17 Março 2025
Jean-Marie Donegani, psicanalista e professor universitário emérito, analisa em seu último ensaio as afinidades entre a psicanálise, o judaísmo e o cristianismo. Através das figuras de Freud e Lacan, o autor destaca duas relações quase antagônicas com a religião.
A reportagem é de Matthieu Giroux, publicada por La Vie, 12-03-2025. A tradução é do Cepat.
A ligação entre a psicanálise e o judaísmo, que tem sido objeto de numerosos comentários, baseia-se numa profunda ambiguidade mantida, voluntária ou involuntariamente, pelo próprio Sigmund Freud (1856-1939). Primeiro, porque se posiciona como um homem do Iluminismo e, consequentemente, demonstra uma hostilidade de princípio para com a religião, que considera infantil e irracional. E essa desconfiança está no próprio método psicanalítico, que postula uma relação de analogia entre as patologias da mente e os comportamentos ligados à prática da religião.
“Sabemos que a sua abordagem da religião nasceu da intuição de uma analogia entre as atividades compulsivas que caracterizam a neurose obsessiva e o ritualismo típico da atividade religiosa”, enfatiza Jean-Marie Donegani, psicanalista e professor universitário emérito, na sua obra Aux origines religieuses de la psychanalyse (As origens religiosas da psicanálise). Essa interpretação freudiana puramente pejorativa do fenômeno religioso está na origem da briga com seu discípulo Carl Gustav Jung (1875-1961), que, ao contrário, acredita que a religião exerce uma função positiva no psiquismo e valoriza a experiência do sagrado.
No entanto, se Freud é cauteloso em relação à religião judaica, assim como em relação a outras religiões, ele nunca negou o seu próprio judaísmo. Este paradoxo traz-nos de volta à ambivalência da identidade judaica: é possível permanecer judeu através da cultura e da história sem abraçar a fé judaica. Freud sente, portanto, profundamente um sentimento de pertencimento ao povo judeu sem aderir ao ritualismo judaico. “Temos, portanto, em Freud uma espécie de combinação, complexa e paradoxal, de interesse profundo e apaixonado pelo judaísmo como pensamento, como visão de mundo, como cultura e até mesmo como mística, e de aversão não menos profunda por aquilo que o judaísmo tem de mais rigoroso e formal, pelas suas práticas rituais e pelas suas elaborações cabalísticas”, resume Jean-Marie Donegani.
Foi esta ligação obscura entre o judaísmo e a psicanálise que Jacques Lacan (1901-1981) se propôs a desvendar. Jean-Marie Donegani insiste na diferença de abordagem entre o judeu Freud e o cristão Lacan: “É essencialmente a história do povo judeu, muito mais do que a sua teologia, que Freud toma como suporte para a sua reflexão; Lacan, ao contrário, concentra-se mais no pensamento cristão mais especulativo, desde a teologia trinitária dos Padres Capadócios até a teologia negativa dos místicos da Renânia”.
Se o primeiro aborda a questão de um ponto de vista cultural e histórico, o segundo considera o problema de uma maneira mais intelectual e teórica. Acima de tudo, Lacan tenta compreender as fontes simbólicas da religião, apreendê-la como um idioma próprio que produz significado de maneira autônoma. “O cristianismo é a base da antropologia ocidental e o crisol da relação do homem moderno com a linguagem. O pensamento católico foi, portanto, para Lacan a principal ferramenta teórica utilizada para construir sua antropologia e sua concepção de verdade”, observa o autor.
Para Freud, a religião era percebida exclusivamente como uma ilusão que a psicanálise, com suas ferramentas racionais, permitia superar. Lacan, por sua vez, parece querer conciliar o cristianismo com uma abordagem renovada da disciplina.