09 Abril 2025
A destruição dentro de terras indígenas (TI) na Amazônia para abertura de novos garimpos registrou leve aumento em 2024. No ano passado, 22 quilômetros quadrados de floresta foram desmatados nos principais polos da atividade ilegal. Em 2023, essa área tinha sido de 20 quilômetros quadrados.
A reportagem é de Nádia Pontes, publicada por DW Brasil, 07-04-2025.
O levantamento faz parte do relatório Ouro Tóxico feito pelo Greenpeace e divulgado nesta terça-feira (08/04). A organização mapeou o impacto ambiental do garimpo nos territórios indígenas mais atingidos na Amazônia: Sararé, no Mato Grosso; Kayapó, Munduruku, ambas no Pará, e Yanomami, dividida entre Amazonas e Roraima.
"A gente vê que o governo conseguiu conter o ritmo de abertura de novas áreas em lugares muito críticos, como nos Yanomami. Isso é uma boa notícia. Porém, o garimpo permanece sendo uma ameaça para os povos indígenas", diz Jorge Dantas, porta-voz do Greenpeace Brasil, em entrevista à DW.
Segundo o levantamento, a devastação causada pela busca clandestina pelo ouro caiu (-7%) no período na TI Yanomami. O mesmo ocorreu nos territórios Munduruku (-57%) e Kayapó (-31%). Já na TI Sararé, a destruição disparou: o desmatamento para garimpo cresceu 93%.
No ano passado, 61 toneladas de ouro saíram do Brasil para outros países. Cerca de 25% do metal vem dos estados amazônicos, com liderança do Mato Grosso. Os maiores compradores em 2024 foram Canadá, Suíça e Reino Unido – a Alemanha foi a sexta da lista.
Os três primeiros importadores, aponta o relatório, são líderes das cadeias de suprimento internacionais. Alvo de denúncias no passado sobre compra do metal extraído de forma criminosa no Brasil, a Suíça, por onde mais da metade do ouro exportado para a União Europeia (UE) passa, se comprometeu em 2022 a não adquirir mais ouro ilegal da Amazônia.
Além das joalherias e relojoarias, responsáveis por metade do mercado mundial, um outro destino tem ganhado peso: cofres de bancos centrais. Nos últimos quatro anos, o consumo de ouro desse setor aumentou quatro vezes.
"A permanência do garimpo tem a ver com o apetite internacional que causa essa pressão aqui dentro. São mais de 70 bancos centrais no mundo todo demandando esse ouro, usando isso como reserva financeira. A gente está num momento de muita instabilidade, então a procura só vai aumentar", comenta Dantas.
Uma pesquisa aprofundada sobre o tema feita pelo Instituto Escolhas mostrou que 94% do ouro comprado pela UE do Brasil têm alto risco de vir de fontes ilegais, como TIs e unidades de conservação.
"Com tantos intermediários no caminho, há pouquíssimas chances de se determinar a origem exata do ouro", concluiu o estudo, publicado em agosto de 2024.
De alto valor, baixo volume e fácil manipulação, o ouro é de difícil rastreamento. Quando extraído ilegalmente na Amazônia, ele é manipulado no próprio garimpo e ganha a forma de lingote ou pepita. Muitas vezes, vira uma moeda de pagamento ou troca nas comunidades locais, nas aldeias e povoados.
Segundo o relatório, o metal é vendido principalmente para pequenas joalherias na capital de Roraima, Boa Vista, sem qualquer documentação que ateste sua origem e, muitas vezes, sem autorização oficial do Banco Central.
Na hora de vender para o comércio, a única exigência da lei brasileira era a apresentação de uma nota escrita à mão como prova da origem do ouro. A norma falha, chamada princípio da boa-fé, foi extinta em março após uma votação no Supremo Tribunal Federal (STF), quando os magistrados determinaram que a União estabeleça meios para fiscalizar o ouro. Um projeto apresentado pelo atual governo sobre o tema ainda está em tramitação no Congresso.
"A cadeia de custódia do ouro, tanto aqui no Brasil quanto lá fora, é pouco fiscalizada, pouco monitorada. Ela é muito aberta, vamos dizer assim, para os processos de lavagem e esquentamento do ouro", critica Dantas, do Greenpeace.
Com o reforço da fiscalização principalmente na Terra Indígena Yanomami a partir de janeiro de 2023, assolada pela extração ilegal do ouro, malária e desnutrição, os garimpeiros expulsos podem ter migrado para outras áreas na Amazônia. Em 2022, a Hutukara Associação Yanomami estimava a presença de 20 mil invasores.
"Eles mudam para locais que sofrem uma deficiência da proteção por parte do Estado. Fica mais fácil para eles migrarem porque não há uma política mais efetiva, uma presença mais efetiva do Estado na proteção dos territórios", afirma à DW Dinamam Tuxá, advogado e coordenador executivo da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib).
A provável migração dos garimpeiros, reforça Dantas, aparece tanto nos relatos dos indígenas como nas imagens de satélite. Com a operação de combate intensificada no território Yanomami, muitos se esconderam na Venezuela e outros seguiram mais para o sul da Amazônia.
"Garimpo é uma coisa muito dinâmica, ele muda muito fácil e muito rápido. Os garimpeiros têm grupos de WhatsApp e até alertam quando vai ter a operação do Ibama", afirma Dantas. "E quando descobrem uma mina nova, eles dizem que 'está rolando uma fofoca em tal lugar'", diz o porta-voz do Greenpeace, citando o termo usado pelos garimpeiros para se referir a um lugar novo para roubo de ouro.
Foi assim que a TI Sararé entrou na mira. A presença de invasores ameaça a floresta, a saúde dos indígenas e a vida dos que denunciam. Investigações apontam a presença crescente do crime organizado nos garimpos da Amazônia, que se articulam em grandes redes profissionalizadas, capitalizadas, para extrair ilegalmente o metal precioso.
Para a Apib, o combate ao garimpo ilegal só será efetivo com uma proposta estruturante para contê-lo dentro das terras indígenas.
"Essa proposta tem que prever, logicamente, o orçamento. Tem que prever a política de prevenção, que envolve fiscalização e monitoramento dos territórios", explica Tuxá. Essa é uma das reivindicações apresentadas pelo movimento indígena durante o Acampamento Terra Livre, que vai até o fim de semana em Brasília.
Tuxá afirma que tal plano precisa ser elaborado com participação das comunidades impactadas pela mineração ilegal. Ao mesmo tempo, argumenta o porta-voz da Apib, o governo brasileiro precisa criar mecanismos de rastreabilidade para identificar a origem do metal.
"E mais: é preciso responsabilizar e indiciar esses criminosos ambientais, os principais comércios que estão adquirindo esse ouro ilegal e qualquer outro metal que foi explorado de forma indevida dos territórios indígenas", diz ele.
Um dos objetivos do relatório, segundo o Greenpeace, é apontar as falhas da cadeia do ouro e convencer os brasileiros da importância das TIs. "Os indígenas são os que melhor defendem a floresta amazônica. E isso é fundamental não só para os povos que lá vivem, mas para todos que respiram, que dependem de chuva e de um clima equilibrado", pontua Dantas.
Jair Schmidt, chefe da fiscalização do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), diz ter dificuldade em comentar pontos específicos do relatório por não ter tido acesso ao conteúdo.
Sobre a situação na TI Sararé, ele afirma que a fiscalização se intensificou desde 2023 e que mais de 270 escavadeiras, principal equipamento usado no garimpo na região, foram destruídas.
Segundo o Ibama, a RedeMAIS, serviço de monitoramento contratado pelo Ministério da Justiça e Polícia Federal, apontou no mesmo período analisado pelo Greenpeace, 2023 a 2024, uma redução de 30% de abertura de novas áreas para garimpo em toda a Amazônia.
"Ainda tem muito garimpo ilegal, um trabalho hercúleo pela frente para irradicar toda essa mazela. Mas não se pode só olhar para pequenas variações em alguns territórios para desqualificar todo esse trabalho importante e emblemático que tem sido feito nos últimos dois anos", afirma Schmidt.