24 Janeiro 2025
Embora os efeitos das mudanças climáticas sejam cada vez mais evidentes, os países latino-americanos enfrentam um panorama complexo quando se trata da defesa contra incêndios florestais e urbanos.
Na Patagônia argentina, o incêndio destruiu mais de 10 mil hectares de floresta nativa, incluindo áreas do Parque Nacional Nahuel Huapi, e há incêndios ativos no Chile, também no sul da América do Sul, que custaram a vida a três brigadistas.
Mongabay Latam conversou com especialistas para explicar o que está acontecendo em alguns dos territórios mais afetados por estes fenômenos na região.
Os especialistas concordam em dizer que é urgente que os governos latino-americanos, muitas vezes sobrecarregados em capacidades, redobrem os esforços de prevenção e aloquem recursos suficientes para estratégias de manejo de fogo e para o combate oportuno dos incêndios florestais.
A reportagem é de Astrid Arellano, publicada por Mongabay, 22-01-2025. A tradução é do Cepat.
Os incêndios em Los Angeles, Califórnia, atingem níveis alarmantes. Entretanto, os países latino-americanos não estão isentos de passar por uma situação similar. Na Patagônia argentina, no outro extremo do continente, o fogo devastou mais de 10.100 hectares desde o início do verão austral, afetando o Parque Nacional Nahuel Huapi, entre outras áreas. No Chile, os incêndios florestais até este momento de 2025 provocaram a morte de três brigadistas.
Estes não são os primeiros grandes incidentes ocorridos naquela região dos Estados Unidos, porém, uma particularidade os colocou no centro das atenções internacionais: os incêndios passaram de incêndios florestais a urbanos, como também aconteceu no Chile em 2024. E não se apagam. Em menos de um mês, o incêndio em Los Angeles – desde que eclodiu em 7 de janeiro de 2025 – provocou não apenas a destruição de mais de 14 mil casas e infraestruturas, mas também a perda irreparável de quase trinta vidas humanas.
Em 2024, Bolívia, Chile, Colômbia, Equador, México, Paraguai, Peru e Argentina foram afetados por incêndios que causaram mortes e devastaram florestas e a sua biodiversidade, levando inclusive alguns dos seus governos a declarar a situação de desastre nacional.
Quão preparada está a região para enfrentar incêndios em 2025? Segundo especialistas no assunto, há nisso um alerta generalizado que não deve ser descartado. Este é um apelo especial de atenção para os governos latino-americanos, geralmente sobrecarregados em termos de capacidade, para trabalharem na prevenção, para alocarem recursos suficientes para estratégias de gestão de incêndios e para combaterem oportunamente os incêndios florestais. Acima de tudo, num momento em que os efeitos das mudanças climáticas – como ventos mais fortes, temperaturas elevadas e estiagens prolongadas – se combinam com ações humanas e incêndios criminosos, gerando incêndios com resultados catastróficos.
“Há uma transformação do ambiente em que o fogo se espalha e as coisas agora se complicam sob os efeitos da mudança climática em escala planetária”, diz Enrique Jardel, especialista mexicano em manejo de fogo e professor do Departamento de Ecologia e Recursos Naturais da Universidade de Guadalajara.
“Faz meio século que falamos de gestão de incêndios, assim como falamos de planejamento urbano, de controle da expansão desordenada das cidades e de ações de mitigação das mudanças climáticas”, prossegue Jardel. “Agora há uma situação em que estes fatores se entrelaçam e vemos aquele triste e mau exemplo dos incêndios de Los Angeles, que ocorrem numa região densamente povoada, que sofreu uma transformação significativa da paisagem e que, pelas características do seu clima e vegetação, podemos dizer que é um dos ambientes mais inflamáveis do mundo”, acrescenta.
“É claro que é uma lição que devemos aprender, porque condições semelhantes podem ocorrer na América Latina”, afirma o especialista.
Mongabay Latam conversou com especialistas para explicar a complexa situação. Este é o panorama latino-americano, visto a partir do México, Colômbia, Argentina, Chile e Bolívia.
Desde o início de 2025, a Argentina enfrenta três incêndios florestais de grandes proporções na região da Patagônia. Na localidade de Epuyén, província de Chubut, o fogo consumiu aproximadamente 3.000 hectares de florestas. Segundo vários relatos da mídia argentina, até 20 de janeiro de 2025, as chamas já haviam destruído pelo menos 50 casas e obrigado mais de 200 famílias a evacuarem a área localizada no extremo sul do país.
Enquanto isso, outro incêndio iniciado no final de dezembro passado no Parque Nacional Nahuel Huapi não foi apagado. Até à data, devastou mais de 5.000 hectares desta reserva florestal perto da fronteira com o Chile. A situação é crítica. A combinação de tempo seco, falta de chuva, ventos fortes e fraca capacidade de resposta do governo complicou a situação.
“A Argentina não parece estar preparada em nível provincial ou nacional para um cenário de crise climática que coloca as florestas andino-patagônicas em risco muito maior – especialmente no verão”, afirma Hernán Giardini, coordenador da campanha do Greenpeace Argentina.
No final de janeiro, ocorreu um terceiro foco de incêndio na região que atingiu 2.000 hectares de florestas e pastagens nativas na província de Chubut, na comuna rural de Doctor Atilio Oscar Viglione, explica Giardini.
O especialista sustenta que estes incêndios são um exemplo da fragilidade do sistema de gestão de incêndios no país. “Os recursos federais para toda a questão do ambiente foram diminuídos. Há uma decisão política de não investir muito dinheiro no meio ambiente, o que terá repercussões no médio prazo, por exemplo, com os brigadistas que estão em situação de fragilidade trabalhista”, explica Giardini.
Os brigadistas não possuem contratos permanentes e são poucos se comparados às áreas que devem ser atendidas. Cada vez que ocorre um incêndio, outros grupos de brigadistas devem ser mobilizados de outras províncias para as áreas afetadas.
Giardini destacou a necessidade de maior investimento na prevenção de incêndios e em infraestruturas de resposta rápida, assim como de uma legislação mais rigorosa para criminalizar a destruição intencional de florestas. “Os esforços de prevenção e infraestruturas para ataques rápidos de incêndio devem ser aumentados significativamente – tanto a nível provincial como nacional”, afirma.
O especialista sugere que é necessário “que o Congresso Nacional trabalhe em projetos que ficaram, em muitos casos, parados para a penalização da destruição ilegal de florestas, seja por conversão com desmatamento ou com queimadas. Essa seria mais uma ferramenta importante para deter aqueles que tentam destruir ilegalmente as duas florestas”, finaliza Giardini.
O ano acaba de começar e na Colômbia as altas temperaturas e a estação seca já ativaram os alertas de ameaça de incêndio para 304 municípios, localizados principalmente na região andina, segundo o Instituto de Hidrologia, Meteorologia e Estudos Ambientais (Ideam) em seu relatório mais recente, publicado no dia 20 de janeiro. Isto, de acordo com as autoridades, deve-se ao fato de o país apresentar atualmente pouca nebulosidade e chuva, bem como temperaturas máximas e elevada radiação solar, fatores que ressecaram a vegetação, transformando-a em material potencialmente inflamável.
“Ventos fortes e áreas anteriormente desmatadas podem fazer com que o fogo se espalhe rapidamente com a biomassa seca e acumulada pronta para ser queimada”, afirma Rodrigo Botero, diretor da Fundação para a Conservação e o Desenvolvimento Sustentável (FCDS). “Que eu saiba, não existe nenhum país na América Latina com um sistema de queimadas controladas para reduzir a biomassa vegetal”, afirma.
Segundo Botero, a Unidade Nacional de Gestão de Risco de Desastres (UNGRD) da Colômbia demonstrou ter boa capacidade para obter e fornecer informações. Esta organização dispõe de um sistema de monitoramento não apenas de incêndios, mas de outros riscos naturais e que, por sua vez, está ligado a instituições ambientais, ministérios, autoridades territoriais e aos bombeiros departamentais e municipais.
No entanto, o país enfrenta um grande problema quando se trata de lidar com incêndios de grandes proporções. “O seu gigantesco calcanhar de Aquiles é, realmente, que é ainda um sistema muito rudimentar, manual, onde dependemos do apoio da Força Aérea, que tem algumas aeronaves preparadas para esse fim. É necessário o desenvolvimento de uma frota aérea de controle de fogo robusta e permanente, independente das Forças Militares”, explica Botero.
Durante a temporada de incêndios florestais de 2024, o Governo declarou uma situação de desastre e calamidade, que “marcou um ponto crítico para a Colômbia, com um aumento significativo na frequência e gravidade destes eventos devido às altas temperaturas globais”, reconheceu a UNGRD num comunicado publicado no dia 17 de janeiro.
Atualmente, anunciaram que estão se preparando para proteger áreas fundamentais durante 2025, especialmente com planos de resposta específicos para parques nacionais considerados vulneráveis, como El Tuparro, Isla Salamanca, Cinaruco, Sumapaz e Sierra Nevada de Santa Marta.
No entanto, Rodrigo Botero destacou que a Colômbia apresenta um problema particularmente grave e diferente de outros países da região: a presença de incêndios em áreas dominadas pelos grupos armados e que colocam em risco a integridade dos corpos de bombeiros.
“Este é um país onde ocorrem incêndios e campos minados ao mesmo tempo; isso é muito grave, imagina o nível de risco”, diz Botero. “A questão é tão grave que foi até discutida nas mesas de negociação e diálogo para incluir o protocolo explícito de cessação das hostilidades contra o pessoal que responde a desastres naturais, incluindo os incêndios. Parece-me que este é um precedente mundial muito importante”, afirma o especialista.
Outra questão que considera importante é destacar que na Colômbia há uma minimização do crime de incêndios provocados no código penal. “Deve haver um cenário de tipificação legal para o manejo de fogo e para sua tipificação como crime nos casos em que se comprovem a premeditação e os danos dolosos aos recursos naturais e aos serviços ambientais”, conclui.
No México, os registros da Comissão Florestal Nacional (Conafor) indicam que 2024 foi um dos anos mais devastadores para o meio ambiente. Mais de 1,6 milhão de hectares foram consumidos pelos 8.002 incêndios registrados nos 32 Estados da República, sem exceção.
Segundo o Ministério do Meio Ambiente e Recursos Naturais (Semarnat), nos últimos três anos o país passou por um período prolongado de estiagem, somado a uma variação climática que favoreceu temperaturas mais altas. Os primeiros incêndios de 2025 já se fazem notar. Até o momento, foram registrados 46 incêndios florestais em sete Estados, destruindo uma área de mais de 522 hectares, segundo o Serviço Meteorológico Nacional (SMN).
Enrique Jardel, especialista mexicano em manejo de fogo, destaca que o México, assim como muitos outros países do mundo, seguiu uma política de apagar os incêndios, respondendo quase sempre de forma reativa aos incêndios, mobilizando combatentes e investindo cada vez mais em tecnologia com máquinas e aeronaves.
Embora considere que houve avanços nas capacidades de combate a incêndios, para Jardel a conversa sobre o manejo de fogo com base em princípios ecológicos ainda precisa ser feita em muitas regiões do país.
“Esta é uma questão um tanto relegada na política ambiental e florestal, que, por si só, estão sempre em segundo plano”, afirma Jardel. “Embora tenha havido momentos em que os orçamentos aumentaram, a tendência nos últimos anos é de redução de parte dos recursos aplicados a estas questões”.
Além disso, sustenta que, “paralelamente, há uma maior transformação da paisagem, mais pessoas vivendo em contato com áreas florestais e mudanças climáticas, e o que observamos durante o último semestre foi que a área incendiada praticamente triplicou em relação à média dos 30 anos anteriores”, afirma o especialista.
Com esta tendência para uma maior área afetada pelos incêndios, Jardel sugere que se preste especial atenção à gestão das terras florestais para alcançar atividades eficazes de prevenção e controle de incêndios, através da gestão ecológica dos incêndios.
“É um processo social e, claro, implica uma política bem desenhada”, conclui o especialista. “Esperemos que nesta administração [federal] essas questões se fortaleçam e que não continuem relegadas a um segundo ou terceiro plano, porque no final das contas dependem disso os recursos, o abastecimento de água das cidades e da agricultura e, claro, a conservação da biodiversidade, por isso é uma questão prioritária”.
Atualmente, no Chile existem 74 focos de incêndio, dos quais 11 ainda estão sendo combatidos, 29 controlados e 34 foram apagados, explica Estefanía González, vice-diretora de Campanhas do Greenpeace Chile, em entrevista ao Mongabay Latam. As tarefas de combate aos incêndios custaram a vida de três brigadistas privados, que trabalhavam para a empresa Servicios Forestales Nacimiento. Suas mortes ocorreram no domingo, 19 de janeiro, durante o combate a um incêndio florestal na região de La Araucanía.
“A situação tem sido bastante complexa, sobretudo nas regiões centro e centro-sul do país, que são as mais afetadas agora e também historicamente”, acrescenta. “Alguns dos incêndios mais complexos estão ocorrendo na região de La Araucanía, na comuna de Los Sauces, com mais de 400 hectares queimados, e na Região Metropolitana, na região de El Canelo, com mais de 100 hectares atingidos”, afirma González.
A temporada de incêndios pode se prolongar até abril ou maio, razão pela qual ainda é cedo para fazer um balanço, acredita. Por isso, a especialista pede ainda atenção especial às regiões de interface urbano-rural e às regiões com plantações de pinus e eucaliptos, que são altamente inflamáveis.
“Esperamos que os esforços de prevenção funcionem, que haja uma resposta rápida aos incêndios e que todos os recursos estejam disponíveis para combater os focos que surgirem”, conclui.
Marlene Quintanilla acredita que os incêndios na Bolívia são vividos de forma tão descontrolada que cada ano são mais vorazes que o anterior. “O ano de 2024 foi catastrófico”, afirma a engenheiro florestal e diretora de Pesquisa e Gestão do Conhecimento da Fundação Amigos da Natureza.
“10 milhões de hectares se incendiaram, dos quais uma parte muito importante aconteceu em florestas e em áreas nas quais, em anos anteriores, não identificamos potenciais riscos de incêndios; até as zonas de transição da Amazônia foram devastadas pelo fogo”, afirma a especialista.
Esta situação levou o governo boliviano a declarar “desastre nacional” em setembro de 2024, com o objetivo de canalizar a ajuda internacional e a transferência de recursos econômicos para as regiões mais afetadas. Este passado recente é um alerta para o ano que acaba de começar, considera Quintanilla.
“Houve um progresso muito ligeiro no planejamento de como vamos enfrentar mais um ano de incêndios, está tudo ao calor da emergência e isso é algo que se convida a mudar no país”, afirma. “Evidentemente este é um ano particular de mais desafios onde o contexto econômico do país também está numa condição difícil e diferente de três anos atrás, quando tínhamos uma condição econômica em que os recursos poderiam ter sido alocados. Este é um ano economicamente mais complexo para o país”, afirma Quintanilla.
Dada a falta de recursos, o melhor é reforçar a prevenção. “Em termos políticos, temos que proteger mais ecossistemas e mais florestas, porque são eles que mitigam os efeitos das mudanças climáticas”, afirma Quintanilla.
Além disso, é urgente reforçar o quadro regulamentar das leis para punir de forma exemplar os incêndios provocados por humanos. “Não existem sanções realmente exemplares para reduzir esta pressão”, considera a especialista. Enquanto isso não melhorar, acrescenta, haverá pessoas que usam o fogo para tomar e habilitar terras, com incêndios que não só ocorrem na área que têm interesse em queimar, mas que se expandirão com os ventos e a temperatura que ocorre devido aos efeitos das mudanças climáticas.
“Na Bolívia não temos preparação e economia suficientes para lidar com esses mega incêndios que ocorreram na administração passada”, conclui a especialista. “Abordar a prevenção seria a área mais importante, e o marco regulatório é fundamental para isso”.