13 Dezembro 2024
"Na maioria dos casos em que os discípulos são nomeados, encontramos palavras duras ou, pelo menos, expressões que enfatizam sua dureza de coração (Mc 8,17), sua falta de fé mesmo depois da ressurreição (Mt 28,17), sua sede de grandeza e privilégios (Mc 10,37), seu desejo de exclusão e domínio até mesmo com o uso da violência (Lc 9,49-50, 53-55), sua incapacidade de avaliar a si mesmos e sua incompreensão sistemática de Jesus (Mt 26,33; Lc 22,24)", escreve a teóloga italiana Emanuela Buccioni, consagrada do Ordo Virginum da Diocese de Terni, na Itália, doutora em Teologia Bíblica pela Pontifícia Universidade São Tomás de Aquino, em Roma, e professora do Instituto Superior de Ciências Religiosas de Arezzo, em artigo publicado por Rocca, 13-12-2024. A tradução é de Luisa Rabolini.
Sob o parágrafo Carismas, vocações e ministérios para a missão, o documento final do Sínodo de outubro cita o n. 60, aprovado com o maior número de votos contrários, por se destacar de todos os outros. Partindo da igual dignidade de homens e mulheres baseada no batismo, afirma, entre outras coisas: “Não há razões que impeçam as mulheres de assumir papéis de liderança na Igreja: o que vem do Espírito Santo não pode ser impedido. A questão do acesso das mulheres ao ministério diaconal também permanece em aberto”.
Entre as objeções clássicas que são repetidas por aqueles que nem sequer querem considerar a questão, está aquela do chamado “colégio apostólico”: escolhido por Jesus e formado apenas por homens, só que a expressão nem sequer existe no Novo Testamento. As considerações sobre como avaliar o grupo com relação ao papel das mulheres são conhecidas há décadas, mas como agora é preciso explicar que a Terra não é plana, talvez seja útil relembrar algumas delas.
Um movimento discipular extremamente vasto logo se reuniu em torno do rabino de Nazaré, seguindo Jesus de uma forma mais ou menos contínua; dentro do círculo mais amplo, formou-se um grupo de discípulos cujos nomes são apresentados em forma de lista nos Evangelhos sinóticos. No entanto, há também listas de nomes de mulheres discípulas, testemunhas únicas de momentos fundamentais, como a paixão ou o túmulo vazio, pontualmente lembradas pelos evangelistas: Maria Madalena, Maria de Tiago, Salomé, Susana, Joana e, também, Marta, Maria de Betânia e as “muitas outras”. Acostumados a simplificações, imaginamos que os Doze são os apóstolos e que os apóstolos são os únicos próximos de Jesus.
E, no entanto, até mesmo os nomes apresentam variações nas listas: Simão é chamado de “cananeu” ou “zelote”, Tadeu desaparece na lista de Lucas, onde aparece Judas Tadeu; sabemos algo sobre as origens e a profissão dos cinco primeiros chamados, os dois pares de irmãos pescadores e o cobrador de impostos Levi, também chamado de Mateus, mas, com exceção de Simão Pedro, algo sobre André e alguns detalhes sobre a proximidade de Tiago e João com Jesus em alguns momentos específicos, de muitos deles sabemos apenas o nome.
O Quarto Evangelho nos dá algumas notícias sobre Filipe (que, nos Sinóticos, é menos nomeado do que Filipe, irmão de Herodes), sobre Tomé (de quem, de outra forma, não saberíamos nada), mas, ao mesmo tempo, desaparecem completamente de cena Simão, Tiago, Mateus e Bartolomeu, que só mais tarde a tradição interpreta como o patronímico de Natanael; os próprios “filhos de Zebedeu” pouco marcam sua presença, apenas mencionados com essa formulação no único episódio da pesca no Lago Tiberíades no final do Evangelho, juntamente com três outros discípulos conhecidos (Simão Pedro, Tomé e Natanael) e dois outros anônimos, um dos quais é descrito na Paixão como “aquele que Jesus amava”. A própria sobreposição entre a figura do discípulo anônimo, fonte testemunhal do Evangelho, e aquela de João de Zebedeu, muitas vezes tida como certa (também graças a representações artísticas ou cinematográficas), é muito mais controversa do que se imagina. O próprio Quarto Evangelho apresenta a figura da mulher samaritana, que recebe uma grandiosa revelação sobre a identidade de Jesus e imediatamente se torna missionária, enquanto apresenta Marta, Maria e Madalena como destinatárias de diálogos extremamente significativos, até narrativamente mais relevantes do que outros sobre temas fundamentais para a fé na ressurreição ou a missão evangelizadora.
Na maioria dos casos em que os discípulos são nomeados, encontramos palavras duras ou, pelo menos, expressões que enfatizam sua dureza de coração (Mc 8,17), sua falta de fé mesmo depois da ressurreição (Mt 28,17), sua sede de grandeza e privilégios (Mc 10,37), seu desejo de exclusão e domínio até mesmo com o uso da violência (Lc 9,49-50, 53-55), sua incapacidade de avaliar a si mesmos e sua incompreensão sistemática de Jesus (Mt 26,33; Lc 22,24). Certamente, Simão Pedro é capaz de arrependimento e de choro, e Jesus, de acordo com o Quarto Evangelho, confirma seu amor por ele, mas quando pensamos nessa figura, tendemos a enfatizar acima de tudo a confissão de fé no aspecto messiânico de Jesus (cf. Mc 8,29 e Mt 16,16), que é, além disso, absolutamente equivalente ao de Marta em Jo 11, 27.
O grupo tão mitificado certamente existia: em Mateus, três vezes são mencionados os “doze discípulos” e uma vez os doze apóstolos, ou seja, enviados ou missionários (no início do chamado “discurso missionário”, Mt 10,2); no Quarto Evangelho, só aparece nos capítulos 6 e 20 em contextos problemáticos.
O que caracteriza esse grupo, mais do que seus elementos, parece ser justamente o número, um número que se refere diretamente à constituição do povo hebraico, como fica evidente em Mt 19,28: “na regeneração do mundo, também vos assentareis sobre doze tronos, para julgar as doze tribos de Israel” (cf. Lc 22,30).
A principal característica dos elementos do grupo, compartilhada por Jesus, é precisamente a origem judaica - posteriormente relativizada - também evidenciada pela missão “às ovelhas perdidas da casa de Israel” (Mt 10,6). O número, que se refere com claro simbolismo aos doze patriarcas (cf. Ap 21,14-21), conecta a revelação de Jesus e a sua comunidade à história da salvação associada ao povo da aliança.
Nesse sentido, nos primeiros tempos, parece absolutamente relevante manter o número, mesmo após a perda de Judas Iscariotes. É por isso que Pedro pede que seja restabelecido, pois percebe-se a necessidade de que “é necessário, pois, que, dos homens que conviveram conosco todo o tempo em que o Senhor Jesus entrou e saiu dentre nós, começando desde o batismo de João até ao dia em que de entre nós foi recebido em cima, um deles se faça conosco testemunha da sua ressurreição” (Atos 1,15, 21-23). O que habilita a entrar no grupo é o compartilhamento do seguimento no tempo da vida “pública” de Jesus, da Galileia à Páscoa em Jerusalém: o objetivo é claramente a possibilidade de dar testemunho do Ressuscitado e do Evangelho.
Essa importante passagem da primeira comunidade mostra como a amplitude do número de discípulos de Jesus com “competências” semelhantes era muito maior do que o grupo dos Doze e destinado a se expandir. Bastaria então ouvir Pedro que, diante das exclusões vigentes, proclama que Deus “não faz acepção de pessoas; mas que lhe é agradável aquele que o teme e faz o que é justo” (cf. At 10,34-35), sem distinção de origem étnica, religiosa ou de gênero.
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Os Doze e o papel de guia na Igreja. Artigo de Emanuela Buccioni - Instituto Humanitas Unisinos - IHU