24 Março 2025
Há dias dava para se perceber certa agitação na Casa Santa Marta. Quase um pressentimento de que Francisco estava pressionando para sair do hospital Gemelli. O problema, a partir de hoje, não será o que o Papa poderá fazer, mas o que conseguirão garantir que ele não faça; mas que está decidido a fazer, a qualquer custo. Os dois meses de convalescença que os médicos recomendaram terão que se acertar não apenas com seu estado de saúde, mas com um desejo irresistível de normalidade: aquela para a qual os boletins médicos foram acompanhados quase diariamente pelas nomeações, as trocas de bispo, os planos para o futuro. Era como se, de seu quarto de hospital, ele quisesse dizer a todos: nada muda, eu voltarei e tudo será como antes.
A reportagem é de Massimo Franco, publicada por Corriere della Sera, 23-03-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
É uma aposta, quase um desafio com a própria idade, a doença e uma carga de trabalho que objetivamente não poderá mais sustentar; mas que, é praticamente garantido, ele tentará perpetuar com toda a força que lhe resta. O verdadeiro tema dessa fase dramática do pontificado argentino será convencê-lo a reconhecer que a situação não é, não pode ser, a mesma de “antes”. Depois de uma crise milagrosamente recuperada, suas condições melhoraram, mas ainda precisa de cuidado.
Nos últimos dias, alguns no Vaticano se perguntavam, com certa apreensão, o que aconteceria quando Francisco retornasse do Gemelli. E, acima de tudo, quem teria a coragem de fazê-lo entender que terá que se poupar; que a história de seu papado tem que se acertar com uma fragilidade que é difícil para ele aceitar, e ainda mais complicada para gerir por aqueles ao seu redor. Perguntava-se como seria possível organizar uma espécie de pequeno hospital de campanha dentro da Casa Santa Marta para lidar com qualquer emergência, caso ocorresse uma crise repentina.
A decisão de lhe dar alta foi tomada de forma consensual. E Francisco está “muito feliz com isso”, disseram os que cuidam dele: mesmo que ele mal consiga falar, mesmo que tenha que continuar sua reabilitação e mesmo que tenham lhe dito que ele não poderá receber grupos de pessoas por precaução. Prevaleceu a prioridade de tranquilizar não apenas a Igreja, mas talvez também ele mesmo, e dissipar os rumores de uma possível renúncia, uma traumática “segunda vez” após a renúncia de Bento XVI em 2013. Não haverá outra renúncia. E esse final do pontificado não será de um “governo de hospital”. Na visão de Francisco, não pode e não deve ser.
Mesmo que não seja possível esconder o fato de que o governo da Igreja terá que se acertar, pelo menos nas próximas semanas, com um papa fragilizado e debilitado. Pronto a fazer escolhas com a mesma determinação de sempre, mas cercado por uma atenção e uma inquietação pelas quais cada passo adiante será medido, cada palavra ou articulação de sua voz, cada silêncio da Casa Santa Marta como indício de um futuro que é objetivamente muito mais precário do que em 14 de fevereiro passado, quando internado de urgência.
Em segundo plano, permanece a perspectiva de um Conclave, que inevitavelmente surgiu nas discussões entre os cardeais nas últimas semanas. O contrário é que seria estranho. Francisco sabe disso, embora tenha considerado algumas manobras e alguns rumores com o incômodo habitual. Mas parece determinado a surpreender a todos. E transformar esse último período de seu papado, seja curto ou longo, em uma fase destinada a deixar ainda uma marca. Com a Casa Santa Marta como coração do poder papal, embora em declínio. E a convalescença de dois meses como preparação para um retorno à cena que já começou: mesmo que tenha contornos objetivamente dramáticos, e não esteja claro a que isso levará.
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