07 Dezembro 2023
"O capital em seu início não assumia nem financiava direitos. Dois séculos e meio depois, assistimos ao retorno das origens do capitalismo nas relações de trabalho", escreve Cesar Sanson, professor na área da sociologia do trabalho na Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN.
O capitalismo (re)descobriu uma nova forma de organizar o trabalho sem precisar se responsabilizar com os direitos e, ainda por cima, com uma vantagem: ele transfere aos próprios trabalhadores os custos de financiamento de direitos básicos, como por exemplo a previdência social.
Ao menos dois exemplos evidenciam esta nova realidade. O primeiro é a uberização em que trabalhadores exercem o seu trabalho desvinculados da garantia de direitos; o segundo é o contrato entre empregador e trabalhador utilizando-se do recurso do microempreendedor individual - MEI. Essa modalidade é também conhecida como pejotização. As mudanças na regulação da terceirização, que não distingue meios e fins da atividade laboral e a Reforma Trabalhista, fizeram explodir a contratação via MEI. Em ambas as formas, o capital não assume o pagamento de direitos.
Vemos agora milhares de trabalhadores trabalhando sem direito nenhum ou tendo que financiar seus próprios direitos. A pergunta é por que razão os trabalhadores aceitam esta condição. Para além dos problemas estruturais do mercado de trabalho brasileiro caracterizado pela informalidade em que a falta de alternativas empurra as pessoas para a aceitação desta situação, há outras razões nem sempre tão explícitas.
Imagem: Reprodução | Esquerda Diário
Uma delas é que estas mudanças vêm acompanhada e sustentada pela ideologia do empreendedorismo que parte do pressuposto que o sucesso de uma pessoa, particularmente na vida laboral, depende apenas dos seus esforços, da sua perfomance, da sua vontade, de sua perseverança e de suas intuições visionárias. Muitos creditam o crescimento das modalidades de trabalho por conta própria a esta ideologia.
Engana-se, porém, quem acha que estes trabalhadores se consideram empreendedores. Há evidências que uma porção significativa é seduzida para o labor sem direitos menos em função do discurso ideológico e mais pela pretensa autonomia que a modalidade uberização e pejotização promete.
Foi-se o tempo em que trabalho com carteira assinada e jornada de 8 horas formavam o emprego sonhado. A resistência ao emprego fordista se deve à jornada de trabalho padronizada em que o trabalhador precisa estar num mesmo local pela mesma quantidade de horas diariamente e muitas vezes subordinado a um chefe ou supervisor autoritário. Este tipo de emprego garante direitos – salário regular e mínimo, férias, adicional de férias, 13º, previdência social – porém a autonomia é tolhida.
Há outro problema com o emprego de padrão fordista: paga-se muito pouco.
Colocado tudo na balança, entre um emprego com carteira assinada engessado e um "emprego" do tipo Uber, muitos optam pela segunda alternativa. Não é incomum em conversas com trabalhadores uberizados os mesmos afirmarem que largaram o emprego porque agora se sentem mais autônomos e ganham o mesmo ou até mais.
A adesão de milhares a uberização e pejotização do trabalho se encaixa unicamente a partir das explicações acima? É evidente que não. Assim como é evidente, e isto as pesquisas revelam, que os trabalhadores uberizados querem direitos, porém, preservando a sua autonomia. Vem daí a resistência à "celetização" (contrato CLT) da regulação do trabalho. É crescente o número de trabalhadores que não aceitam e não querem mais trabalhar de forma subordinada.
Trata-se de uma mudança significativa no mundo do trabalho porque, dessa vez, o discurso do capitalismo, de que você pode ganhar dinheiro organizando a sua própria vida, encontra forte adesão entre os trabalhadores.
A luta de classes permanece, mas se tornou mais complexa.
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O capitalismo retorna às suas origens nas relações de trabalho - Instituto Humanitas Unisinos - IHU