Publicamos aqui o comentário do monge italiano Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose e da Casa della Madia, sobre o Evangelho deste 21º Domingo do Tempo Comum, 27 de agosto (Mt 16, 13-20). A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Na nossa leitura contemplativa do Evangelho segundo Mateus, chegamos a uma reviravolta na vida de Jesus: agora, os discípulos, depois de tê-lo seguido, ouvido e observado como mestre e venerado como profeta, chegam a compreender por graça que sua identidade vai além da compreensão e da experiência humana deles. De fato, Jesus tem um vínculo único com Deus, que o enviou ao mundo: é o Filho de Deus.
Justamente a partir desse momento, Jesus revela aos discípulos a necessidade da sua paixão, morte e ressurreição, e faz isso continuamente na viagem que tem como meta Jerusalém (cf. Mt 16,21; 17,22; 20,17-19), a cidade santa que mata os profetas (Mt 23,37).
O relato é denso, fruto do testemunho sobre o evento, mas também da meditação da Igreja de Mateus, que aprofunda cada vez mais o mistério de Cristo. Jesus vai com os discípulos aos territórios de Cesareia, a cidade fundada 30 anos antes pelo tetrarca Filipe, filho de Herodes, o grande, aos pés do monte Hermon. E, justamente lá onde César é venerado como divino, precisamente em uma cidade edificada em sua honra, eis a ocasião para a pergunta sobre Jesus: quem é verdadeiramente Jesus? É ele mesmo quem faz essa pergunta aos seus discípulos: “Quem dizem os homens ser o Filho do Homem?”.
Jesus gostava de chamar a si mesmo de “Filho do homem”, expressão obscura e talvez até ambígua aos ouvidos dos judeus, expressão que indicava um homem terreno, filho de homem e, ao mesmo tempo, alguém que vem de Deus.
Os discípulos relatam que as pessoas pensam que Jesus é um profeta, um dos grandes profetas presentes na memória coletiva de Israel: talvez Elias, que era esperado, talvez João Batista, morto por Herodes, mas que voltou à vida (cf. Mt 14,1-12), ou talvez Jeremias, visto que, assim como ele (cf. Jr 7), Jesus proferia palavras contra o templo de Jerusalém.
Então, Jesus interroga diretamente os discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?”. Na realidade, pouco antes, no fim da travessia noturna e tempestuosa do lago da Galileia, quando Jesus tinha ido ao encontro deles caminhando sobre as águas, os discípulos tinham confessado: “Verdadeiramente, tu és o Filho de Deus!” (Mt 14,33). Mas agora a resposta vem de Simão Pedro, o discípulo chamado por primeiro (Mt 4,18-19).
A pergunta de Jesus absolutamente não tinha como propósito obter como resposta uma fórmula doutrinal, muito menos dogmática, mas pedia aos discípulos para manifestarem sua relação com Jesus, o envolvimento deles com sua vida, a confiança que punham em seu rabi.
Sim, quem é Jesus? É uma pergunta que devemos nos fazer e refazer ao longo dos dias. Porque a nossa adesão a Jesus depende precisamente daquilo que vivemos no conhecimento ou no sobreconhecimento (epígnosis) de sua pessoa.
“Quem é Jesus para mim?”, é a pergunta incessante do cristão, que busca não fazer de Jesus o produto de seus desejos ou de suas projeções, mas acolher o conhecimento dele de Deus mesmo, contemplando o Evangelho e escutando o Espírito Santo. A nossa fé será sempre parcial e frágil, mas, se é “fé” que “nasce da escuta” (Rm 10,17), é fé verdadeira, não ilusão nem ideologia.
De acordo com Mateus, aqui os discípulos ficam mudos, e é só Pedro quem proclama, com uma resposta pessoal: “Tu és o Cristo, o Messias, o Filho do Deus vivo”. Ele diz que Jesus não é só um mestre, não é só um profeta, mas é o Filho de Deus, em um relação muito intensa com Deus, que podemos expressar com a metáfora pai-filho.
Em Jesus, há muito mais do que um homem chamado por Deus como profeta: há o mistério daquele que a Igreja, aprofundando a própria fé, chamaria de Senhor (Kýrios), chamaria de Deus (Theós). É verdade que, em hebraico, a expressão filho de Deus (ben Elohim) era um título aplicado ao Messias, o Ungido (cf. 2Sm 7,14; Sl 2,7; 88,27-28), aplicado ao povo de Israel (cf. Ex 4,22), mas aqui Pedro confessa claramente em Jesus a unicidade do Filho de Deus vivo.
E note-se que, se, em Marcos e em Lucas, Pedro expressa a fé de todo o grupo dos discípulos (cf Mc 8,29; Lc 9,20), aqui, ao contrário, ele fala em nome próprio, e por isso a resposta de Jesus é dirigida somente a ele: “Bem-aventurado és tu, Simão, filho de Jonas, porque não foi a carne nem o sangue que te revelaram isso, mas o meu Pai que está nos céus”.
Aquele que se chamava Simão, o pescador da Galileia, filho de Jonas, é definido por Jesus como “bem-aventurado”, não por si mesmo, mas pela revelação gratuita que o Pai lhe fez. Se Simão proclama essa confissão de fé, é por revelação de Deus, não como fruto de raciocínios e experiências humanas (carne e sangue). Por vontade amorosa de Deus, Pedro teve acesso a tal revelação, e por isso Jesus, constatando a ação do Pai, o define como bem-aventurado.
Afinal, Jesus havia dito: “Ninguém conhece o Pai senão o Filho e aquele a quem o Filho o quiser revelar” (Mt 11,27), e aqui ele apenas reitera isso, discernindo que, por meio de Pedro, foi o próprio Pai quem falou.
Justamente em obediência a tal revelação, Jesus continua, declarando a Simão: “Tu és Pedro (Pétros) e sobre esta pedra (pétra) construirei a minha Igreja”. Jesus está construindo a Igreja e certamente será ele “a pedra viva, rejeitada pelos homens, mas escolhida e preciosa aos olhos de Deus” (1Pd 2,4), mas Pedro é a primeira pedra dessa construção.
Para fazer uma construção, é preciso que haja alguém capaz de ser a primeira pedra, e Pedro mostra que o é, por isso Jesus muda seu nome de Simão para Kefâs, Pedro (cf. Jo 1,42). Assim, ele participará por graça da solidez da Rocha que é Deus (cf. Sl 17,3.32; 18,15; 27,1 etc.), solidez ao confessar a fé, embora, subjetivamente, ele poderá fracassar em seu seguimento, cair em pecado, manifestando-se com suas fraquezas e seus comportamentos contraditórios.
A bem-aventurança de Jesus não constitui Pedro na santidade moral, mas na solidez da fé confessada. E não serão, talvez, justamente a fragilidade e a fraqueza em seu seguimento a Jesus que permitirão que Pedro, autoridade suprema dos Doze, seja especialista na misericórdia do Senhor? Pedro sabe que conheceu sobre si a misericórdia do Senhor, que conheceu verdadeiramente o Senhor e, por isso, pode anunciá-lo e testemunhá-lo de modo credível.
Pedro teve por graça o dom do discernimento, viu bem quem era Jesus e, por isso, pode ser a primeira pedra, aquela que marca a solidez de toda a construção, um homem capaz de reforçar e confirmar os irmãos, também por ser, por sua vez, sustentado e confirmado pela oração de Jesus (Lc 22,32).
Nessa passagem, aparece a palavra “Igreja”, que retornará apenas mais uma vez em todos os evangelhos, também em Mateus (cf. Mt 18,17). Igreja, ekklesía, significa assembleia dos chamados-por (ek-kletoí): este é o nome dado pelos heleno-cristãos às suas comunidades, também para se diferenciarem da sinagoga (assembleia) dos judeus não cristãos. Pois bem, a Igreja tem Jesus como construtor – “Eu construirei a minha Igreja” – e ela lhe pertence para sempre: nunca será nem de Pedro nem de outros, mas de propriedade do Senhor (Kýrios).
Nessa construção de Cristo, Pedro na terra será o intendente, aquele que abre e fecha com as chaves que lhes foram confiadas pelo próprio Cristo: trata-se de imagens semitas, cujos rastros encontramos no Antigo Testamento (cf., por exemplo, Is 22,22), que significam que Pedro será habilitado a interpretar a Lei e os Profetas, como testemunha e servo de Jesus Cristo.
Eis, portanto, um grande dom de Jesus aos discípulos: Pedro, o humilde pescador da Galileia, que recebeu uma revelação da parte de Deus e a confessou. É inegável que aqui Pedro recebe um primado, o do homem do início, o primeiro chamado, o “primeiro” na comunidade (cf. Mt 10,2), o homem capaz de ser a primeira pedra na edificação da comunidade cristã (cf. Is 28,14-18).
Poderíamos dizer que, naquele dia, em Cesareia, a Igreja foi esboçada, foi posta sua primeira pedra. Depois, na história, ela faria a sua corrida, conhecendo contradições, inimizades e perseguições; mas, mesmo em sua pobreza e na fragilidade de seus membros, fracos e pecadores, ela cumprirá seu caminho rumo ao Reino, porque a vontade do Senhor e sua promessa nunca desaparecerão, e até mesmo o poder da morte não conseguirá vencê-la, aniquilar o “pequeno rebanho” (Lc 12,32) do Senhor. Um rebanho que é pequeno, sim, mas que tem como pastor Jesus ressuscitado e, como redil, uma Igreja cuja primeira pedra, por vontade do Senhor, permanece firme.