortodoxia" que Müller propõe é, na realidade, uma "ortopraxia da exclusão": uma forma de verdade que não se encarna no amor ao próximo, mas na defesa intransigente dos limites que Jesus nunca estabeleceu. Não para abençoar aqueles que se amam? Não para dialogar com os muçulmanos? Para não correr riscos pela paz no meio de sistemas totalitários? Cristo não se escondeu na sacristia, nem exigiu certificados de pureza doutrinária daqueles que se aproximaram d'Ele. Ele se deixou tocar por mulheres impuras, comeu com pecadores e morreu entre ladrões. Essa é a ortodoxia do Reino.
Müller diz que reza para que eles não elejam um papa "herético". Mas não poderia ser que ele teme, mais do que uma heresia, a conversão do coração da Igreja? Na realidade, não há cisma mais profundo do que o de uma Igreja que deixa de ouvir os gritos da humanidade ferida para preservar o eco de suas próprias certezas.
O medo do secular, do humano, do diverso, é o verdadeiro inimigo da fé. Não precisamos de um papa que fale ao mundo de uma torre de marfim, mas de um que desça à lama com os pobres, como Francisco fez. Aquele que ouve, que aprende, que se deixa corrigir pelos pequeninos e pelos últimos. Pois a verdade revelada não se encontra apenas nos livros sagrados, mas também na carne sofredora da história.
Müller afirma que o próximo papa deve "unificar a Igreja na verdade revelada". Mas a unidade não é imposta por decretos ou defendida por ameaças de cisma. A unidade é um fruto do Espírito, não um slogan partidário. O verdadeiro cisma não é aquele que nasce da abertura pastoral, mas aquele que nasce da recusa de caminhar com o outro, de aceitar que a fé vive em culturas diferentes, em situações novas, em questões incômodas.
Quem reduz a catolicidade a uma doutrina inflexível está amputando o corpo de Cristo. Não é a "heresia" de abençoar os entes queridos que nos divide, mas a rigidez que transforma o Evangelho em um código penal. Não é o diálogo com outras religiões que enfraquece nossa fé, mas o dogmatismo que marginaliza toda dissidência.
O mundo não espera da Igreja um muro de ortodoxia, mas uma mesa comum. A imagem que Müller apresenta – de um papa que "busca o aplauso do mundo" – é uma caricatura injusta. O que nos é pedido hoje não é agradar ao mundo, mas encarnar o Evangelho em um mundo sangrento. O cristianismo não é validado por ser impopular, nem se torna santo porque é uma minoria. O critério não é a fidelidade a uma estrutura, mas a fidelidade ao Deus de Jesus, que se deixou quebrar para nos dar a vida.
Os cardeais que participam do próximo conclave não são chamados a eleger um guardião das fronteiras, mas uma testemunha do Reino. Eles não precisam proteger a Igreja do mundo, mas abrir a Igreja ao sopro do Espírito. Como diz o Apocalipse: "Eis que estou à porta e bato" (Ap 3, 20). O Espírito não chama apenas de dentro. Ele também chama das margens, das periferias, dos "outros" a quem alguns negam o direito de abençoar ou abraçar.
Sim, é hora de uma Igreja sem medo. Uma Igreja que não confunde fidelidade com fechamento, nem verdade com poder. Que ela não tem medo de ser corrigida, ou andar com aqueles que pensam diferente. Porque o Evangelho é sempre maior do que as nossas fórmulas.