15 Fevereiro 2025
Ainda gritavam, sob a poeira, os homens e mulheres encontrados nos últimos dias em duas valas comuns na Líbia. Não mais com a vozes, mas com seus corpos maltratados sem vida, que mostravam ferimentos de arma de fogo. Dezenove corpos foram descobertos em Jakharrah, cerca de 400 km ao sul de Benghazi, e outros 30 (mas poderiam ser até 70) foram encontrados no deserto de al-Kufra, no sudeste do país.
A reportagem é de Beatrice Guarrera, publicada por L'Osservatore Romano, 12-02-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Isso foi relatado pela Organização Internacional para as Migrações (OIM), que expressou “choque e preocupação” pela descoberta das duas valas comuns na Líbia. Essa não é a primeira vez que reemergem no país corpos de migrantes, pessoas desaparecidas que permanecerão sem nome, sem uma mãe ou um filho para velá-las com dignidade. São homens e mulheres que, supostamente, acabaram sendo vítimas de traficantes de pessoas, enquanto buscavam uma vida melhor, tendo sido forçados a fugir da pobreza e da opressão.
A descoberta das valas comuns “é a enésima confirmação da situação desumana que existe na Líbia, em detrimento de tantos irmãos e irmãs migrantes”, afirma o padre Mattia Ferrari, capelão da ONG Mediterranea Saving Humans, falando às mídias do Vaticano. “Na Líbia existem aqueles que o Papa define de ‘campos de concentração’ e o que as Nações Unidas chamam de ‘horrores’, e essa é mais uma história de atrocidades totalmente inaceitáveis que ferem a nossa consciência humana e cristã”. De fato, lembra o sacerdote, a Líbia não é simplesmente um país de passagem, mas “um país pelo qual os migrantes são obrigados a passar, devido ao fechamento dos canais legais de acesso” e “para o qual são mandados de volta, devido às rejeições sistemáticas que a Itália e a União Europeia financiam”.
Atualmente o número de pessoas que conseguem entrar no território europeu por meio de canais legais é muito reduzido. Desde dezembro de 2023, após a assinatura do protocolo entre o Ministério do Interior italiano, o Ministério das Relações Exteriores e Cooperação Internacional, o ACNUR, a Arci e a Comunidade de Santo Egídio, 592 pessoas chegaram à Itália. As últimas chegaram ontem, terça-feira, 11 de fevereiro, em um voo de Trípoli. São 139 refugiados, dos quais 69 menores de idade, alguns dos quais nascidos na Líbia, onde viveram por muito tempo com suas famílias em condições extremamente difíceis. Afinal, há anos várias organizações internacionais vêm relatando as inúmeras violações dos direitos humanos sofridas pelos migrantes na Líbia: práticas de trabalho forçado, sequestros, extorsões, recrutamento forçado nas milícias, até a arriscada travessia do Mar Mediterrâneo, tentada em barcos improvisados. E o que aguarda aqueles que são rejeitados e enviados de volta à Líbia é igualmente assustador: centros de detenção onde a tortura, o estupro, a falta de comida e de assistência médica, a reclusão em celas superlotadas e condições higiênicas alarmantes estão na ordem do dia.
Mattia Ferrari está familiarizado com a vida desses migrantes, que encontra quando escapam por pouco da morte atuando no Mare Jonio, o navio de socorro da Mediterranea Saving Humans. Também em terra, padre Mattia continua com seu empenho em favor dos sobreviventes, como os da organização Refugees in Libya. “Essas pessoas”, afirma, ”relatam uma violência inacreditável e um sofrimento além dos limites, além da imaginação. Cada pessoa carrega dentro de si uma história, um rosto, uma esperança, que é traída por esse sistema de violência indescritível que acontece de fato com a nossa cumplicidade ou, às vezes, simplesmente com a cumplicidade da nossa indiferença”.
Parecem, de fato, ainda fracas as vozes que se levantam do mundo político para tomar medidas que possam realmente mudar a situação. Um caso emblemático é a história do general líbio Nijeem Osama Almasri, acusado de crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional, o mesmo tribunal que confirmou na segunda-feira, 10 de fevereiro, que havia aberto um processo sobre “o não cumprimento pela Itália de um pedido de cooperação para a prisão e entrega” do general líbio, que foi detido em solo italiano, mas depois repatriado em 21 de janeiro passado. “O que foi feito”, observa o padre Mattia, “exacerbou uma ferida enorme e, portanto, há necessidade de reconciliação, reconciliação com as pessoas migrantes e com aqueles que são vítimas de Almasri”. O convite do sacerdote é, portanto, para se deixar questionar por toda essa dor e depois “abrir nossos corações, porque essas pessoas estão levantando um grito da fraternidade e nos pedem para serem reconhecidas em sua dignidade de irmãos e irmãs”. De fato, ainda há esperança de reverter o curso: “Se nos pegarmos pela mão”, continua, “com a sociedade civil, com as próprias pessoas migrantes, então poderemos construir um novo mundo”, “outro sistema para finalmente dar corpo à fraternidade”. Por causa do que está acontecendo “na Líbia, na Tunísia e em tantas partes do mundo”, a “fraternidade humana” está sendo destruída, afirma Mattia, e “se não a reconstruirmos, não teremos alternativa à barbárie, ao avanço das guerras, das violências, da catástrofe ambiental. Não há outra alternativa a não ser nos redescobrirmos como irmãos e irmãs”.
Seu zelo em viver concretamente o que prega levou o padre a receber ameaças e até mesmo a ser colocado sob proteção, principalmente, ele nos explica, por ter denunciado “o sistema da máfia líbia”, onde “os chefões da máfia líbica lucram com o tráfico de seres humanos, com a repulsão de migrantes, como a ONU também denunciou”. Para as instituições, para a política, para a sociedade, o capelão da Mediterranea Saving Humans pede “para pegar os migrantes pela mão, para ouvi-los, para encontrá-los e depois caminhar juntos. Todos nós”. Ele desempenha seu ministério com paixão como homem e como sacerdote, acompanhado por muitos ativistas, pessoas muitas vezes diferentes dele: “Neles, vejo o amor de Jesus, a paixão de Jesus. Alguns acreditam nele, outros não, mas todos são o samaritano da parábola, vivendo aquele amor visceral que caracteriza o coração de Jesus”.