07 Janeiro 2025
"Após o Concílio de Trento, a Igreja tentaria até mesmo eliminar as imagens em que a própria Maria aparece como humana demais (o desmaio sob a cruz, por exemplo): era realmente impensável representar Jesus ou Deus Pai comovidos! E o ponto, em vez disso, era exatamente esse: Deus é o misericordioso porque, diante de seus filhos (mesmo os mais ingratos, corruptos e irredimíveis), sua íntima compaixão de pai se agita, e nem mesmo ele pode pará-la", escreve o historiador da arte Tomaso Montanari, professor da Universidade Federico II de Nápoles, em artigo publicado por Vita Pastorale, janeiro de 2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
A esperança não decepciona. Esse é o título escolhido pelo Papa Francisco para a Bula que anuncia o Jubileu, que teve início em 24 de dezembro, véspera de Natal. Nela, se explica o que é a indulgência, redimindo-a da aura de suspeita gerada pelos abusos temporais que foram cometidos ao longo da história: “A indulgência, de fato, permite descobrir quão ilimitada é a misericórdia de Deus. Não é por acaso que, na antiguidade, o termo ‘misericórdia’ era intercambiável com o termo ‘indulgência’, precisamente porque se destina a expressar a plenitude do perdão de Deus que não conhece limites. O sacramento da penitência nos garante que Deus cancela os nossos pecados. As palavras do Salmo retornam com sua carga de consolação: ‘Ele é o que perdoa todas as tuas iniquidades, que sara todas as tuas enfermidades, Que redime a tua vida da perdição; que te coroa de benignidade e de misericórdia. [...] Misericordioso e piedoso é o Senhor; longânime e grande em benignidade. [...] Não nos tratou segundo os nossos pecados, nem nos recompensou segundo as nossas iniquidades. Pois assim como o céu está elevado acima da terra, assim é grande a sua misericórdia para com os que o temem. Assim como está longe o oriente do ocidente, assim afasta de nós as nossas transgressões. (Sl 103,3-4.8.10-12)”.
Na iconografia da arte italiana, essa abertura ilimitada de Deus, Pai e Filho, à misericórdia não teve uma representação direta, e preferiu-se atribuí-la a Maria, mater misericordiae: uma escolha natural, que, no entanto, apresenta dois problemas. O primeiro é a lacuna entre a misericórdia da Mãe e a verdade do Filho, quando, por outro lado, o fulcro da proclamação messiânica é que “a misericórdia e a verdade se encontrarão, a justiça e a paz se beijarão” (Sl 85). A segunda é que o “monopólio” de Maria tornou possível não atribuir o poder interior da misericórdia a Jesus ou a Deus Pai: para evitar, em suma, uma feminilização de Deus que teria derrubado os estereótipos de gênero.
Após no Concílio de Trento, a Igreja tentaria até mesmo eliminar as imagens em que a própria Maria aparece como humana demais (o desmaio sob a cruz, por exemplo): era realmente impensável representar Jesus ou Deus Pai comovidos! E o ponto, em vez disso, era exatamente esse: Deus é o misericordioso porque, diante de seus filhos (mesmo os mais ingratos, corruptos e irredimíveis), sua íntima compaixão de pai se agita, e nem mesmo ele pode pará-la. Quando fica sabendo que seu amigo Lázaro morreu, Jesus chora: mas em vão se procuraria o Senhor em lágrimas em nossa história da arte. E a tradução italiana dos Evangelhos adoçou, a ponto de deturpar, o vasto repertório em que Jesus literalmente sente a compaixão mais íntima. Na cidade de Naim, ele vê uma mãe viúva levando seu único filho para a sepultura: sem que ninguém lhe pergunte nada, Jesus se aproxima e o ressuscita, porque “sua íntima compaixão o moveu” (Lc 7). O mesmo acontece com os dois cegos de Jericó (Mt 20). E quando o leproso lhe grita: “Se queres, bem podes limpar-me”, é a mais íntima compaixão que leva Jesus a responder-lhe: “Quero, sê limpo!” (Mc 1).
Mas esse Jesus intimamente misericordioso não ganhou um lugar na iconografia controlada há séculos pela Igreja. No entanto, é o próprio Jesus que sugere algumas imagens: “Jerusalém, Jerusalém, que matas os profetas, e apedrejas os que te são enviados! Quantas vezes quis eu ajuntar os teus filhos, como a galinha os seus pintos debaixo das asas, e não quiseste?” (Lc 13). Mas se temos, em séculos de arte cristã, infinitas representações de um Jesus-pelicano que rasga o peito para alimentar seus filhotes (uma alegoria transparente da Paixão), não temos sequer um Jesus-galinha protetora: porque um Cristo feminino, uterino, era impensável para o poder masculino do clero. Talvez não por acaso, a representação mais feliz desse Deus pai e mãe, que abre seus braços sem limites para seus filhos arrependidos, é encontrada em uma pintura de um artista protestante. É a admirável obra de Rembrandt O Retorno do Filho Pródigo (ou melhor, o Pai Misericordioso). Sob o olhar hostil de seu irmão virtuoso, o filho corrupto e ingrato retornou, maltrapilho e miserável. E “quando ainda estava longe, viu-o seu pai, e se moveu de íntima compaixão e, correndo, lançou-se lhe ao pescoço e o beijou. E o filho lhe disse: Pai, pequei contra o céu e perante ti, e já não sou digno de ser chamado teu filho. Mas o pai disse aos seus servos: trazei depressa a melhor roupa; e vesti-lo, e ponde nele um anel na mão, e alparcas nos pés; e trazei o bezerro cevado, e matai-o; e comamos, e alegremo-nos; porque este meu filho estava morto, e reviveu, tinha-se perdido, e foi achado. E começaram a alegrar-se” (Lc 15,20-24).
O Retorno do Filho Pródigo, de Rembrandt (Foto: Wikimedia Commons)
Rembrandt imagina o pai parado na porta da casa, que vemos atrás dele. Ele está na soleira quando o filho chega, ajoelha-se e desaparece, afundando no peito paterno: o pai se inclina em sua direção, o acolhe. Ele o abraça e, ao mesmo tempo, o abençoa: com duas mãos imensas. Não pede, não julga, não repreende: fecha os olhos de emoção, e ninguém ousa quebrar o silêncio sublime dessa cena. O pai na pintura é, ao mesmo tempo, Deus pai, que se apruma na soleira de sua condição divina para se aproximar do homem, mas também é Deus filho, que cruza aquela soleira com a encarnação; e o filho arrependido é o homem, que, ao cruzar aquela porta, participa da condição divina.
É exatamente a mesma simbologia associada à Porta Santa, que se abre para permitir que o homem se entregue e que Deus o abrace. “Eu sou o caminho”, diz Jesus: ele mesmo é a porta, a soleira, o encontro entre o Pai e a humanidade. E se olharmos para a Porta Santa tendo em mente a pintura de Rembrandt e o texto de Lucas, não podemos deixar de imaginar que aquela porta foi aberta para que um Pai profundamente misericordioso pudesse correr ao nosso encontro e nos abraçar. “E começaram a alegrar-se”.
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Jubileu: a esperança não decepciona. Artigo de Tomaso Montanari - Instituto Humanitas Unisinos - IHU