09 Setembro 2016
Deus, cuja Palavra acolhemos, revela-se hoje implicado em tudo o que nos diz respeito. Perdoa-nos tudo, até mesmo a nossa irritação perante a sua misericórdia. Não esqueçamos o que a parábola do filho pródigo nos ensina, em especial com respeito ao filho mais velho.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 24º Domingo do Tempo Comum, do Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: “O Senhor desistiu do mal que ameaçava fazer ao seu povo” (Êxodo 32,7-11.13-14)
Salmo: 50(51) - R/ Vou agora levantar-me, volto à casa de meu pai.
2ª leitura: “Cristo veio ao mundo para salvar os pecadores” (1Timóteo 1,12-17)
Evangelho: “Haverá no céu mais alegria por um só pecador que se converta” (Lucas 15,1-32 ou 1-10)
As parábolas do retorno
Todos nós, mulheres e homens que a Bíblia recapitula sob a figura do primeiro Adão, partimos para longe da nossa pátria, representada pelo jardim do Éden. Neste mundo, sentimo-nos deslocados, fora de lugar, dedicados ao culto de nossos bezerros de ouro, fruto da genialidade que Deus nos deu, mas para um uso todo outro. Adoração ao lucro, à notoriedade, aos produtos das nossas ciências e técnicas, sendo todas elas aquisições que haverão de nos trair.
Quem poderá adivinhar se não é a última vez que está usando o seu computador? Ou, pela última vez, conduzindo o seu carro? «Louco! Ainda nesta noite, pedirão de volta a tua vida». E será este o verdadeiro retorno. Nas duas primeiras parábolas, podemos notar uma aparente contradição. Nem da ovelha desgarrada nem da moeda perdida se pede qualquer iniciativa para serem encontradas.
O pastor e a proprietária das moedas de prata é que realizam todo o trabalho. E temos aqui ambos totalmente absorvidos pela centésima e a décima das suas peças; como se as outras que foram preservadas não os interessassem mais. Jesus está quase a nos dizer que o interesse de Deus se concentra essencialmente nos que estão perdidos. E para fechar as duas pequenas parábolas, Jesus equipara estes que Deus foi buscar, sem haver qualquer iniciativa da parte deles, aos pecadores que se convertem.
Então, é Deus que os vai encontrar? Ou são eles que se voltam para Deus? As duas coisas, com certeza. Deus vai nos buscar por mais longe que tenhamos ido, mas é necessária a nossa livre adesão para estes reencontros. Deus não pode fazer nada por nós, apesar de nós mesmos. Converter-nos é aceitar encontrar a nossa verdade, que é a imagem e semelhança de Deus.
O filho que volta
A parábola do filho «pródigo» vem completar o quadro, mostrando-nos justamente que o nosso retorno para Deus comporta um movimento da nossa parte. O filho caçula escolheu a liberdade. Dado por findo o trabalho na propriedade familiar, cabia-lhe o dinheiro de que dispor para o seu prazer. Pois, exatamente em nome da liberdade é que muitos de nossos contemporâneos rejeitam a fé em Cristo. Mas qual liberdade?
Trata-se muitas vezes de curvarmo-nos ao que nos passa pela cabeça, sem a consciência de que, então, nos tornamos escravos de diversos condicionamentos, da publicidade, dos nossos instintos. Em outras palavras, certa ideia de liberdade pode nos levar à alienação. Eis aí justamente o filho pródigo, que passou desta liberdade selvagem à servidão!
Logo ele, que era tão rico, passou à miséria e à fome, sendo menos bem tratado do que os animais de quem cuidava. Foi preciso que chegasse até aí, para rever o seu itinerário, e comparar a vida que estava levando com a prosperidade que conhecera na casa de seu pai. Isto é que vai motivar a sua volta. Não vamos depressa demais pensar que se trata de um mau motivo.
Com certeza, ainda não é por uma questão de amor, mas de, simplesmente, ter o que comer. Jesus nos faz assim compreender que somos seres de necessidade, seres de insuficiência, e que os nossos «ídolos» não podem nos fazer viver. O pai, nas Escrituras, é definido muitas vezes como aquele que dá o pão. O filho pródigo retorna, pois, ao pai por causa do pão. Notemos que ele não está contando com voltar na condição de filho, mas de empregado, um operário, um servidor. Isto porque, na sequência da sua decisão de retornar para a casa do pai, inicia uma "revisão de vida".
A acolhida
O filho deslocou-se para encontrar o pai. Este, por sua vez, foi correndo ao seu encontro. Correu para abraçar o filho enquanto ainda estava longe. Conclusão: por pouco que eu me «movimente» em direção a Deus, Deus põe-se a correr na minha direção. Pouco Lhe importando as razões, se boas ou más, que tenham me levado a me voltar para Ele.
O pai não deixa o filho pródigo nem terminar a sua «confissão». Corta-lhe a palavra para dirigir-se àqueles «empregados» a quem o filho queria se juntar. Pede-lhes para reabilitarem o seu filho: é este o sentido da melhor vestimenta, do anel e das sandálias. E se entregam a um banquete de festa. Notemos que as três parábolas deste capítulo 15 nos falam da alegria que o homem perdido pode obter de Deus, ao voltar-se para a felicidade eterna.
A vontade de Deus não é a morte que possamos nos dar, mas a vida: «Meu filho estava morto e tornou a viver». Fórmula capital, pois é repetida no fim da parábola, associada ao «estava perdido e foi reencontrado». Para bem entender, devemos ver aí uma alusão pascal: afinal, Jesus mesmo é que, na Cruz, irá tomar o lugar do homem perdido e reencontrar o Pai e a Vida.
Desta vez, não me estenderei sobre a reação do filho mais velho diante da reabilitação de seu irmão. Notemos simplesmente que o pai, assim como havia saído para encontrar o filho mais novo, «saiu» também para convidá-lo à alegria. Deus perdoa tudo, até mesmo a nossa irritação diante da sua misericórdia.
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