21º domingo do tempo comum – Ano A – Um Messias a serviço de um projeto de justiça e salvação

25 Agosto 2023

“A leitura de hoje convida à nós e, sobretudo às lideranças religiosas, a retomar o caminho de onde se originam as águas de nosso batismo (que nos tornam cristãos e cristãs) para responder a Jesus sobre quem Ele é e também entender o que significa estar no seu Seguimento" escreve Simone Furquim. E continua: "Havia muitos movimentos messiânicos no tempo de Jesus e das primeiras comunidades cristãs. Esses movimentos aguardavam um messias guerreiro e poderoso para livrá-los da opressão do império romano. Mas, e agora? Como sustentar a fé em um messias que foi humilhado e executado no madeiro?""

A reflexão é de Simone Furquim Guimarães, leiga, teóloga, é mestre em teologia bíblica pela Faculdades EST. É assessora e coordenadora do Cebi-Planalto Central.

 

 

Leituras do dia

1ª leitura: Is 22,19-23
Salmo: Sl 137, 1-2a.2bc-3.6.8bc (R. 8bc);
2ª leitura: Rm 11,33-36
Evangelho: Mt 16,13-20

 

Eis o texto

E vós, quem dizeis que eu sou? (Mt 16,15)

No Evangelho de hoje, a pergunta de Jesus aos seus discípulos: “E vós, quem dizeis que eu sou?”, é uma pergunta essencial para nós que queremos fazer parte também do seu Seguimento.
O Evangelho de Mateus narra que Jesus se reuniu com seus discípulos em Cesaréia de Filipe. Esta região, que fica ao pé do monte Hermon, é de onde origina as águas do Rio Jordão, das águas do batismo. Certamente, o evangelista quis passar alguma mensagem importante ao mencionar essa localização. Podemos interpretar que foi propícia a parada junto as rochas de onde origina o rio de água viva; pois, conforme os capítulos anteriores, após longo caminho de missão, de ensinamento, de descobertas e construções, o Mestre faz uma pausa para avaliar sua missão e procura conhecer o que pensam seus seguidores sobre si: Pedro responde à Jesus: “Tu és o Messias, filho do Deus vivo!”.

Havia muitos movimentos messiânicos no tempo de Jesus e das primeiras comunidades cristãs. Esses movimentos aguardavam um messias guerreiro e poderoso para livrá-los da opressão do império romano. Mas, e agora? Como sustentar a fé em um messias que foi humilhado e executado no madeiro?


É por trás da pergunta de Jesus que, certamente, está refletida a pergunta que esses seguidores/ras fizeram logo após a sua execução na cruz: quem é Jesus? E as respostas que eles foram dando se expandiram ao longo dos anos seguintes até chegar o surgimento dos quatro evangelhos. Portanto, na tentativa de entender quem é Jesus, é que foram surgindo os quatro evangelhos sobre Jesus.

Diante da morte na cruz, os evangelistas compreenderam que Jesus é o Messias servo e sofredor, retratado pelo profeta Isaías (cf. Is 53); ou seja, é aquele que veio servir e sofrer em favor do novo povo de Israel. Mateus expressa essa afirmação nos versículos seguintes, em que Jesus vai anunciar a sua paixão (cf. v.21) e dizer as condições para quem quiser segui-lo: deve também carregar a sua cruz (cf. v. 24-27).

Essa elaboração de fé foi o que animou seus seguidores que também sofriam sob o jugo do império romano e das lideranças religiosas judaicas. Afirmar um messias que luta por justiça e que acolhe a todos os excluídos foi a motivação que fez formar as comunidades (igreja) por toda região da Galiléia, da Judéia, posteriormente, as comunidades da diáspora, e que se expandiu por todo o mundo e até os dias de hoje.

A comunidade cristã, que está por trás do Evangelho de Mateus, fez memória também dos discípulos de Jesus. Para essa comunidade, Pedro é a liderança na Igreja; ele é um referencial de discipulado de Jesus; por isso, ele deve ser como rocha firme, isto é, deve ser fundamento para a igreja a ponto de ela resistir contra as tribulações: empobrecimento, perseguição, morte provocado pelo império romano. O governo romano é personificado aqui como sendo as portas do Hades, pois são as potências de todo mal que a comunidade estava sofrendo.

O compromisso da Igreja e, sobretudo das lideranças hoje é o compromisso de Pedro, que recebeu as chaves (autoridade) para administrar a igreja, espelho do Reino de Deus. Neste ponto, Mateus retoma a metáfora usada pelo profeta Isaías, conforme a primeira leitura de hoje, em que Deus instituiu Eliacim sacerdote e lhe entregou as chaves para administrar a casa templo de Deus; ou seja, para ser mediador entre Deus e o povo de Israel.

A leitura de hoje convida à nós e, sobretudo às lideranças religiosas, a retomar o caminho de onde se originam as águas de nosso batismo (que nos tornam cristãos e cristãs) para responder a Jesus sobre quem ele é e também entender o que significa estar no seu Seguimento.

Este é um exercício necessário, pois muitas vezes nos falta clareza em entender que tipo de Messias é Jesus. Há um risco de cairmos na tentação de torná-lo um messias promotor de guerras, de violências e opressões.

Este exercício é necessário para fortalecer nossa fé no Messias que se coloca a serviço de um projeto de justiça, de libertar os oprimidos e excluídos, de acolhida a todos e todas no plano de salvação de Deus.

A comunidade cristã (igreja) se reunia para celebrar a partilha do pão e do vinho, fazendo a memória e o compromisso com o projeto de justiça. Este compromisso procurava manter viva a aliança feita com Jesus e a prática de seus ensinamentos.

Isto nos leva a refletir o que significa estar no Seguimento de Jesus; isto nos leva a refletir se estamos sendo coerentes quando participamos de nossas celebrações dominicais na nossa igreja – momento em que toda a liturgia está voltada para que possamos fazer memória da vida de Jesus e assumir o compromisso de vivermos assim como ele viveu, edificando a sua Igreja, isto é, o Povo de Deus.

Infelizmente, algumas missas e cultos, muitas vezes, perdem sua importância reflexiva e sua beleza litúrgica. Há templos caiados: bonitos e grandiosos por fora e “vazios” por dentro, que funcionam semelhantes a “self-services”, onde a salvação é negociada e comprada a custos elevados. Não produzem conversões verdadeiras (metanoia, do grego: conversão de perspectiva e de prática). Não raro as pessoas saem desses templos ainda mais individualistas e sedentas por ocorrência imediata de uma transformação mirabolante em suas vidas.

Vivemos em meio a cenários em que algumas lideranças religiosas, que se dizem cristãs, realizam verdadeiro “merchandising” da fé, aplicando um conjunto de ações e técnicas para aumentar a procura e a venda de ilusões, com ampla exibição de suas práticas, em diferentes meios de comunicação e redes sociais. Fazendo isso, essas lideranças ofuscam o Evangelho e a pessoa de Jesus Cristo e afastam-se do seu Seguimento para se tornar o centro e a referência para os fiéis.

O apóstolo Paulo, na leitura da carta aos Romanos (cf. Rm 11,33-36), questiona toda aquela liderança que tem pretensões de se igualar à Deus. As três perguntas retóricas dos versículos 34 e 35 - quem pode igualar-se à Deus em conhecimento, em sabedoria e em riqueza? - têm a finalidade de sufocar todo atrevimento e derrubar toda arrogância humana. Ninguém é como Deus, ainda que assim se comporte. O hino é um louvor e ação de graça à Deus e à sua misericórdia.

A mudança que almejamos, ao sair de nossas missas e cultos, não deve ser orientada por ilusões; precisa vir da própria liturgia, que tem a capacidade de provocar em nós o desejo de nos tornar pessoas mais humanas à semelhança de Jesus; precisa provocar em nós a gratidão e reconhecimento do poder amoroso de Deus, assim como os salmistas cantavam: “Eu te celebro Javé, de todo o coração...celebro o teu nome, por teu amor e verdade” (cf. Sl 137,1a.2b).

Hoje é momento de a assembleia reunida fazer a memória da Páscoa de Jesus ressuscitado e vivo no meio de nós e professarmos o credo, assim como Pedro: “Tu és o Cristo, o Filho do Deus vivo!”.
Ao fazer memória de Pedro, que a tradição católico-romana nos legou como o primeiro Papa, lembramos a presença do Papa Francisco como nossa liderança, colaborador na edificação da Igreja, anunciando uma Boa Notícia e denunciando injustiças sociais e ambientais de nossos tempos. Com postura profética e sensibilidade, o papa demonstra que compreendeu quem é Jesus e o que significa estar em seu Seguimento.

Ao escolher Pedro - figura “controvertida” - Jesus indica conhecer e enxergar o coração humano e suas fragilidades, mas enfatiza o lado mais belo que todo humano tem dentro de si, fortalecendo aquela centelha de amor espiritual que nem o pecado é capaz de apagar.

Que saibamos discernir e estimular em nós os aspectos emanados em São Pedro que nos ajudam na espiritualidade do seguimento, firmes na fé e na coragem de testemunhar o Cristo Ressuscitado.

Amém!

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