09 Junho 2017
Estão distantes os tempos de anátemas e desconfianças entre Igreja e psicanálise. Hoje, o inconsciente pode ser ponte, não lugar de confrontos. Pierangelo Sequeri escreve: “Entre instituição religiosa e instituição psicanalítica, consolidou-se um ordenamento de recíproca convivência, que abre um amplo espaço para uma atitude de respeitosa distinção dos âmbitos e – até – de virtual admissão de margens de cooperação, no interesse de sujeitos com dificuldades especiais justamente na articulação psíquica da experiência religiosa”. Desde agosto, Sequeri é o diretor do Pontifício Instituto João Paulo II para os Estudos sobre Matrimônio e Família. Foi o Papa Francisco que o desejou.
O comentário é do psicólogo italiano Marco Garzonio, presidente do Centro Italiano de Psicologia Analítica e sócio-fundador da Associação Italiana para a Sandplay Therapy (AISPT), publicado por Corriere della Sera, 07-06-2017. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
No fim de um percurso de quase 20 anos, “teoria psicanalítica” e “razão teológica” são empurradas “para o mesmo lado”, diz ainda Sequeri. No início, entraram em jogo sensibilidades e interesses de professores da Faculdade Teológica da Itália Setentrional. Em Milão, desenvolveram-se cursos e pesquisas sobre as relações entre experiência religiosa e psicologia do profundo, com uma preferência por Jacques Lacan, porque melhor corresponderia às exigências da fé, dadas as referências lacanianas ao “nome do Pai”.
Um diálogo, em seus propósitos, não restrito à pesquisa científica. Dos claustros da faculdade, prospectou-se um percurso de cultura e responsabilidade civis a serem assumidas, católicos e laicos, em relação a uma desorientação generalizada em termos de valores altos em nível individual e social. Tanto que hoje se fala de uma espécie de aliança “na defesa da espessura ontológica do ser simbólico e do ser prático”, ao se pronunciar “sobre o sentido ético da psique”, escreve Sequeri (embora defenda isso há anos).
Quando Bergoglio o chamou para Roma, Sequeri era decano da Faculdade Teológica que Paulo VI quis em Milão, mas fora dos muros da Católica. Um sofrimento para Giuseppe Lazzati, então reitor, que visava a relançar a instituição depois de 1968 através de um diálogo entre ciências humanas e teologia. Cursos e recursos de história e de fé!
Produto recente da escola teológica de Milão é o livro de Rossano Gaboardi, Un Dio a parte. Che altro? Jacques Lacan e la teologia, publicado pela editora Glossa. É o resultado de uma tese de doutorado: mais de 600 páginas, resenha densa de autores, textos, referências a Lacan e seguidores, e ao teólogo Hans Urs von Balthasar. Da introdução ao volume, tiramos as citações de Sequeri em torno da nova “fronteira do humanismo”, sobre a qual, portanto, Igreja e psicanálise se alinham.
Lançadas as bases da teologia fundamental, o desafio agora poderia se alargar e coenvolver outros ramos do saber teológico, como, por exemplo, a teologia pastoral e a bíblica. Coloca-se, em primeiro lugar, um problema de linguagem, transmissão, envolvimento nas questões que uma correta relação entre fé e psicologia do profundo pode gerar. Se não se tornam palavra falada, partida como pão do conhecimento, vivida, compartilhada, as palavras dos teólogos que estudam a psicanálise permanecem ao alcance de poucos adeptos aos trabalhos, autorreferenciais, léxico para iniciados.
A teologia bíblica, além disso, é o exemplo da fecundidade de abordagens múltiplas. Inúmeros especialistas já se servem de vários instrumentos psicanalíticos para compreender as Escrituras, os componentes humanos e históricos dos textos sagrados, os pioneiros da psicologia do profundo. Estes últimos estariam fora de lugar, no sótão, embora Lacan os criticou com uma linguagem a cujo fascínio a teologia fundamental não parece indiferente.
A revolução de Sigmund Freud, por exemplo, pode ser captada se se tiver a coragem de abordar com espírito livre e sem preconceitos o ser judeu do fundador da psicanálise. Um leitor da Bíblia pode verificar como o Talmud e os modos de leitura do texto são importantes para compreender “A interpretação dos sonhos”. A hebraicidade de Freud é um valor que aproxima de modo significativo o cultor da psique, que tenta decifrar os conteúdos inconscientes através do mundo onírico, e o professor de crítica textual que faz a Palavra falar através de símbolos e imagens.
Um discurso semelhante pode ser feito sobre Carl Gustav Jung. Depois da publicação do “Livro Vermelho”, em 2010 [na Itália], Jung deve ser reconsiderado, especialmente pelos teólogos: a partir da contribuição destes, poderiam vir muitas coisas. Um exemplo: o “processo de individuação”, isto é, o conhecimento e a realização de si apoiada em referências a Isaías e a João no “Livro Vermelho”, é a versão moderna e atual da “Imitatio Christi”, em termos psicológicos. Não esqueçamos que Jung foi psiquiatra e, como tal, viveu em primeira pessoa os sofrimentos extremos da psique que disputa com Deus, como Jó, ou que capta o vazio da Criação, como Qoelet, e corre o risco de nos afundar. Sobre a dor do indivíduo e do coletivo, fé e psicanálise, juntas, podem se inclinar e se fazerem próximas do ser humano.
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Teologia e psicanálise: aliança em nome do humanismo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU