25 Abril 2025
O prelado e secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé, a mais alta autoridade em perseguição de pedófilos na Igreja, acredita que o próximo pontífice não poderá mais ignorar o clamor das vítimas por justiça.
A entrevista é de Daniel Verdú, publicada por El País, 25-04-2025.
Charles Scicluna (Toronto, 65), Arcebispo de Malta, é provavelmente a figura mais prestigiosa do Vaticano na luta contra o abuso infantil. Autor da histórica investigação contra o fundador dos Legionários de Cristo, Padre Marcial Maciel, assim como da dos bispos do Chile e da recente investigação sobre o Sodalício Peruano, ele retornou ao organograma do Vaticano em 2019 para tentar estancar a hemorragia que está sangrando a Igreja Católica: a pedofilia entre o clero. O Papa lhe confiou um papel fundamental como secretário adjunto da Congregação para a Doutrina da Fé e como membro do comitê organizador do sínodo realizado em Roma com todos os presidentes das conferências episcopais do mundo. Scicluna é considerado a bête noire dos padres abusadores, um verdadeiro caçador de pedófilos e acobertadores no clero. Prudente e discreto, ele confessa que viveu a morte de Francisco como "um grande choque". Ele não quer se envolver na necessidade de o próximo pontífice ser implacável nessa luta. Mas ele alerta que não pode ignorar os gritos das vítimas.
Qual será o legado de Francisco? Ele fez reformas enormes e dependerá de quem o suceder se elas serão reversíveis ou não.
Obviamente, o novo papa terá que ser honesto consigo mesmo e revelar sua maneira de ver a Igreja. Não pode ser uma fotocópia da anterior. Teremos que dar a ele a liberdade de tomar suas próprias decisões. E esperamos que sejam feitas em sintonia com as exigências destes tempos. Nós o seguiremos.
Este Papa polarizou muito a Igreja. Houve muitas tensões. O novo terá que curar essas fraturas?
Um profeta fiel ao evangelho sempre será sinal de contradições. Sempre haverá tensões, cada papa foi um símbolo desses contrastes.
Um dos pilares do pontificado tem sido a luta contra os abusos. Onde você está?
A lista de reformas, leis e documentos é impressionante. Em 2014, ele criou a Pontifícia Comissão para a Proteção de Menores, mais tarde um colégio especial dentro da Congregação para a Doutrina da Fé (CDF) para estudar casos de abuso infantil; em 2016, ele emitiu um motu proprio sobre a responsabilidade da Igreja nesses casos… Há uma nova teologia da resposta da Igreja a esse assunto. Quando um dos nossos é ferido, todos nós somos feridos. E isso nos torna responsáveis por responder à praga do abuso.
Além de leis e regulamentos, existe uma cultura de ocultação que é mais difícil de combater. Alguma coisa mudou?
Ainda há muito a fazer. As culturas precisam de conversão e convergência para promover a denúncia. Porque outro problema é que muitas vítimas se protegem através da vergonha e do silêncio. E essa é uma cultura tão arraigada que dificulta a cultura da denúncia. Não se pode dizer que tudo está resolvido; ainda há muito trabalho a ser feito e há bases sólidas, mas a transformação cultural leva muito tempo.
Parece que os automatismos não funcionam e que os casos que foram resolvidos foram devido ao compromisso pessoal do Papa: Chile, Sodalício, Legionários...
A justiça não é feita automaticamente; requer discernimento, respeito pelas pessoas e pela verdade. Essas são estruturas que precisam funcionar, e ainda há trabalho a ser feito nisso. Espero que esse trabalho continue.
Você acha que a morte de Francisco poderia facilitar essa luta ou dar menos ferramentas à Igreja?
Os instrumentos estão lá e temos que agradecer ao Francisco por isso. Agora temos que usá-los. Mas não devemos ter medo da negligência nesta questão: é o povo de Deus que exige justiça. Esse desejo não morrerá. É algo que deveria estar acima de qualquer papa. Não se trata do seu brasão pontifício, mas sim da segurança das crianças e dos filhos. Ninguém pode ignorar o clamor do povo de Deus e das vítimas.
Você é secretário adjunto do CDF e chefe do departamento dedicado ao abuso. Quantas pessoas trabalham lá? Escassez pessoal?
Veja, eu também sou bispo de uma grande diocese. E a luta contra o abuso infantil não é realizada na CDF, mas nas paróquias, escolas e dioceses. O Papa insistiu que cada diocese tenha ferramentas para ouvir e promover a proteção de menores. A CDF é importante porque esses crimes encontram ali uma resposta. Mas a batalha é perdida e vencida na paróquia, nos seminários onde os futuros padres são formados. É aí que a guerra deve ser travada.
Mas muitos na CDF reclamam da falta de recursos para o número de casos que chegam.
Podemos tentar garantir que o dicastério continue a ter mais funcionários. Agora há cerca de 40 pessoas fazendo isso. Mas isso é apenas parte da resposta da Igreja. A proteção à criança não é garantida ali, mas sim promovida nas paróquias, onde as pessoas estão.
O quadro jurídico é suficiente?
A lei deve se adaptar continuamente à realidade. E nos últimos 25 anos mudou porque a realidade mudou. Há 25 anos, o conceito de pornografia infantil na Internet não existia, por exemplo. Não vamos trancar nenhuma legislação nas urnas.