23 Abril 2025
O artigo é de Andrés Torres Queiruga, teólogo espanhol, em artigo publicado por Religión Digital, 22-04-2025.
Ver o Papa Francisco em suas últimas aparições públicas foi uma experiência dolorosa: o Papa está nos deixando, ele está acabado, foi a impressão irreprimível. Mas também, a lição contínua e culminante. Morreu como devia morrer: entre os seus fiéis, diante de todos os povos do mundo.
Pessoalmente, vendo o que os médicos o aconselharam, eu não excluiria que lá no fundo de sua consciência, Francisco sabia que estava arriscando sua vida. Mas não podia partir sem se despedir: queria morrer aberto ao mundo, sem esconder a sua fraqueza. Foi o testemunho vivo de seu compromisso com a comunidade universal, com a fraternidade sem fronteiras e sem exclusões.
Gostaria de ter razão se penso que naquela última visita o católico Vance soube ler a mensagem, talvez a súplica, que o papa lhe expressou em sua impotência física. Ali tinha diante de si a lição de uma vida passada na defesa dos humildes, dos migrantes, daqueles que morrem na África sem comida nem remédios, daqueles que agonizam em Gaza sob a destruição de bombas, talvez blasfemamente justificadas com a Bíblia.
Naquela cena familiar, refletiu-se a mais pura consciência ética do mundo, como um apelo radicalmente evangélico e universalmente humano contra a incompreensível indiferença diante dos horrores que estão envenenando a alma da humanidade.
Um papa morreu com velhos sapatos ortopédicos, que não eram adequados para passear pelos palácios, mas permitiam que ele atendesse imediatamente ao chamado dos resgatados do naufrágio em Lampedusa ou visitasse, já muito ferida, a Mongólia naquela viagem que Javier Cercas narrou tão bem, retratando sua humanidade autêntica e comunitária. A de um Papa santo e pecador, de um pastor preocupado em animar uma Igreja em saída, um hospital para as necessidades do mundo e proclamar um Deus de compaixão incondicional, que assegura a esperança definitiva para todos, mesmo em primeiro lugar para as vítimas historicamente irreparáveis.
Uma preocupação que Francisco "priorizou" até mesmo sobre qualquer tentação de liderar o diálogo com as outras confissões cristãs e com o Islã. Gestos que, neste último caso, podem ter parecido exagerados, nasceram da autenticidade mais corajosa e radical.
Francisco, como papa, soube ler seu papel histórico no momento eclesial. Voltando mais uma vez à explosão evangélica ocorrida no Vaticano II, ele está incluído por direito próprio na lista dos grandes pontífices que implementaram o progresso da Igreja. Pastor sem pretensões de ser teólogo, mas protegendo os teólogos e seu trabalho, concentrou-se no cultivo da esperança radical, sem limitações partidárias, colocando o centro em Jesus e consciente de que o caminho a seguir está apenas começando.
Como o nazareno, ele teve dura oposição e acusações que eram tão injustas quanto incompreensíveis. Não sou especialista em eclesiologia. Mas, vendo como ele reagiu a eles, ouso dizer que, em um sentido institucional, ele foi, ou pelo menos tentou ser, o primeiro papa de exercício expressamente democrático. Ele tolerou dissidências muito sérias que ontem eram simplesmente impensáveis e deixou a discussão intra-eclesial esclarecer as coisas. É para isso que aponta o esforço para iniciar o processo de sinodalidade, em um nível mais profundo, com um nome difícil, mas com o objetivo claro de restaurar o legítimo protagonismo à comunidade dos fiéis. Ainda não é fácil avaliar a enorme influência que, se realizada, essa difícil e complexa iniciativa pode ter para o futuro.
Papa, com experiência no governo, soube tomar medidas enérgicas contra abusos concretos que prejudicavam as pessoas e pervertiam o testemunho cristão. Na marcha geral, ele sabia medir os tempos, distinguindo entre o ideal e o possível. Ele não fez tudo o que gostaria de fazer e se dedicou a lançar as bases que tornariam isso possível no futuro. Se em questões específicas ele parou cedo ou estava certo em esperar, ainda não há segurança para julgamentos afiados. Ele não foi ajudado pela falta – ainda hoje difundida na teologia – de uma distinção correta entre o que é autenticamente dogmático e o que pertence à autonomia ética ou oportunidade pastoral (uma questão aguda e acho que mal esclarecida no caso candente do sacerdócio das mulheres).
De uma coisa tenho certeza: ele poderia ter cometido um erro nesta ou em outras decisões possíveis, mas não tenho dúvidas de que agiu em consciência, naquele discernimento radical diante de Deus que foi o guia decisivo de sua vida e de sua conduta.