15 Setembro 2023
"As autoridades deram permissão para partir ao navio Mare Jonio, mas sem equipamento de resgate. Essa tragédia que se repete demonstra que os migrantes não são vítimas do mar, mas de políticas cegas diante da dignidade humana."
Publicamos uma carta de padre Mattia Ferrari, assistente espiritual da ONG Mediterrânea Saving Humans, que atualiza os Bispos sobre o drama dos migrantes e as deploráveis políticas e decretos do governo italiano.
A carta foi publicada por Chiesa di tutti chiesa dei poveri, 13-09-2023.
Caros Padres, entramos em contato com vocês para as atualizações habituais.
As autoridades ordenaram à empresa de transporte marítimo do Mare Jonio que o nosso navio pode partir, mas deve retirar o equipamento de resgate.
Essa medida visa implementar duas circulares do governo anterior destinadas a evitar a existência de navios de socorro civil que arvorem bandeira italiana.
O Mare Jonio, único navio de salvamento civil arvorando bandeira italiana, encontra-se assim na paradoxal situação de ter a ordem de não partir.
Essa tarde [segunda-feira, 11 de setembro] foi divulgado o comunicado, com o qual anunciamos que nos oporemos a essa medida de todas as formas.
Essas escolhas do governo italiano são um ultraje para as mais de 2.300 vítimas no mar em 2023.
Nos últimos dias, entre os nossos queridos amigos, tivemos mais uma vítima dos acordos Itália-Líbia de 2017. O garoto chamava-se Mujahid. Contamos sua história ontem no La Stampa e vocês podem lê-la neste link:
Mujahid Hajji, 21 anos, da Etiópia. Era um nosso caríssimo amigo. Ele chegou à Líbia no final de 2021 e rapidamente se juntou ao protesto de Refugees in Libya, que durou três meses em meio a dificuldades extremas, até que em 10 de janeiro de 2022 o grupo foi violentamente expulso pelo DCIM. Mujahid buscou várias vezes a proteção do ACNUR Líbia: não conseguindo obtê-la, em março de 2023, teve que atravessar o mar para tentar entrar na Europa, mas foi interceptado com a força pelas milícias SSA da Líbia. Mujahid foi assim deportado para a Prisão de Abu Issa. Durante a sua detenção, sofreu graves torturas e privação de bens de primeira necessidade como comida, água e cuidados médicos, o que levou à desnutrição grave e à tuberculose.
Há um mês, devido ao agravamento do seu estado de saúde, as milícias expulsaram Mujahid do campo de detenção e o abandonaram na rua. Outros migrantes o encontraram e lhe ofereceram refúgio. Fizeram inúmeras tentativas de entrar em contato com o ACNUR e ter acesso a cuidados médicos, mas não tiveram sucesso.
Incapazes de suportar as mentiras e a negligência do ACNUR, nos últimos dias decidiram levar Mujahid no departamento de registro, na esperança de receber os cuidados médicos que desesperadamente precisava. Tragicamente, depois de horas de espera pela assistência médica, Mujahid sucumbiu à sua doença, deixando-nos devastados enquanto mulheres e crianças o viam morrer.
Devemos gritar bem alto a verdade: Mujahid foi assassinado pelos acordos Itália-Líbia. E como ele muitas outras pessoas. Seu sangue recai sobre aqueles que fizeram aqueles acordos em 2017, sobre aqueles que os defenderam, sobre aqueles que os renovaram. E recai sobre todos nós que, apesar de lutarmos, não conseguimos obter seu cancelamento.
O caso de Mujahid e de muitos jovens como ele deve perturbar as nossas consciências. Se somos cristãos, temos que nos sentir ainda mais desconfortáveis, porque se cremos no Evangelho então sabemos que Jesus pedirá conta do porquê permitimos que tudo isso acontecesse.
Nos últimos dias aconteceu em Roma o festival do Mediterrânea, que reuniu vários milhares de pessoas.
Neste link pode-se ler um belíssimo artigo do Osservatore Romano sobre o festival.
Somos gratos ao Papa Francisco por enviar uma mensagem de saudação, mais um atestado de amizade como as citações públicas que fez do Mediterrânea e a nomeação de Luca Casarini no Sínodo.
Somos gratos ao cardeal Zuppi por ter aceitado abrir o festival.
Somos gratos às muitas pessoas que participaram.
Aguardamos com grande confiança o encontro de Marselha, onde graças ao Cardeal Aveline e a Dom Alexis Leproux uma delegação do Mediterrânea estará presente para partilhar a nossa experiência.
A atenção aos pobres, aos dramas reais do Mediterrâneo e o envolvimento direto daqueles que trabalham pessoalmente para construir a fraternidade no Mediterrâneo fazem com que o encontro de Marselha possa ser realmente uma experiência sinodal.
Graças ao cardeal Aveline, a dom Alexis e aos seus colaboradores, o encontro de Marselha apresenta-se realmente como uma oportunidade histórica para a Igreja e para todo o Mediterrâneo para realizar um “salto à frente” na construção da civilização do amor no nosso mar.
Que Jesus nos ajude sempre a construir o Seu Reino, a civilização do amor, no Mediterrâneo.
E sempre graças a todos os bispos que de diversas maneiras acompanham a missão do Mediterrânea ao lado dos irmãos mais pequenos de Jesus, fazendo-nos sentir acompanhados por Jesus, o Bom Pastor.
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Ultraje às vítimas no Mediterrâneo. Carta de Mattia Ferrari, assistente espiritual da ONG Mediterrânea Saving Humans - Instituto Humanitas Unisinos - IHU