07 Janeiro 2025
A raiva ajuda: a suíça Helena Jeppesen-Spuhler organizou a revolta das mulheres no Sínodo dos Bispos em Roma. Agora espera que Francisco tenha escutado com atenção.
A entrevista é de Michael Schrom e Matthias Drobinski, publicada por Publik-Forum, 20-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Dizem que a senhora foi fundamental na organização da revolta das mulheres contra o Dicastério da Doutrina da Fé no Sínodo Mundial dos Bispos de outubro, quando o Cardeal Fernandez anunciou que não se devia falar das mulheres diáconas. Isso é verdade?
Bem, foi uma revolta de muitas mulheres. E estavam envolvidos também bispos e cardeais.
Mas sem as mulheres não se teria chegado a isso, não é mesmo?
As vozes corajosas vieram das mulheres. Sem elas e sem os leigos, o sínodo teria ficado mais apagado. Assim, foi mais fácil para os bispos progressistas se unirem a nós. Sem os “leigos”, eles provavelmente não teriam sido bem-sucedidos na dinâmica. Assim, tornei-me uma espécie de representante de classe. Não preciso temer perder meu emprego. O fato positivo foi que, depois desse clamor, a questão feminina não pôde mais ser tirada do caminho.
Essa era a intenção do Prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o Cardeal Fernandez?
Acredito que o Cardeal Fernandez seja um homem inteligente e fundamentalmente aberto. Após o clamor do debate, ele ficou do nosso lado. Isso não teria acontecido nem com Ratzinger nem com Müller.
De onde vem a incapacidade de manter um debate construtivo?
Fernandez é um bom exemplo da impotência que eu mesmo sinto com frequência. Ele não é um reacionário. Mas está enredado em esquemas de pensamento que o impedem de enfrentar a questão adequadamente. E assim se fica contornando a questão: é melhor não falarmos sobre isso, precisamos de tempo, ainda precisamos investigar... Não são apenas as mulheres que estão fartas dessa situação.
Fernandez não pode dizer nada que contradiga a opinião do Papa. E Francisco já afirmou várias vezes que não acredita na ordenação das mulheres.
Não sou mais tão pessimista. Francisco escutou o nosso protesto e o Cardeal Fernandez disse que a questão do diaconato feminino está em aberto. Ele não poderia fazer isso sem ter falado com ele sobre o assunto.
Mas como isso vai continuar agora?
Eu gostaria que houvesse uma terceira assembleia, mas isso não é realista. É mais realista pensar em reuniões regionais. Nesses âmbitos se deveria discutir os resultados dos grupos de estudo que Francisco criou antes do sínodo e todas as questões de conflito que não foram abordadas no sínodo. Os resultados poderiam então ser enviados ao Papa Francisco. Para poder ir em frente, nós, delegados sinodais, precisamos trabalhar em rede em nível mundial.
O tempo está se esgotando. O pontificado está chegando ao fim, um catolicismo reacionário está ganhando força nos Estados Unidos e em outros lugares. Aqueles que se opõem à reforma podem esperar e ver como as coisas vão se desenrolar.
Isso me preocupa bastante. Se não repensarmos a questão do ministério agora, poderemos perder o momento oportuno. Mas então muitos deixarão a Igreja Católica, pelo menos na Alemanha, Áustria e Suíça. E isso seria um sinal devastador em nível mundial, também do ponto de vista político.
Por que político?
Os direitos das mulheres são cada vez mais ignorados no mundo todo, o movimento feminino e o debate sobre o gênero são difamados. É importante como a Igreja Católica se posiciona. Não é crível se, por um lado, defende os direitos humanos e, por outro lado, nega às mulheres um direito fundamental.
Se às Igrejas locais fosse concedida mais autonomia, as Igrejas de língua alemã poderiam dizer: vamos considerar os argumentos, vamos escutar o povo de Deus - e introduzir a ordenação das mulheres diáconas?
Isso seria emocionante. Na Suíça, os bispos estão muito nervosos porque sabem que precisam responder às perguntas, às demandas e às necessidades do povo da Igreja. Precisamos de um grupo de pressão forte para o diaconato e para o acesso aos ministérios ordenados. Infelizmente, a Conferência Episcopal Suíça não pode ser porque, ao contrário da Alemanha, é um órgão muito fraco e o catolicismo da Suíça alemã é diferente daquele da Suíça italiana ou francesa.
O caminho sinodal (alemão) poderia ser um modelo?
As Igrejas da Europa Oriental e as Igrejas Ortodoxas unidas a Roma ainda não estão familiarizadas com esses processos. Mas posso imaginar que isso seria possível nos países de língua alemã e na região alpina.
Em Roma, o processo sinodal (alemão) foi frequentemente considerado como um exemplo negativo: não queremos esse tipo de controvérsias, essa dureza nos debates. Essa imagem mudou muito. Quando o bispo Bätzing informou que existe um Conselho Sinodal na diocese de Limburg, com o qual toma decisões em conjunto, houve muito consenso. Enquanto isso, os textos do Caminho sinodal (alemão), que foram traduzidos para vários idiomas, estão sendo efetivamente lidos.
Na senhora prevalece a alegria pelo que foi alcançado ou a frustração pela forma como as coisas aconteceram?
Eh... É difícil dizer. Francisco me surpreendeu de forma positiva quando aprovou imediatamente o documento final. Foi a melhor coisa que poderia ter acontecido. Os conservadores estavam esperando atrasar e diluir tudo. Francisco acabou com essa esperança. Agora as igrejas locais podem fazer muito. Espero que a pressão da base permaneça mesmo quando os bispos tentam bloquear.
Se a senhora disser a uma jovem: Que bom! O papa não disse não ao diaconato para as mulheres - ela lhe responderá: Esse é todo o seu progresso?
Eu entendo isso. Na Suíça, temos mulheres líderes comunitárias que, há 40 anos, fazem tudo, exceto a unção dos enfermos e a celebração da Eucaristia. No entanto, o reconhecimento sacramental das mulheres por meio da ordenação é importante. A ordenação de diáconas é o primeiro passo. Os opositores sabem bem disso e nos acusam de praticar a tática dos pequenos passos e, na realidade, querer muito mais. Ao que eu respondo: sim, é claro, por que não?
O que mudaria um diaconato feminino?
Acabaria com a ideologia de que as mulheres, como tais, não podem receber ordenação. Um dos momentos mais fortes das reuniões sinodais foi quando as mulheres contaram como se sentiam chamadas para os ministérios ordenados. Muitos bispos perceberam, pela primeira vez, que a voz que os levou a tomar sua decisão de vida também foi ouvida pelas mulheres. Uma mulher estadunidense, que trabalha com os pobres e sem-teto, disse em um encontro fora da assembleia sinodal: “Se eu tivesse a ordenação, as pessoas com quem trabalho também teriam um lugar mais apropriado na Igreja”. É assim que as coisas estão.
Realmente acredita que o Papa mudará de opinião?
Espero que sim. Muitos bispos e cardeais também não aguentam mais. Os debates no Sínodo foram muito fortes, também na presença do Papa. Sentada à minha mesa estava a presidente das religiosas italianas. No ano passado, eu não a tinha notado, mas este ano ela foi falar com o Papa duas vezes durante os intervalos e disse que as portas não deveriam ser fechadas. Acho que o Papa entendeu que algo havia acontecido. Se isso é suficiente é outra questão.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
“O Papa me surpreendeu de maneira positiva”. Entrevista com Helena Jeppesen-Spuhler - Instituto Humanitas Unisinos - IHU