25 Abril 2025
Sou um cidadão europeu, mas também um cristão, e leio o Apocalipse, que me adverte e me convida a discernir a presença da guerra como um ídolo que seduz no horizonte da história.
O artigo é de Enzo Bianchi, prior e fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por Il Fatto Quotidiano, 23-04-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Nestes dias, ouço muitos dizerem com tristeza: “Justamente nesta hora sombria para o mundo, ele não deveria ter partido, porque era um homem de paz, uma autoridade que desfrutava certo respeito e a escuta de muitos”. Em vez disso, ele também, esse carvalho de esperança, como todos os outros, encontrou sua morte após uma doença e uma velhice desgastante. Francisco, um papa que queria ser um irmão como nós, sem nenhuma superioridade. É por isso que, no início de seu pontificado, quando se apresentou pela primeira vez diante dos fiéis reunidos na Praça de São Pedro, ele não se apresentou de forma hierática, abençoadora, como o sátrapa de um baixo-relevo assírio, mas se curvou e humildemente pediu ao povo que primeiro invocasse uma bênção sobre ele. É por isso que, em seus últimos dias, ele apareceu em São Pedro como um idoso saído de uma casa de repouso, com um cobertor, calças pretas, camiseta branca, sem a cruz peitoral e as vestes papais, quase como se dissesse: “Estou com vocês, irmãos e irmãs, solidário na condição humana até o ponto da fraqueza e da enfermidade...”.
Francisco será lembrado como o papa humano, não apenas pelo modo como professou a fé em Jesus como um homem, realmente um homem e, portanto, o revelador de Deus, seu Pai, mas também porque ele mesmo narrava e testemunhava Deus.
Ele viveu um pontificado difícil, embora suas forças e esperanças nunca tenham diminuído, porque era um homem de oração. Eu o conheci bem e ele falava da oração como alguém que a vivia constantemente, como alguém que fez da oração o seu alento. Mas se essa é sua postura como crente cristão, o que resplandecia nele como magistério que emanava com autoridade, ousaria dizer obsessivo, era a mensagem do Evangelho da paz. Francisco percebia que a sedução da guerra estava se espalhando em muitas partes do mundo, especialmente entre as grandes potências. Uma terrível corrida armamentista estava voltando, motivada não tanto por um medo real do outro, de um inimigo, mas pela necessidade do capitalismo de produzir armas e vendê-las, especialmente para os países mais pobres. Esse rearmamento, que muitos gostariam de justificar com razões de defesa, responde a uma inconfessável sede de poder que não pode não ser uma sede de sangue. O que está acontecendo em Gaza não é apenas a vergonha de Israel, mas daqueles que, no Ocidente, fornecem as armas e apoiam a guerra de Israel contra aquele povo de palestinos, reduzido a trapos, sem mais pátria, sem mais comida, sem mais direitos reconhecidos. Somente Francisco, ao custo de ser acusado pelo governo de Israel de antissemitismo, gritou e berrou em defesa daqueles que não têm mais lágrimas para chorar. Quem agora levantará sua voz, será a voz de todos aqueles gemidos e aqueles choros de vítimas inocentes? Não me parece que mesmo na Igreja Católica existem outras vozes, igualmente límpidas, não ambíguas e fortes!
Pois no Papa Francisco havia a profecia que nunca habita a burocracia.
“Não ao rearmamento!” é o grito de poucos, agora abafado pelo clamor daqueles que pedem se armar para a defesa. E confesso minha tristeza pelo fato de que até mesmo vozes de amigos, que até ontem eram solidárias nas batalhas pela liberdade, justiça e paz, hoje falem outra língua: não os reconheço mais.
Sou um cidadão europeu, mas também um cristão, e leio o Apocalipse, que me adverte e me convida a discernir a presença da guerra como um ídolo que seduz no horizonte da história. E se a sedução ocorrer, desencadeará a devastação, a ‘descriação’ do mundo, e ressurgirão o ódio, a violência e a morte. Na realidade, os seres humanos não querem isso, mas podem mais uma vez ser enganados pelo ídolo do rearmamento como defesa e possibilidade de paz. Mas isso é uma falsidade.
As últimas palavras proferidas em público pelo Papa Francisco chorando: “Quanta vontade de morrer vemos todos os dias! Nós... que somos chamados à vida”.