Por: André | 13 Setembro 2013
Os pecadores não são mais aqueles que se perdem, mas aqueles que se deixam perder e não querem se alegrar com aqueles que são encontrados. O amor de Deus, que sabe encontrar aqueles que se perderam, deve agora encontrar o coração daqueles que não se acham perdidos.
A reflexão é de Raymond Gravel, padre da Diocese de Joliette, Canadá, e publicada no sítio Réflexions de Raymond Gravel, comentando as leituras do 24º Domingo do Tempo Comum – Ciclo C do Ano Litúrgico. A tradução é de André Langer.
Referência bíblica:
Evangelho: Lc 15,1-32
Eis o texto.
Nós continuamos no caminho para Jerusalém, e nas próximas três semanas o Jesus do Evangelho de Lucas faz os seus discípulos compreenderem o tipo de Igreja que ele quer: uma Igreja acolhedora dos pecadores, uma Igreja que sabe investir em valores duradouros e uma Igreja que deve se lembrar de que não pode estar do lado de Deus se se esquece dos pobres, dos abandonados e dos desgarrados da vida. É, portanto, a uma verdadeira revolução que Cristo nos convida hoje: se Deus vem para os pecadores não é para matá-los ou condená-los à exclusão, mas para tomá-los nos braços e levá-los até sua casa, lá onde os anjos se alegram com sua conversão. Jesus nos revelou, portanto, um Deus que nos oferece todas as chances, um Deus cheio de Amor e de misericórdia.
Lucas é, com frequência, chamado de evangelista da misericórdia. Ser misericordioso é abrir seu coração à miséria do outro, dos outros, para detê-la, aliviá-la e transformá-la. Todo o capítulo 15 de Lucas é um ensinamento sobre a misericórdia. Três parábolas se sucedem e seu encadeamento é, sem dúvida, obra de Lucas, que ensina a sua comunidade no final do século I. Semelhantes em muitos aspectos, essas parábolas também têm acentos diferentes. Além disso, as três se dirigem ao mesmo público: aos fariseus e aos escribas, isto é, aos hipócritas que se achavam perfeitos; àqueles que não compreendem que o Cristo do Evangelho possa dar lugares aos publicanos e aos pecadores, isto é, àqueles e àquelas que não valem nada, porque são incrédulos, ladrões, adúlteros, bêbados, prostitutas, homossexuais, etc. Essas três parábolas não são moralizantes; elas querem simplesmente mostrar a gratuidade do perdão, o benefício da misericórdia, a ternura de Deus, seu Amor incondicional e sua alegria quando a esperança é completa.
1. A parábola da ovelha perdida e reencontrada (Lc 15,3-7)
Nesta parábola em que o pastor tem cem ovelhas, como pode abandonar as 99 para procurar aquela que se perdeu? Transposto para o contexto da época de Jesus, os justos e os conformados são as 99 ovelhas que Jesus abandona para procurar a excluída, a ovelha que dizemos perdida. Isso significa que esta ovelha tem sua importância; ela vale as 99 outras. No fundo, a mensagem desta parábola evangélica quer dizer que nós somos salvos não porque somos perfeitos; somos salvos por gratuidade, porque nos deixamos converter por Jesus, e é isso que nos dá a alegria pascal: “Eu lhes declaro: assim, haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converte, do que por noventa e nove justos que não precisam de conversão” (Lc 15,7). O que fez o exegeta francês Jean Debruynne dizer: “Nós não entramos no céu porque somos certinhos. Ser justo não dá nenhum direito, senão o direito de se converter. Justo ou não, nós nunca acabaremos de nos converter ao Amor, que será sempre gratuidade de Deus”.
2. Parábola da moeda perdida e reencontrada (Lc 15,8-10)
Esta parábola contém um sentido idêntico à primeira. Mas, como se trata de uma moeda, podemos ver nisso todo o valor da moeda perdida; ela vale tanto quanto as outras nove. Transposto para a época de Jesus, a prostituta ou o excluído valem tanto quanto o justo e o perfeito.
3. A parábola do pai e dos dois filhos (Lc 15,11-32)
Esta parábola contém duas sequências: a primeira descreve a atitude do pai para com o filho mais novo (Lc 15,11-24) e a segunda fala de seu comportamento diante do filho mais velho (Lc 15,25-32). Cada um dos filhos tem uma imagem falsa do pai. O mais jovem pensa que após os erros que cometeu seu pai não o reconheceria mais como seu filho e que deve se contentar com o fato de seu pai aceitá-lo com servo. O mais velho sempre se comportou como um servo e não como um filho. Ele mesmo declara ao seu pai: “Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua; e nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos” (Lc 15,29). Claramente, no plano da relação com seu pai, os dois filhos tinham a mesma importância. Na época de Jesus, o mais jovem representa o desgarrado da vida; o mais velho, o justo e o perfeito.
Ao contrário das duas parábolas precedentes, o pai não busca, em primeiro lugar, encontrar os seus filhos, ambos perdidos. Ele respeita as suas liberdades. Por outro lado, ele os espera, e quando o mais jovem retorna para ele, o pai corre ao seu encontro para acolhê-lo incondicionalmente, de tal maneira que quando o filho mais novo chega diante de seu pai e lhe quer reconhecer sua falta – “Pai, pequei contra o céu e contra ti. Já não mereço que me chamem teu filho” (Lc 15,21) –, o pai não o deixa nem mesmo terminar de falar. Seu perdão é tão grande e gratuito que o simples retorno do filho mais novo lhe restitui sua dignidade de filho e o faz entrar na alegria da festa: “Mas o pai disse aos empregados: ‘Depressa, tragam a melhor túnica para vestir meu filho. E coloquem um anel no seu dedo e sandálias nos pés. Peguem o novilho gordo e o matem. Vamos fazer um banquete. Porque este meu filho estava morto, e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’. E começaram a festa” (Lc 15,22-24).
Mas há uma grande diferença em relação ao mais velho, o perfeito, o justo. Ao seu retorno dos campos, onde trabalhava como um servo, ele se recusa a entrar e participar da festa, mesmo que o seu pai lhe suplique. Ele se recusa a se converter: “Então o irmão ficou com raiva, e não queria entrar. O pai, saindo, insistia com ele. Mas ele respondeu ao pai: ‘Eu trabalho para ti há tantos anos, jamais desobedeci a qualquer ordem tua; e nunca me deste um cabrito para eu festejar com meus amigos. Quando chegou este teu filho, que devorou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho gordo!’” (Lc 15,28-30). O exegeta Alain Marchadour escreve: “Quando o pai se alegra com o retorno daquele que estava perdido, arrisca-se a perder o filho mais velho”. E é isso que acontece. Marchadour continua: “O filho mais velho perdeu algo que nunca encontrará, aquilo que foi dado ao seu irmão. Ele precisa, por sua vez, fazer a experiência da verdadeira paternidade, ele que diante do seu pai comporta-se como um empregado”.
No caso do filho mais velho, o pai não pode fazer nada; o filho mais velho não pode ser restabelecido como filho, e pior ainda, ele perde o seu irmão: “Quando chegou este teu filho, que devorou teus bens com prostitutas, matas para ele o novilho gordo!” (Lc 15,30). Por outro lado, como a misericórdia de Deus é sem limites, a porta do perdão permanece aberta: “Então o pai lhe disse: ‘Filho, você está sempre comigo, e tudo o que é meu é seu. Mas, era preciso festejar e nos alegrar, porque esse seu irmão estava morto, e tornou a viver; estava perdido, e foi encontrado’” (Lc 15,31-32). Felizmente, a parábola termina aí... Ela deixa a possibilidade que a história possa continuar e que o irmão mais velho encontre também a sua dignidade de filho e entre para a alegria da festa.
Concluindo, que bela mensagem de perdão, de amor e de esperança para nós, hoje, que devemos nos situar em relação aos diferentes personagens ou atores dessas parábolas de Lucas. O francês Patrick Jacquemont resume o evangelho dizendo: “Cem ovelhas, dez moedas, dois filhos. A insistência vai se afunilando, mas o refrão permanece o mesmo: perdido e encontrado. É do amor de Deus, pastor, senhor da casa, pai de família, que Jesus quer falar àqueles que o cercam e que Lucas quer fazer ecoar às primeiras comunidades cristãs. Para os judeus é vital dizer que ninguém é excluído do Reino. Se uma ovelha se perde é prioritário deixar as outras, os fariseus, para encontrá-la. Para os novos convertidos, é importante compreender que se falta uma moeda, é urgente encontrá-la porque cada uma é preciosa e as nove outras não consolam tanto quanto a perdida. Para todos, é bom lembrar que se um filho quis partir para viver sua vida, não é possível esquecê-lo em detrimento do outro que fica. Todos e todas têm, sempre e em cada situação, o mesmo preço, único, aos olhos de Deus. Se julgamos este ou aquele perdido, é porque o nosso amor não é muito apaixonado, perspicaz e paciente para encontrá-lo. Trata-se de uma verdadeira mudança, de uma radical conversão a fazer. Os pecadores não são mais aqueles que se perdem, mas aqueles que se deixam perder e não querem se alegrar com aqueles que são encontrados. O amor de Deus, que sabe encontrar aqueles que se perderam, deve agora encontrar o coração daqueles que não se acham perdidos. Para encontrarem o Reino”.
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Um Deus de misericórdia (Lc 15,1-32) - Instituto Humanitas Unisinos - IHU