“Dando o exemplo do que ele mesmo prega, dois dias depois da abertura da Porta Santa na Basílica de São Pedro, em 24 de dezembro, que marca o início do Ano Santo, o pontífice, como bom pastor, irá em busca dos pecadores, daqueles que vivem nas periferias existenciais das prisões”.
O comentário é de Patricia Fachin, jornalista, graduada e mestre em Filosofia pela Unisinos.
Quando, de improviso, Antonio Spadaro abandonou o roteiro da entrevista a ser realizada com o Papa Francisco e perguntou, à queima roupa, “Quem é Jorge Mario Bergoglio?”, recebeu uma resposta evangélica:
“Não sei qual possa ser a definição mais correta… Eu sou um pecador. Esta é a melhor definição. E não é um modo de dizer, um gênero literário. Sou um pecador. Sim, posso talvez dizer que sou um pouco astuto, sei mover-me, mas é verdade que sou também um pouco ingênuo. Sim, mas a síntese melhor, aquela que me vem mais de dentro e que sinto mais verdadeira, é exatamente esta: Sou um pecador para quem o Senhor olhou. Sou alguém que é olhado pelo Senhor. A minha divisa, Miserando atque eligendo, senti-a sempre como muito verdadeira para mim.”
No futuro, como disse o padre Júlio Lancellotti, “não será possível falar deste Papa sem referência à misericórdia como eixo, caminho e horizonte”. A misericórdia foi tema das primeiras homilias do pontífice após a eleição papal. Em 17 de março de 2013, na homilia da missa da Paróquia de Sant’ana, no Vaticano, o Papa falou sobre a mensagem de Jesus para todos os tempos. “A meu ver - humildemente o afirmo -, é a mensagem mais forte do Senhor: a misericórdia. Ele próprio o disse: Eu não vim para os justos; os justos justificam-se sozinhos - alto lá, bendito Senhor! Se Tu podes fazê-lo, eu não posso! Sim, mas eles acreditam que o podem fazer. Eu vim para os pecadores (cf. Mc 2,17).”
Os dilemas, no entanto, frente à misericórdia de Deus são dois: nos reconhecermos pecadores e buscarmos a misericórdia no Sacramento da Reconciliação. Na mesma homilia, o Papa insiste: “Sim, ele veio para nós, se nos reconhecermos pecadores; mas, se formos como aquele fariseu à frente do altar - ‘eu Vos dou graças, Senhor, por não ser como o resto dos homens, nem como aquele que está ali à porta, como aquele publicano… (cf. Lc 18, 11-12) - não conhecemos o coração do Senhor e nunca teremos a alegria de sentir esta misericórdia!”.
Dois anos mais tarde, no discurso ao Movimento de Comunhão e Libertação, o Papa lembrou que “só quem foi acariciado pela ternura da misericórdia conhece verdadeiramente o Senhor. O lugar privilegiado do encontro é o afago da misericórdia de Jesus Cristo em relação aos meus pecados. E por isso, às vezes, vós ouvistes-me dizer que o lugar privilegiado do encontro com Jesus Cristo é o meu pecado. É graças a este abraço de misericórdia que surge em nós o desejo de responder e de mudar, e que pode nascer uma vida diferente”.
O mensageiro da misericórdia de Deus no evangelho é o pregador do deserto, João Batista. Ele não só exorta ao arrependimento dos pecados e ao batismo, como, na leitura deste domingo, exemplifica modos de evitá-los, quando questionado sobre o agir humano. “João respondia: ‘Quem tiver duas túnicas, dê uma a quem não tem; e quem tiver comida, faça o mesmo!’Foram também para o batismo cobradores de impostos, e perguntaram a João: ‘Mestre, que devemos fazer?’ João respondeu: ‘Não cobreis mais do que foi estabelecido. Havia também soldados que perguntavam: ‘E nós, que devemos fazer?’ João respondia: ‘Não tomeis à força dinheiro de ninguém, nem façais falsas acusações; ficai satisfeitos com o vosso salário!’” (Lc 3, 10-14).
Em dezembro de 2021, no voo de regresso da Grécia, o Papa Francisco comentou a gravidade dos pecados no contexto da renúncia do arcebispo de Paris, D. Aupetit. “Os pecados da carne não são os mais graves. Os mais graves são aqueles que têm mais 'angelicalidade': a soberba, o ódio. Assim, Aupetit é um pecador, assim como eu - não sei se você se sente... talvez - como foi Pedro, o bispo sobre quem Jesus Cristo fundou a Igreja. Porque a comunidade daquele tempo havia aceitado um bispo pecador, e aquele era com pecados com tanta 'angelicalidade', como era negar Cristo! Porque era uma Igreja normal, era acostumada a sempre se sentir pecadora, todos, era uma Igreja humilde. Vemos que a nossa Igreja não está habituada a ter bispo pecador, fingimos dizer: o meu bispo é um santo... Não, este chapéu vermelho... Somos todos pecadores. Mas quando o mexerico cresce, cresce, cresce tira a fama de uma pessoa, não, não poderá governar porque perdeu a fama, não pelo seu pecado, que é pecado - como o de Pedro, como o meu, como o teu - mas pelo mexerico das pessoas. Por isso aceitei a renúncia, não sobre o altar da verdade, mas sobre o altar da hipocrisia.”
Dando o exemplo do que ele mesmo prega, dois dias depois da abertura da Porta Santa na Basílica de São Pedro, em 24 de dezembro deste ano, que marca o início do Ano Santo, o pontífice, como bom pastor, irá em busca dos pecadores, daqueles que vivem nas periferias existenciais das prisões. Pessoalmente, abrirá a Porta Santa na prisão de Rebbibia. O gesto não é apenas simbólico; é a real transmissão da esperança e da reconciliação.
Que neste Advento, o Senhor nos dê a graça da contrição do coração e, junto com ela, a da reconciliação.