O nacionalismo cristão está de volta à nação mais “secular e laica” do mundo. O messias promete salvar o mundo em nome de um Deus que se apresenta muito distante da mensagem do Evangelho. A proposta para curar o Ocidente perdido, segundo a escatologia desse salvador, é a desordem mundial. Frente ao caos, pequenos gestos de resistência reverberam das periferias do planeta. Nesse microcosmo em que habitam os pequenos, mulheres lutam por um mundo pós-patriarcal. Essas e outras notícias nos Destaques da Semana do IHU.
Confira os destaques na versão em áudio.
O nacionalismo cristão branco está de volta nos Estados Unidos. Com seu Escritório da Fé, cuja Teologia da Prosperidade é um dos pilares, Donald Trump quer purificar seus país – e junto com ele o Ocidente – estabelecendo com prioridade os valores cristãos. É a religião como lei de Estado que ameaça à democracia, acentuou a ativista argentina Antonella Marty.
A aliança de Donald Trump com Vladimir Putin é outra ponta da trama imperialista, cuja política, valores democráticos e humanos foram abandonados. A eles interessa a proposta messiânica de salvar o mundo perdido, resgatando os valores cristãos, cumprindo a mesma agenda social. Das medidas trumpistas, emerge um império caótico, ou também, como diz o sinólogo Francesco Sisci, um “sacro império americano”, que culmina na erosão das democracias ocidentais, explicada pelo jornalista Juan Laborda: “Os neoconservadores americanos como uma elite que instrumentaliza a retórica democrática para impor uma ordem unipolar baseada na força. Sua estratégia, enraizada no excepcionalismo americano, tem sido desestabilizar regiões inteiras sob o pretexto de exportar liberdade, enquanto consolida um complexo militar-industrial que alimenta guerras sem fim. Essa ‘hiperpotência’ falhou em sua tentativa de moldar o mundo à sua imagem, deixando para trás estados falidos, migrações em massa e um Sul Global cada vez mais ressentido”, assinalou.
A semana também foi marcada pelo show de horrores de Trump durante seu pronunciamento no Congresso Americano. Suas palavras, mais uma vez, no causam perplexidade. Segundo o republicano, este é só o começo. O objetivo dessa loucura que coloca o mundo em suspenso é “liberdade total para converter poder em mais riqueza para si mesmo”, aponta o sociólogo americano Larry Diamond. Para o professor, “Trump quer que todos se curvem à sua vontade imperial”. Mas diante à banalidade total que chefia a Casa Branca, pequenas insurgências começam a acontecer, ainda estejam proibidas por aquele que prega a liberdade. Bernie Sanders abandonou o Congresso em meio do discurso e a Suprema Corte dos EUA impede Trump de reter ajuda externa.
Sanders, o cara mais sensato da política americana, se manda no meio do catastrófico discurso de Trump. https://t.co/6W7PAfgLeT
— Marcelo Rubens Paiva (@marcelorubens) March 5, 2025
URGENTE: o líder da internacional nazifascista, Donald Trump, decidiu PROIBIR PROTESTOS CONTRA ELE. Ele comunicou que estudantes que fizeram isso serão expulsos das universidades e presos, enquanto os estrangeiros serão expulsos do país. Essa é a extrema direita que defende… pic.twitter.com/CgQyTbsozR
— Vinicios Betiol (@vinicios_betiol) March 4, 2025
Trump e Zelensky elevaram o tom e bateram boca ao vivo na Casa Branca. O presidente ucraniano saiu sem assinar o acordo de paz proposto pelo americano. Mas, no final da semana, mesmo com o apoio da Europa, que se jogou de cabeça na corrida armamentista, viu-se obrigado a recuar diante o corte da ajuda militar dos EUA para a Ucrânia. E agora, a “traição de Munique” está mais perto de se repetir, como alertou Timothy Snyder, historiador americano, “se os ucranianos desistirem, ou se nós desistirmos da Ucrânia, então será a Rússia fazendo guerra no futuro. Será a Rússia fazendo guerra com tecnologia ucraniana, numa posição geográfica diferente. Nesse ponto, estaremos em 1939".
Entre os tantos acertos do papa Francisco, sem dúvida sua intuição da Terceira Guerra Mundial em pedaços estava certa. Galopamos rumo à batalha. A Europa comete um erro trágico e volta a se armar até os dentes, com Macron prometendo até o uso de armas nucleares, em uma dissuasão armada sem precedentes. Em um mundo cada vez menos capaz de diplomacia, uma iniciativa de paz para a Europa parece uma miragem. Parece que a ideia de futuro foi monopolizada pelos bilionários.
A Palestina foi transformada no inferno, com a cumplicidade do Ocidente e da mídia, e os números não nos deixam mentir. São cerca de 49 mil mortes, com as crianças como principais vítimas: 14 mil foram mortas, 25 mil feriadas ou mutiladas e 17 mil ficaram órfãs. Sem exceção, todas passaram fome, foram privadas de cuidados médicos e ficaram sem escola. Com a Faixa de Gaza dizimada, o absurdo da imagem das férias na praia da “Riviera de Gaza” de Trump e Netanyahu continuou repercutindo. “A estátua de ouro [do magnata], portanto, não é apenas uma concessão kitsch ao amor próprio, mas uma visão de si mesmo, do mundo e, no nosso caso, da Faixa de Gaza. Nesse canto que é um dos mais populosos do mundo, massacres foram realizados e o cenário está sendo montado para o genocídio do povo palestino que, após sofrer a violência sinistra e brutal do fundamentalismo islâmico do Hamas, viu suas casas e escolas, hospitais e campos agrícolas, estradas e aquedutos serem destruídos. Diante de milhares de crianças descalças e famintas, de doentes largados sem tratamento do lado de fora dos hospitais agora destruídos, a imagem de riqueza exibida e desdenhosa parece um insulto e uma provocação”, concluiu o sociólogo italiano Paolo Naso.
Por falar em Oriente Médio, é de lá mesmo que ressoam ecos de resistência. O vencedor do Oscar na categoria documentário, Sem Chão [No Other Land], “retrata a resistência palestina nas aldeias de Masafer Yatta, nas montanhas próximas a Hebron, que enfrentam o cerco dos colonos e do exército sionista”, explicou Mahmoud Mushtaha. Para o jornalista, o alcance do prêmio agora possibilita que o mundo saiba da opressão e da violência israelense, “o reconhecimento do filme é uma vitória para a narrativa palestina, mas a violência que ele documenta não cessou”, sinalizou. Enquanto Trump se preocupa em insultar os palestinos com suas provocações, o Egito apresentou sua proposta para a reconstrução da Faixa de Gaza após o fim da guerra. A Alternativa egípcia à "Riviera de Gaza" de Trump deve custar US$ 53 bilhões e levar cinco anos. Ao contrário do plano americano, a proposta egípcia permitirá que palestinos permaneçam em suas terras.
28 anos depois a cena se repete, em uma espiral de barbárie sem fim. Um homem que estava abrigado em um ponto de ônibus em Brasília, capital federal, teve 95% do seu corpo queimado após cinco jovens colocarem fogo nele por “brincadeira”. O assassinato do líder indígena Galdino Jesus dos Santos, da etnia pataxó-hã-hã-hãe, em 20 de abril de 1997, entrou para a história do país como um dos crimes mais brutais. Hoje, 7 de março de 2025, dois jovens, durante uma transmissão ao vivo, atearam fogo em uma pessoa em situação de rua, no Rio de Janeiro. Até o fechamento dessa matéria, não havia informações do estado de saúde da vítima.
As microrresistências a este tempo que nos parece cada vez mais sombrio, apesar de poucas, têm trazido alento. Na arte, um caminho para aterrar no antropoceno. A premiação do Oscar, que corou Ainda Estou Aqui, mostra que da arte pode também vir a insurgência desestabilizadora de regimes autoritários. O Carnaval, símbolo máximo da cultura brasileira e periférica, em especial a partir do desfile das escolas de samba no Rio de Janeiro, sempre nos fala de personagens da resistência periférica, do racismo e das minorias. Este ano, Paraíso do Tuiuti trouxe para a avenida a primeira travesti do Brasil, Xica Manicongo. Escravizada e perseguida pela Inquisição, ela teve sua história recuperada nas últimas décadas e se tornou símbolo da luta LGBTQIA+ no Brasil. A Comissão de Frente, de maneira especial, colocou a diversidade para sambar na cara da sociedade machista, misógina e preconceituosa.
Desde as ruínas da maior enchente da história do Rio Grande do Sul, romeiros enfrentaram o calor escaldante em uma caminhada “para celebrar a fé e a luta pela defesa do planeta, do meio ambiente, da moradia, da população e da justiça social”. A 47ª Romaria da Terra levou mais de 5 mil pessoas a Arroio do Meio no dia 4 de fevereiro. Com o lema “Reconstruir e cuidar da Casa Comum com fé, esperança e solidariedade”, a Romaria deu visibilidade aos atingidos pela tragédia climática. Um dos participantes, Frei José Frey lembrou quem são as pessoas que caminhavam. “Estamos em milhares de pessoas aqui e se você observar a classe dessas pessoas vai perceber que são pobres. Em toda solidariedade, sempre quem mais é solidário é o pobre. É o pobre quem trabalha, que sabe o que é trabalhar, o quão pesado é. E quando vê seus companheiros nessa situação de tragédia, são os primeiros que vão ajudar. Enquanto que as pessoas que poderiam ter condições muito melhores de solidariedade não aparecem. E ainda criticam quem vem fazer a solidariedade”, disse.
Esses, os pobres, os descartados da sociedade, são o elo mais fraco da corrente. Como nos lembrou o colega Guilherme Tenher, falando sobre o livro A Confissão da Leoa, de Mia Couto: “Na guerra os pobres são mortos, na paz, os pobres morrem”. Para romper com essa lógica, Dom Vicente Ferreira, nos convida a tocar na natureza e nos menos favorecidos. Ele recorda que a nossa salvação está com “os pobres, os presos, os nus, os famintos, [que] serão nossos juízes. A realidade daquilo que está mais descartado nos convoca a viver essa fé solidária com uma opção transparente de estar com os descartados, que são associados ao próprio corpo descartado de Cristo, mas que é também o lugar da Páscoa”.
No Dia Internacional das Mulheres fazemos memória àquelas que são os pilares da sociedade. Elas continuam sendo mortas, estupradas, violentadas, discriminadas pelo machismo e pelo patriarcado. Em 2024, a regressão dos direitos das mulheres chegou a um em cada quatro países sob o aumento da normalização da misoginia. “Os dados do 4º trimestre de 2024 mostram que as mulheres representam 43% da força de trabalho no Brasil, chegando a 48% no município de Porto Alegre. Apesar do crescimento, desafios persistem, como a diferença salarial – 12,8% menor para as mulheres no Brasil e 14,6% no Rio Grande do Sul. Outro ponto de atenção é a informalidade, que atinge 36,9% das mulheres no Brasil”, destacou a 9ª edição do Boletim Especial sobre a presença das mulheres no mercado de trabalho. Nosso agradecimento a todas as mulheres, símbolos da busca por justiça social, dignidade e paz. De Gaza, fica o convite de mulheres e meninas à paz duradoura.
“The war was extremely harsh on us. It drained us completely.”
— UNRWA (@UNRWA) March 8, 2025
On International Women’s Day, women and girls in #Gaza hope for lasting peace. This is their message #ForAllWomenAndGirls#IWD2025 pic.twitter.com/YxempbrYtu