12 Abril 2025
"A essência do capitalismo consiste em um único ponto. É um sistema social idealmente acéfalo, desprovido de uma liderança política, guiado por um único imperativo categórico: o aumento do capital a cada ciclo produtivo", escreve Andrea Zhok, italiano, professor de filosofia na Universidade de Milão, em artigo publicado por Krisis, e republicado por A Terra é Redonda, 09-04-2025. A tradução é de Juliana Haas.
A ligação entre capitalismo e guerra não é acidental, mas sim estrutural e inevitável. Apesar da literatura de autopromoção do liberalismo ter sempre tentado argumentar que o capitalismo, traduzido como "doce comércio", seria uma via preferencial para a pacificação internacional, na realidade isso sempre foi uma evidente falsidade. E isso não porque o comércio não possa ser um caminho para a paz – ele pode ser –, mas porque a essência do capitalismo não é o comércio, que é apenas um de seus possíveis aspectos.
A essência do capitalismo consiste em um único ponto. Trata-se de um sistema social idealmente acéfalo, ou seja, idealmente desprovido de uma liderança política, mas guiado por um único imperativo categórico: o aumento do capital a cada ciclo produtivo. O núcleo ideal do capitalismo é a necessidade de que o capital gere retorno, quer dizer, que aumente continuamente. A condução desse processo não é atribuída à política – muito menos à política democrática –, mas sim aos detentores de capital, os sujeitos que personificam as exigências do sistema financeiro.
É importante compreender que o ponto crucial para o sistema capitalista não é que "haja cada vez mais capital" em termos objetivos, isto é, que a quantidade total de dinheiro aumente continuamente; em determinados momentos, essa quantidade pode até se contrair. O ponto essencial é que deve existir sempre a perspectiva geral de um aumento do capital disponível. Na ausência dessa perspectiva – por exemplo, em uma condição prolongada de "estado estacionário" da economia –, o capitalismo deixa de existir como sistema social, pois perde-se o "piloto automático" representado pela busca constante por oportunidades de investimento.
O ponto deve ser entendido estritamente em termos de poder. No capitalismo, uma determinada classe detém o poder por ser responsável por conduzir o capital em direção ao crescimento. Se a perspectiva de crescimento desaparece, o resultado é tecnicamente revolucionário, no sentido específico de que a classe que detém o poder precisa cedê-lo a outros – por exemplo, a uma liderança política movida por princípios ou ideais, como ocorreu em maior ou menor medida ao longo da história (perspectivas religiosas, nacionais, visões históricas). O capitalismo é o primeiro e único sistema de vida na história humana que não busca encarnar nenhum ideal e não tende a seguir nenhuma direção específica. Isso abriria uma discussão interessante sobre a relação entre capitalismo e niilismo, mas o objetivo aqui é focar em outro aspecto.
Na natureza do sistema, está implícita uma tendência que foi analisada pela primeira vez por Karl Marx sob o nome de "queda tendencial da taxa de lucro". Trata-se de um processo intuitivo. Por um lado, como já vimos, o sistema exige a busca constante pelo crescimento, transformando o capital em investimento que gera mais capital. Por outro lado, a competição interna ao sistema tende a saturar todas as opções disponíveis para aumentar o capital, consumindo-as. Quanto mais eficiente é a competição, mais rápido ocorre a saturação dos espaços onde é possível obter margem de lucro. Isso significa que, com o passar do tempo, o sistema capitalista gera estruturalmente um problema de sobrevivência para si mesmo.
A massa de capital disponível cresce constantemente e busca aplicações "produtivas", ou seja, capazes de gerar retorno. O crescimento do capital está vinculado ao aumento das perspectivas de crescimento futuro desse mesmo capital, em um mecanismo que se autoalimenta. É com base nessa dinâmica que surgem situações como a anterior à crise do subprime, quando a capitalização nos mercados financeiros globais equivalia a 14 vezes o PIB mundial. Esse mecanismo produz a constante tendência a "bolhas especulativas". E esse mesmo mecanismo produz a tendência às chamadas "crises de superprodução", termo comum, mas inadequado, pois sugere excesso de bens disponíveis, quando na realidade o problema é o descompasso entre produção e capacidade de consumo.
De modo constante e inevitável, o sistema capitalista enfrenta crises geradas por essa tendência: massas crescentes de capital pressionam para serem aproveitadas produtivamente, em um processo exponencial, enquanto as capacidades de crescimento permanecem limitadas. Para que uma crise se manifeste, não é necessário que o crescimento pare — basta que ele não corresponda à demanda crescente por margens de lucro. Quando isso ocorre, o capital — quer dizer, seus detentores ou gestores — começa a se agitar progressivamente, pois sua própria sobrevivência como detentor de poder é colocada em risco.
Quando a compressão das margens de lucro se aproxima, inicia-se uma busca frenética por soluções. Na versão autopromocional do capitalismo, a solução principal seria a "revolução tecnológica", ou seja, a criação de uma nova perspectiva promissora de geração de lucro por meio de inovação tecnológica. A tecnologia realmente é um fator que aumenta a produção e a produtividade. Se aumenta também as margens de lucro é uma questão mais complexa, pois não basta haver mais produtos disponíveis para que o capital cresça, mas é necessário que haja mais produtos comprados.
Isso significa que as margens podem realmente crescer em presença de uma revolução tecnológica apenas se o aumento da produtividade também se refletir em um aumento geral do poder de compra (salários), o que não é algo garantido. Contudo, mesmo quando isso ocorre, as "revoluções tecnológicas" capazes de aumentar a produtividade e as margens não são tão comuns. Muitas vezes, aquilo que é apresentado como uma "revolução tecnológica" é amplamente superestimado em sua capacidade de gerar riqueza e acaba sendo apenas um redirecionamento de investimentos que gera uma bolha especulativa.
Enquanto se aguardam eventuais revoluções tecnológicas que reabram a possibilidade de ampliação das margens, a segunda direção na qual se busca uma solução para recuperar margens de lucro é a pressão sobre a força de trabalho. Essa pressão pode se manifestar por meio da compressão salarial e de muitas outras formas que ampliam as áreas de exploração do trabalho. A redução direta dos salários nominais é uma medida adotada apenas em casos excepcionais; mais frequentes e fáceis de implementar são práticas como o não reajuste salarial para compensar a inflação, a “flexibilização” do trabalho para reduzir os “tempos mortos”, o “endurecimento” das condições de trabalho, a demissão de trabalhadores, entre outras.
Esse horizonte de pressão apresenta dois problemas. Por um lado, gera insatisfação, com a possibilidade de que isso resulte em protestos, revoltas etc. Por outro lado, a pressão sobre a força de trabalho, especialmente na dimensão salarial, reduz o poder de compra médio, correndo, assim, o risco de desencadear uma espiral recessiva (menores vendas, menores lucros, maior pressão sobre a massa salarial para recuperar margens, consequente redução nas vendas de produtos, e assim por diante).
Uma forma colateral de conquista de margens ocorre por meio das “racionalizações” do sistema produtivo, que conceitualmente se situam em um meio-termo entre inovação tecnológica e exploração da força de trabalho. As “racionalizações” são reorganizações que, por assim dizer, eliminam as relativas “ineficiências” do sistema. Essa dimensão reorganizativa, na prática, quase sempre resulta em um agravamento das condições de trabalho, que se tornam cada vez mais dependentes das exigências impessoais dos mecanismos do capital.
Um último horizonte de soluções surge quando na equação entra a esfera do comércio exterior. Embora, em princípio, os pontos anteriores esgotem os locais nos quais as margens de lucro podem crescer, ao considerar a esfera externa, as mesmas oportunidades de lucro se multiplicam devido às diferenças entre os países. Em vez de um incremento tecnológico interno, pode-se ter acesso a um incremento tecnológico externo por meio do comércio. Em vez de uma compressão da força de trabalho interna, pode-se obter acesso a mão de obra estrangeira de baixo custo, entre outras possibilidades.
A fase atual da breve e violenta história do capitalismo que estamos vivendo é caracterizada pelo progressivo desaparecimento de todas as principais perspectivas de lucro. Sempre haverá espaço para “revoluções tecnológicas”, mas não com a frequência que possa estar por trás das massas infinitamente crescentes de capital que pressionam para serem utilizadas de forma lucrativa. Sempre haverá espaço para novas compressões sobre a força de trabalho, mas o risco de gerar condições de revolta ou reduzir o poder de compra geral impõe limites claros.
Quanto ao processo de globalização, ele atingiu seus limites e iniciou um movimento de relativo recuo; a possibilidade de encontrar oportunidades externas, completamente diferentes e mais vantajosas do que as internas, foi drasticamente reduzida (deve-se considerar que, quanto mais as cadeias de produção se expandem, mais frágeis elas se tornam, aumentando, também, os custos adicionais de transação.
A crise do subprime (2007-2008) marcou um momento decisivo, levando todo o sistema financeiro mundial à beira do colapso. Para sair dessa crise, foram utilizadas duas alavancas. Por um lado, houve uma pressão elevada sobre a esfera do trabalho, resultando na perda de poder de compra e no agravamento das condições de trabalho em nível global. Por outro lado, houve um aumento das dívidas públicas — que, por sua vez, representam uma imposição indireta sobre os cidadãos e a força de trabalho, sendo apresentadas como um ônus a ser compensado.
A crise da Covid (2020-2021) marcou um segundo momento de virada, com características semelhantes à crise do subprime. Também nesse caso, os resultados da crise foram uma perda média do poder econômico das classes trabalhadoras e um aumento das dívidas públicas.
Tanto na crise do subprime quanto na crise da Covid, o sistema aceitou uma redução temporária das capitalizações totais para reabrir novas áreas de lucro. No conjunto, o sistema financeiro saiu de ambas as crises em uma posição comparativamente mais forte em relação à população que vive de seu trabalho. O aumento das dívidas públicas, na prática, representa uma transferência de dinheiro da disponibilidade da cidadania média para os rendimentos dos detentores de capital.
É importante notar que, para neutralizar os espaços de contestação e oposição entre trabalho e capital, o capitalismo contemporâneo tem se empenhado com todas as suas forças para criar uma coparticipação em certos estratos da população, que são relativamente abastados, mas estão longe de exercer qualquer influência no plano do poder capitalista. Forçando as pessoas a adquirirem aposentadorias privadas, apólices de seguro rentáveis e incentivando-as a investir suas economias em algum tipo de título público, busca-se (e consegue-se) criar uma camada da população que se sente “parte interessada” no destino do grande capital. Esses estratos da população funcionam como uma “zona-tampão”, reduzindo a disposição média de se revoltar contra os mecanismos do capital.
A situação atual, especialmente no mundo ocidental, é a seguinte: o grande capital necessita, para sobreviver, acessar continuamente novas áreas de lucro. As populações dos países ocidentais têm visto suas condições de vida serem progressivamente deterioradas, tanto em termos de poder de compra quanto em sua capacidade de autodeterminação, ficando cada vez mais vinculadas a uma multiplicidade de restrições financeiras, trabalhistas e legislativas, todas justificadas pelas necessidades de “racionalização” do sistema.
As possibilidades de encontrar novas áreas de lucro no exterior foram drasticamente reduzidas devido ao alcance dos limites do processo de globalização. Essa é a realidade que os grandes detentores de capital enfrentam hoje. Em sua perspectiva, é urgente encontrar uma solução. Mas qual seria essa solução?
Quando, no cânone ocidental, são apresentadas as guerras mundiais – os dois maiores eventos de destruição bélica da história humana –, elas geralmente são associadas a culpados bem definidos: o “nacionalismo” (especialmente o alemão) na Primeira Guerra Mundial e as “ditaduras” na Segunda Guerra Mundial. Raramente se reflete sobre o fato de que esses eventos têm como epicentro o ponto mais avançado de desenvolvimento do capitalismo mundial e que a Primeira Guerra Mundial ocorre no auge do primeiro processo de “globalização capitalista” da história.
Sem entrar aqui em uma análise detalhada das origens da Primeira Guerra Mundial, é útil lembrar que a fase que a antecede e prepara pode ser perfeitamente enquadrada em uma moldura que somos capazes de reconhecer. Por volta de 1872, inicia-se uma fase de estagnação na economia europeia. Essa fase impulsiona decisivamente a busca por recursos e força de trabalho no exterior, principalmente nas formas de imperialismo e colonialismo.
Todos os principais momentos de crise internacional que antecedem a Primeira Guerra Mundial, como o incidente de Fachoda (1898), são tensões decorrentes da disputa internacional pela apropriação de áreas de exploração. A primeira grande iniciativa de rearmamento na Alemanha guilhermina ocorre com o objetivo de criar uma frota capaz de contestar o domínio marítimo (que é domínio comercial) da Inglaterra.
Mas por que a guerra deveria representar um horizonte de solução para as crises geradas pelo capital? A resposta, neste ponto, é bastante simples. A guerra representa uma solução ideal para as crises de “queda da taxa de lucro” sob quatro aspectos principais.
Em primeiro lugar, a guerra surge como uma força não negociável para investimentos massivos, capazes de revitalizar uma indústria enfraquecida. Grandes encomendas públicas, justificadas pelo “sagrado dever da defesa”, conseguem extrair os últimos recursos disponíveis no setor público e direcioná-los para encomendas privadas.
Em segundo lugar, a guerra representa uma grande destruição de recursos materiais, infraestruturas e vidas humanas. Tudo isso, que do ponto de vista do senso comum humano é uma tragédia, do ponto de vista das perspectivas de investimento é uma oportunidade magnífica. De fato, trata-se de um evento que “recarrega o relógio da história econômica”, eliminando a saturação das possibilidades de investimento que ameaça a própria existência do capitalismo.
Após uma grande destruição, abrem-se vastas oportunidades para investimentos fáceis, que não exigem nenhuma inovação tecnológica: estradas, ferrovias, sistemas de abastecimento de água, habitações e todo o setor de serviços associado. Não é por acaso que, há muito tempo, enquanto uma guerra ainda está em curso – do Iraque à Ucrânia –, já se observa uma corrida preliminar para garantir contratos para a futura reconstrução. A maior destruição de recursos de todos os tempos – a Segunda Guerra Mundial – foi seguida pelo maior boom econômico desde a Revolução Industrial.
Em terceiro lugar, os grandes detentores de capital, especialmente o capital financeiro, consolidam comparativamente seu poder sobre o restante da sociedade. O dinheiro, por ter uma natureza virtual, permanece intocado por qualquer grande destruição material (desde que não seja um aniquilamento planetário).
Em quarto e último lugar, a guerra congela e interrompe todos os processos potenciais de revolta e todas as manifestações de descontentamento das classes mais baixas. A guerra é o mecanismo definitivo, o mais poderoso de todos, para “disciplinar as massas”, colocando-as em uma condição de submissão da qual não podem escapar, sob pena de serem identificadas como cúmplices do “inimigo”.
Por todas essas razões, o horizonte bélico, embora atualmente distante dos sentimentos predominantes nas populações europeias, é uma perspectiva que deve ser levada extremamente a sério. Quando hoje alguns afirmam – com razão – que não existem as bases culturais e antropológicas para que a sociedade europeia se predisponha seriamente à guerra, gosto de lembrar o momento em que Benito Mussolini, captando os humores das massas, passou em poucos anos do pacifismo socialista ao famoso encerramento de seu artigo no Il Popolo d’Italia, em 15 de novembro de 1914: “O grito é uma palavra que eu jamais teria pronunciado em tempos normais e que agora elevo forte, em alta voz, sem disfarces, hoje, com fé segura: uma palavra assustadora e fascinante: guerra!”.