16º Domingo do Tempo Comum – Ano A – O acontecer do Reino de Deus nas situações humanas do cotidiano

(Foto: Pixabay)

Por: MpvM | 22 Julho 2023

"Os Evangelhos guardam a memória de Jesus, seus companheiros e companheiras, de modo a assegurar às pessoas que não viram e não ouviram Jesus e nem aqueles e aquelas que andavam com ele, serem animadas por estas memórias de fé e esperança.

"Em que pese a constatação da importância da parábola do joio e do trigo, vale muito refletir sobre a diversidade de imagens usadas por Jesus para apresentar o Reino dos Céus. Pensar no reino dos céus como um grão pequenino de mostarda, pode nos fortalecer no nosso trabalho de formiguinhas, em nossos grupos nas casas, com poucas pessoas e muitos desafios. Também a mulher na cozinha, pondo um pouco de fermento na massa pode nos inspirar em nossas lutas cotidianas, algumas vezes solitárias."

 

A reflexão é de Sílvia Souza, biblista popular, membro do Conselho Nacional do Centro de Estudos Bíblicos - CEBI.

 Leituras do dia

1ª Leitura - Sb 12,13.16-19
Salmo - Sl 85,5-6.9-10.15-16a (R. 5a)
2ª Leitura - Rm 8,26-27
Evangelho - Mt 13,24-43

Estamos no tempo litúrgico comum, reservado pelas igrejas, que seguem o lecionário ecumênico, para priorizar a catequese, ou seja, para ressoar a presença da Divindade em meio a humanidade. Neste 16º Domingo do Tempo Comum, somos, todas as pessoas, convidadas a vivenciar a ação de Deus-Pai/Mãe junto ao povo. Acendendo a luz da Bíblia vamos enxergar melhor as expressões da vida plena, resultante da intimidade com a Existência Primordial, a qual Jesus nos ensinou chamar de Pai e nos revelou o coração de Mãe.

A primeira leitura (Sb 12,13.16-19) vem do livro da Sabedoria, catalogado no gênero literárioEscritos de Sabedoria”. Além do livro chamado Sabedoria, estão nesta categoria literária os livros Provérbios, Jó, Eclesiastes e Eclesiástico, formando uma coletânea tardia, expressão da resposta do povo ao Deus de sua experiência. Vale aqui ressaltar que os livros Eclesiástico e Sabedoria não são encontrados em todas as traduções da Bíblia. De todo modo, este conjunto literário pode ser entendido como uma atualização do pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) para a nova realidade advinda do pós-exílio.

O trecho proposto, Sb 12,13.16-19, apresenta o reconhecimento da justiça e misericórdia de Deus, presença cuidadosa na vida de todas as pessoas (v. 13a), perdoando a todas (16c), ensinado ao povo a prática da justiça e vivência da esperança (v.19). Em tempos como os nossos, marcados por diversas formas de preconceitos e discriminações, onde pessoas são excluídas, inclusive, e, até principalmente, nos espaços das igrejas, em razão de suas identidades de gênero, orientação sexual, condição civil, pela racialização, pelo gênero, pela classe social, o povo da Bíblia nos adverte que o Deus da nossa ancestralidade julga como moderação e nos governa com muita indulgência (v.18b-c). A sabedoria pode ser entendida como a capacidade de expressar por diversos meios a intervenção humana em benefício da vida. Para as pessoas autoras do livro da Sabedoria, e para nós suas herdeiras, esta intervenção se dá por inspiração da Divindade.

O Salmo 85, na perícope que lemos hoje, assim como o texto da Sabedoria, faz louvores a Deus em sua bondade e misericórdia (v.5). Os Salmos podem ser entendidos como cânticos orantes, eles buscam ser a dimensão orante da Lei. Por meio dos Salmos o povo ora/reza/canta louvores inspirados na vida cotidiana e no discernimento acerca da lei e da história.

As pessoas cantoras deste Salmo propalam que Deus é cheio de amor com todos[as] que O invocam. (V. 5b). É com este Deus amoroso para com todas as pessoas que o povo celebrava, a Ele clama por justiça e agradece as bençãos recebidas. Deus do amor e do acolhimento, caminhando com seu povo.

A segunda leitura (Rm 8,26-27) vem da carta de Paulo aos Romanos que, juntamente com I e II Coríntios, Gálatas, Filipenses, I Tessalonicenses e Filemon são consideradas escritas pelo próprio Paulo ou ditada por ele à equipe missionária. Assim, são textos muito próximos da realidade vivida durante a expansão da fé em Jesus. Estas cartas brotam das necessidades das comunidades e tentam ser parâmetros a seguir nos caminhos da vida nova.

Os versículos 26 e 27, propostos para a leitura de hoje, concluem uma reflexão que se inicia no versículo 18 e trata das dores vividas pela natureza, pela humanidade e ressoadas pelo Espírito. A comunidade, vivendo suas dificuldades, precisa acreditar que não está sozinha, o Espírito Santo de Deus a acompanha e assiste no nascimento do novo mundo, do qual se vai falar a partir do versículo 28. Importante é ter presente que as nossas dores não são inúteis, quando nos debatermos contra as injustiças, exclusões, pobreza, fome, miséria, estes pecados sociais que destroem toda a natureza e com ela a vida humana, estamos, pela ação do Espírito, parindo a esperança da vida que desejamos ver. Também quando lutamos contra os nossos preconceitos e atos de desamor, estamos construindo novas relações possíveis.

Os Evangelhos guardam a memória de Jesus, seus companheiros e companheiras, de modo a assegurar às pessoas que não viram e não ouviram Jesus e nem aqueles e aquelas que andavam com ele, serem animadas por estas memórias de fé e esperança.

O Capítulo 13 do Evangelho da comunidade de Mateus apresenta o chamado sermão das parábolas. Estudiosos afirmam que segue o texto de Marcos, fazendo acréscimos e recortes. O conjunto de parábolas é o coração daquele evangelho e a parábola do joio e do trigo está na centralidade deste coração.

Em que pese a constatação da importância da parábola do joio e do trigo, vale muito refletir sobre a diversidade de imagens usadas por Jesus para apresentar o Reino dos Céus. Pensar no reino dos céus como um grão pequenino de mostarda, pode nos fortalecer no nosso trabalho de formiguinhas, em nossos grupos nas casas, com poucas pessoas e muitos desafios. Também a mulher na cozinha, pondo um pouco de fermento na massa pode nos inspirar em nossas lutas cotidianas, algumas vezes solitárias.

Podemos sentir que a construção do Reino dos Céus, é algo muito humano, terreno e começa com pequenos atos e sentimentos, o seu crescimento é dado pela ação da Divindade Eterna. Aqui, podemos dialogar com o evangelho de Marcos e trazer a imagem da semente que cresce sozinha (Mc 4,26-29), apenas precisando que a coloquemos na terra. Em tempos de tantos desafios, cultivar a fé que precisamos fazer a nossa parte e a amorosidade divina cuidará do todo é um grande refrigério.

Quanto a parábola do joio e do trigo, vamos pensar nos destinatários do evangelho de Mateus, o povo Judeu convertido à fé em Jesus, que viveu durante séculos separado de outras nações, na firme observância da lei e agora é convidado a viver em uma comunidade aberta e acolhedora. Certamente vem o desejo de extirpar tudo que for estranho, diferente. Este mesmo desejo pode tomar conta de nós, no que diz respeito às pessoas de nossa família, trabalho, comunidade, igreja e por aí segue.

A dúvida é: sabemos mesmo, antes que se manifeste plenamente em ações contrárias à vida, o que é bom ou mau? Vamos lembrar das palavras de Jesus: Não! pode acontecer que, arrancando o joio, arranqueis também o trigo. (v.29b). O diabo (divisor) plantou joio no meio de nós ou plantou o espírito de divisão em nossos corações? Estaria o desamor egoísta nos impedindo de ver que há lugar para todas as pessoas e que não compete a nós julgá-las? Jesus vai dizer que não compete aos operários e operárias julgar e condenar pois haverá um tempo em que o Filho do Homem enviará os seus anjos, e eles retirarão do seu Reino todos os que fazem outros pecar e os que praticam o mal (V41).

Por agora, nós, pessoas operarias, cuidemos juntas do campo, evitemos praticar o mal e levar outras pessoas a fazê-lo. Vamos semear mostarda, misturar fermento, nos juntar às pessoas que nos legaram a memória da fé viva através dos livros da Sabedoria, dos Salmos, da Carta aos Romanos e do Evangelho de Mateus para louvar e agradecer a presença Eterna, Amorosa e Justa que caminha em meio a nós.

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