04 Janeiro 2024
"A humanidade e o próprio capitalismo enfrentam desafios significativos que, de forma alguma, devem ser interpretados em termos produtivistas".
O comentário é de Fernando Luengo, economista, em artigo publicado por El Salto, 24-12-2023.
Leio em uma edição recente da Finanças e Desenvolvimento, publicação do Fundo Monetário Internacional, um artigo assinado por Eric Brynjolfsson e Gabriel Unger intitulado "A macroeconomia da inteligência artificial". O texto afirma o seguinte: "As economias mais avançadas enfrentam o mesmo problema de crescimento da produtividade. Mais do que qualquer outro fator, a produtividade – produção por unidade de insumo – determina a riqueza das nações e o nível de vida de sua população. Com uma produtividade mais elevada, problemas como déficits orçamentários, redução da pobreza, saúde e meio ambiente tornam-se mais gerenciáveis. Promover o crescimento da produtividade pode ser o desafio mais relevante enfrentado pelo planeta".
Um parágrafo que pode parecer óbvio, cheio de senso comum em termos econômicos, mas que, na minha opinião, tem muito o que se discutir; de fato, ele abre as portas para debates fundamentais. Resumidamente, expressa uma ideia essencial do pensamento convencional (e dominante), também assumida por uma parte da economia heterodoxa (crítica?). Coloca no centro das preocupações das economias desenvolvidas o avanço insuficiente da produtividade e considera esse avanço como a chave para o progresso econômico e social.
Aqui, há uma reflexão fundamental, na qual não vou entrar nestas linhas, referente às causas estruturais que explicam os resultados discretos obtidos nas últimas décadas em termos de produtividade (não é uma problemática que emergiu com as crises) e que, entre outros fatores, estão relacionadas com o investimento produtivo, a difusão tecnológica e a oligopolização dos mercados. Aqui, meu interesse é chamar a atenção, especialmente, sobre as sequências que os autores do artigo pressupõem, um conjunto de premissas e automatismos que, na minha opinião, devem ser questionados.
Eles afirmam, em primeiro lugar, que a "produtividade determina a riqueza das nações". Vinculam, assim, o aumento da riqueza disponível ao crescimento da produção – medido através do Produto Interno Bruto (PIB) – tanto em quantidade quanto em qualidade, melhoria que estaria na base do avanço da produtividade. Uma primeira pergunta sobre essa afirmação: não há uma ampla evidência disponível para os profissionais de economia de que essa lógica produtivista traz consigo, em medida crescente, a destruição de recursos que, por senso comum, devem ser considerados integrantes da riqueza e que a diminuem? Não deveríamos questionar, dessa perspectiva, a validade do PIB como indicador inequívoco de sucesso?
Reconhecer que o crescimento econômico acarreta simultaneamente processos de criação e destruição de riqueza coloca a análise em um território diferente daquele em que o pensamento convencional se sente confortável, onde a atividade econômica é explicada por si só, como se fosse um espaço que se autorregula e autorreproduz, livre de interações, e onde os eventuais efeitos negativos dos processos produtivos são considerados "externalidades negativas" a serem reduzidas e corrigidas. No entanto, esses processos estão imersos em uma dinâmica mais ampla de reprodução dos ecossistemas e, assim, interagem com a natureza; mais especificamente, o capitalismo está instalado em uma lógica extrativista que, além disso, gera crescentes resíduos, todos os quais destroem a riqueza, em vez de criá-la.
Mas esta é apenas a primeira parte da questão. Porque os autores também afirmam que a produtividade "determina... o nível de vida da população". O raciocínio anterior desmonta essa afirmação, pois, como acabei de mencionar, a destruição de riqueza associada ao produtivismo incessante é um fator importante para o deterioro das condições de vida da população; não apenas no chamado "Sul global", mas também no "Norte próspero". Exemplos disso são os episódios climáticos extremos ou a deterioração irreversível dos ecossistemas (que, aliás, foi a origem da pandemia).
Se, por outro lado, considerarmos que o nível de vida da população está relacionado aos salários – é uma suposição pertinente, já que uma parte substancial da população é composta por assalariados –, é preciso dizer que, tendencialmente, ao longo das últimas décadas, os salários dos trabalhadores cresceram, quando o fizeram, menos do que a produtividade do trabalho. Por essa razão, a porcentagem atribuível aos rendimentos do trabalho diminuiu, enquanto a parte dos lucros de capital aumentou.
Os autores vão além em seu raciocínio ao afirmar que os déficits orçamentários, a pobreza, a saúde e o meio ambiente serão mais gerenciáveis se a produtividade melhorar. Uma afirmação que, também, me parece discutível. Conectar essas áreas exigiria, entre outras coisas, que os eventuais avanços na produtividade se traduzissem em uma maior capacidade das administrações públicas de avançar com uma agenda centrada no fortalecimento do comum, que não deve nem pode ficar à mercê dos mercados e da iniciativa privada.
A evidência empírica, no entanto, aponta em uma direção muito diferente da sugerida pela frase que estou comentando. Pense, por exemplo, na diminuição cada vez menor da tributação sobre grandes fortunas e patrimônios, assim como os lucros das corporações; ou na impunidade com que, até agora, os paraísos fiscais operaram; ou, em termos mais gerais, na capacidade que as elites políticas e econômicas demonstraram em colonizar em seu próprio benefício as instituições e políticas públicas. Ao contrário do que sustenta o pensamento convencional, a economia realmente existente, que é onde devemos focar, revela que aumentos maiores ou menores na produtividade foram acompanhados por uma deterioração generalizada do que é público e por um aumento da desigualdade.
Os autores concluem que "o crescimento da produtividade pode ser o desafio mais relevante que o planeta enfrenta". Sendo este um fator decisivo para a dinâmica capitalista, parece claro para mim que a humanidade e o próprio capitalismo enfrentam desafios significativos que, de maneira alguma, devem ser interpretados de modo produtivista. A redução da desigualdade, o enfrentamento das mudanças climáticas e da destruição dos ecossistemas, a sustentabilidade das atividades produtivas e dos padrões de consumo e mobilidade, e o pleno exercício dos direitos humanos exigem que os economistas façam uma reflexão à altura desses desafios, e para isso não há outra opção senão impugnar os paradigmas vigentes.
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Os economistas que confiam no aumento da produtividade como solução para tudo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU